Eu não estava muito a fim de trocar de terapeuta, começar tudo de novo, ficar
um tempão encarando um desconhecido até aprender um pouco sobre ele, até começar
a entender o que significava suas microexpressões, seus gestos e entonação vocal. Eu
não sabia se aguentaria tudo de novo, a sensação de estar exposta, nua. Mas era preciso
encarar, pelo meu bem, porque eu queria tomar decisões diferentes de agora em diante.
Eu precisava conseguir superar essa perda.
Quando entro em seu consultório, vou logo me deitar, porque não quero
encarar seus olhos, pelos menos não imediatamente. Seguindo seus protocolos e
receitas, ele inicia a sessão, então novamente minhas emoções começam a jorrar de
dentro de mim. Eu me lembro da difícil decisão de terminar meu relacionamento
pouco saudável com a Nati, me lembro da despedida dolorosa do Joaquim, me lembro
de chegar sozinha em casa e recolher todos os objetos da nossa vida juntas. Fotos,
ursinhos, presentes, calendários com datas marcadas, escovas de dentes, sabonetes,
shampoos, roupas e pijamas. Eu precisava me livrar disso tudo, se quisesse ficar bem.
Qualquer objeto, por mais insignificante que pudesse parecer, despertaria uma
esperança que não devia existir. Dessa vez, não. Dessa vez, eu não vou aceitar tudo
de novo. Eu não posso mais lidar com seus dramas familiares, com sua dificuldade
em receber ajuda, com suas inseguranças em relação ao Joaquim, mas principalmente,
eu não conseguia lidar mais com o seu amor doentio por Bernardo. Eu já entendi e
aceitei demais, agora era preciso terminar de uma vez, era preciso seguir em frente.
O terapeuta diz qualquer coisa, então percebo que eu ainda não comecei a falar
com ele. Estou falando comigo mesma, tudo está jorrando, mas só dentro de mim. Eu
peço um instante, então adormeço. A terapia fica para outro dia.