Ela sai do cemitério e atravessa a rua, limpando as lágrimas, limpando o rosto.
Deve estar o maior chororô lá dentro, a cidade toda apareceu no enterro do moleque
fodido. Dou mais uma tragada no meu cigarro, jogo a bituca no chão e esfrego com
um pé. Descasco uma bala de menta e meto na boca pra esconder o bafo de cigarro,
que sei que ela odeia. Vou tentar mais uma vez, uma última vez. Dessa vez, tenho
uma historinha mais convincente. Ela tá chorando, tá triste, acho que vou ter mais
chance dessa vez. Já faz um tempão que essa santinha me largou, mesmo assim ainda
não arrumou outro macho, então deve gostar de mim ainda. Tô na merda, cheio de
dívida! E tô cansado de dar o cu praqueles vovôs de pau mole a troco de miséria!
Bando de fodido do caralho. É minha última chance com essa santinha.
Espero um pouco, pra aparecer no momento certo, como nos filmes bregas que
ela gostava de assistir. Quando a gente se viu pela primeira vez, foi na igreja, lógico,
no batizado do meu sobrinho. Ela usava um vestido que devia ser proibido num lugar
daqueles, mesmo assim ela apareceu com aquela roupa, como uma enviada do diabo,
como uma desviada. Pensei na hora que ela não devia ser santa coisa nenhuma, devia
era ser muito fogosa, dessas puta da cidade que finge que é santa. Ela tinha acabado
de receber uma herança, eu estava de olho, pra ver se podia mudar de vida. Ela caiu
direitinho no papo.
Foi uma merda fingir que gostava dela, esperar o casamento pra foder ela. Eu
só queria foder ela, depois me mandar com o dinheiro. Tentei antes do casamento, pra
ver se ela virava puta ou não. Mas ela era osso duro de roer! Não me deixava nem por
um dedo lá, eu nunca sabia se ela estava na minha. Era uma merda. Daí ela descobriu
tudo e me largou. Culpa dela eu ter voltado pra minha vida de merda. Aqueles velhote
dos infernos não davam conta de merda nenhuma, tudo zumbi. As madame também
não ajudava muito, tudo frígida, tudo larga, tudo arrebentada. Um horror. Pena que
ela me pegou na cama aquele dia, com aqueles putos, putas de merda.
Vou tentar de novo, com essa santinha. Se dou sorte, nunca mais volto pra essa
merda de vida.
“Manu”, chamo, caprichando na atuação, na cara de tristeza da porra. “Eu sinto
muito pelo seu amigo”, falo, assim que ela me olha.
Ela fecha a porta do carro em que estava quase entrando, parece chocada por
me ver. Deve estar mesmo na minha. Ela tá linda, fico quase com vontade.
“Imaginei que você ia aparecer aqui, então eu vim”, continuo. “Você tá bem?”
Fico assustado quando ela começa a rir, mesmo com aquele rosto inchado. Ela
fica parecendo uma louca!
“Você? Preocupado comigo?”, pergunta.
Essa merda não tá saindo do jeito que eu quero.
“Imaginou que eu apareceria aqui?”, ela fala, como se não falasse comigo.
“Eu fiquei preocupado mesmo...”
“Daniel, suma da minha frente”, ela não grita, mas me assusta mesmo assim.
“O que será que eu vi em você?”, me olha com cara de bosta e entra no carro.
Ela corre dali, me deixa pra trás.
Merda! Nem tive a chance de contar a historinha que ensaiei.
Agora é voltar pros vovôs de pau mole!