Eu não era muito fã da expressão “ninho de cobras” antes de começar a
trabalhar neste lugar. Agora, principalmente em dias como hoje, eu não consigo
pensar noutro termo para descrever esse ambiente podre. Quando retorno do almoço
e me dirijo à minha estação de trabalho, numa das baias de frente ao escritório do
Fernando, posso ouvir todo tipo de comentário asqueroso. Eles falam sobre o caso da
Laura com o Bernardo, nosso consultor externo, que possui um status algumas vezes
difícil de compreender. Ele é como um chefe, mas não é exatamente nosso superior,
é nosso parceiro de trabalho. Mesmo assim, as coisas não andam se não forem
aprovadas pelo time dele, o que é bem estranho. Recentemente, ele se mudou para o
andar de cima, passou a ocupar uma das imensas salas de lá. Devia estar
desconfortável no espaço que lhe deram aqui embaixo. Fico imaginado se ele
precisasse trabalhar numa baia, como nós. Seria até engraçado de ver.
Minha mesa está abarrotada de processos, estou sonolenta após o almoço, mas
não tenho tempo nem para pensar nisso. Tenho uma reunião com o Fernando dentro
de pouco tempo, preciso me preparar.
Eu me sento ali e começo a revisar os processos, verificando se todos os
documentos foram elaborados corretamente, verificando se estão ordenados. Se não
estivessem conformes, acordantes com normas internas e externas, avaliações das
áreas competentes e decisões das mesas, era preciso refazer tudo. Eu precisava cuidar
disso antes de entregá-los ao Fernando, meu superior direto. No entanto, não consigo
concentrar direito, por causa dos mexericos.
Solto um suspiro, provavelmente sonoro, porque Pablo aparece na minha mesa.
Trabalhávamos um do lado do outro.
“Tudo bem aí?”, ele me pergunta.
“Sim, mas eu ficaria melhor longe daqui”, falo rindo.
“Está mesmo pensando em pedir exoneração?”, Pablo questiona, parecendo
preocupado.
Suspiro novamente.
“Eu dei um duro danado pra passar neste concurso, Pablo”, respondo. “E nunca
fui uma aluna brilhante. Mas não sei se quero continuar aqui. Também não é como se
eu tivesse muita opção a não ser tentar outro concurso”, eu lhe encaro. “Por que eu
nasci pobre?”, brinco com ele.
Pablo ri.
“Esse lugar não é mesmo muito agradável, Gabi”, ele fecha a cara de repente.
“E não é muito justo na promoção da nossa carreira.”
Pelo jeito que ele falou, eu soube de cara a que ele se referia. Pablo devia ter
sido promovido no ano passado, mas infelizmente deram o cargo para outra pessoa,
porque pisaram feio na bola. O cargo pelo qual ele trabalhou tanto agora era ocupado
pela Laura. Eu gostava dela, principalmente depois de conhecê-la um pouco melhor,
mas ainda ficava triste pelo meu colega.
No início, todos meio que antagonizaram a Laura porque acreditavam que ela
fora contratada só para a nossa unidade não ficar manchada pelos escândalos, então
ela começou a mostrar como era boa no que fazia, calou a boca de todo mundo. Em
seguida, a desculpa para não gostarem dela era sua arrogância, como disseram.
Achavam que ela não ligava para ninguém. Ela continuou fazendo tudo do jeito que
bem entendia, sem se preocupar com o falatório, aumentando a raiva dos fofoqueiros.
E agora ela estava saindo com o todo-poderoso da unidade, aquele que fazia até o
diretor da nossa unidade comer em sua mão. Para quem vê de longe, ela podia mesmo
parecer uma pessoa horrível.
“E se pedíssemos transferência para outra unidade?”, Pablo sugere de repente.
Eu rio, porque sei que ele não fala sério. As transferências eram uma verdadeira
dor de cabeça, não garantiam nada, nem mesmo que nossos novos colegas seriam uns
amores, diferente desses aqui. E Pablo não podia lidar com isso agora, porque tinha
uma esposa e dois meninos pequenos para cuidar. Além disso, sua esposa estava
grávida novamente.
“Vocês já sabem o sexo do bebê?”, pergunto animada.
“Vamos saber em breve”, responde, voltando à sua estação.
Ele está preocupado, não tinha planejado a gravidez, pegou os dois de surpresa.
Era difícil manter uma vida decente na capital, ganhando o que ganhávamos. Mesmo
assim, eu ainda tentava me convencer com o discurso que mais ouvi enquanto crescia:
“Somos pobres, minha filha, mas tem gente pior que nós. Graças a Deus, nós nunca
passamos fome.” E com isso, eu sempre voltava a trabalhar neste lugar infernal, que
não suportava. Engolia a vontade de chutar o balde e continuava, porque minha vida
não era tão ruim, se parasse para pensar, porque dei sorte de passar num concurso público, a
verdadeira loteria do Brasil.