Agora está tudo diferente, mas eu ainda tinha que continuar. Com muita
dificuldade, sobrevivi aos meses subsequentes à morte de Gabe. Estava trabalhando
como uma louca, desesperada para esquecer meu sofrimento. Estava mais fácil, a cada
dia. Por isso, quando surgiu uma oportunidade de viajar à Brasília para cuidar de um
projeto importante para o nosso escritório, eu praticamente implorei aos meus chefes
para me designarem. Só quando me debrucei sobre os processos é que percebi que a
unidade responsável pelo projeto também fora vítima do nosso antigo sócio, destituído
há pouco tempo após outro escândalo de assédio sexual, um que ele não pôde encobrir.
Destituído é só um nome para a conclusão da dor de cabeça que ele deu até
enfim largar o osso e aceitar a decisão do escritório. Então as coisas fizeram mais
sentido, o real motivo da minha designação, que certamente não aconteceu só porque
eu implorei. Eu estava prestes a encontrar os responsáveis da unidade, mas me sentia
envergonhada. Se eu estivesse pensando direito, não teria aceitado participar disso.
Eu não sabia se queria trabalhar para mudar a imagem negativa do nosso escritório.
Infelizmente, parece que agora não tenho alternativa.
A primeira coisa que fiz em Brasília foi visitar o local em que Caio fora
assassinado, mas novamente fiquei à beira de um colapso, porque o local estava
inalterado, como se nada tivesse acontecido ali, como se não tivessem subtraído do
meu colega todos os seus sonhos, a sua vida, tudo. Agora estou aqui, nesse lugar
imenso, perdida.
Engulo o choro, preciso continuar.
Há muito movimento no prédio do ministério, eu me escondo no meio daquela
multidão e sigo até o endereço enviado pela unidade. Quando as portas do elevador
se abrem no andar do meu destino, eu sofro outro baque. Eu me lembro dessa figura
imensa, eu me lembro desse homem. Era Bernardo o seu nome? Nós rimos antes do
embarque, lembrando da noite anterior, quando eu fugi dele. Meus olhos se enchem
de lágrimas, porque eu me lembro de Gabe.
Ele estava pronto para pegar o elevador, aparentemente, mas desiste, quando
me vê. Novamente, parece preocupado com minhas lágrimas, como naquela noite.
Estou imóvel, não consigo interromper minhas lembranças.
“Você está bem?”, a mulher ao dele me pergunta.
Por um momento, pensei que eu estivesse ouvindo Bernardo, mas quem me
pergunta isso é uma mulher, que está ao seu lado. Ela tem olhos radiantes, profundos,
que nos tragam, devoram, quando por um descuido nós nos deixamos ser atraídos por
sua força gravitacional. É de uma beleza e voz estonteantes, estou em choque. Ela já
está me abraçando. Por que ela está fazendo isso? Quando acordo do meu transe,
percebo que estou soluçando. Estou chorando como uma criança nos braços dessa
mulher desconhecida.
Bernardo está ao nosso lado, completamente perdido. Não sabe se deve ficar,
ou partir. Eu tento me acalmar, mas está muito difícil. Parece que não vai acontecer
tão cedo. Esse abraço é como um útero, do qual não quero mais sair.