Ela está mais calma, bebe um pouco de água. Seus olhos perdidos parecem
enxergar melhor. Quando ela finalmente conseguiu interromper seu choro convulsivo,
eu a conduzi até o escritório de Bernardo no piso superior, para o qual seguíamos
quando nos encontramos. Não levo muito tempo para entender que de toda forma era
ela quem esperávamos. Ela é a advogada designada pelo escritório de São Paulo. Deve
ter errado seu caminho quando parou no piso da nossa unidade, por isso nos
encontramos antes. Que bom que nos encontramos antes, assim conseguimos acalmá-la antes de a reunião começar, antes dos outros chegarem.
Estou sentada ao seu lado, segurando sua mão. Bernardo está do outro lado da
sala, perdido. Fiquei com a impressão de que se conhecem, mas não preciso entender
isso agora.
“Você está melhor?”, pergunto.
Ela respira profundamente, balança a cabeça concordando.
“Estou bem melhor, muito obrigada”, ela me encara novamente, com aqueles
olhos tristes. “Desculpe por tudo isso, não era mesmo a primeira impressão que eu
gostaria de causar”, brinca, tentando disfarçar seu embaraço.
“Não se preocupe”, digo. “O que acha de remarcarmos essa reunião para
amanhã?”
Eu sei que ela não quer fazer isso, mas tenho certeza de que não tem condições
de pensar claramente. Ela me entende, não parece convencida, mas aceita a oferta.
Quando ela concorda com poucos gestos, eu me levanto e ligo para o Dudu. Peço que
ele avise os outros.
Bernardo toma coragem para se aproximar dela.
“Como você está?”, diz meio sem jeito. “Tem certeza de que não precisa de
um médico?”
Ela se levanta subitamente, encarando Bernardo.
“Qual é o meu nome?”, ela desafia Bernardo.
Ele gagueja. Não se lembra, claramente.
“Você é realmente uma causa perdida, Bernardo”, ela brinca, então ri.
Bernardo também ri, envergonhado. Olha para mim preocupado.
“Eu me chamo Maria”, ela estende sua mão, como se estivesse ensinando
Bernardo como uma apresentação devia ser feita, ou tentando fazer com que ele se
recordasse de alguma outra coisa. “É bom você se lembrar disso na próxima vez.”
Bernardo aperta sua mão estendida, mas ainda me olha de esguelha,
preocupado. Eu quero rir do seu embaraço.
Maria então se aproxima de mim, tem uns olhos brilhantes.
“Nós precisamos ser amigas, porque toda vez que eu quiser chorar assim de
novo, vou precisar de você para me acalmar”, alega.
Estou um pouco chocada pela forma como ela é direta, mas começo a rir alto,
ela me imita. Ficamos ali, duas estranhas rindo como se fossem velhas amigas.
Bernardo está ainda mais perdido. Acho que ele quer sair da sala.
“Laura”, digo, estendendo minha mão.
Maria me abraça de novo, ao invés de apertar minha mão, mas dessa vez ela
me libera bem rápido.
“Muito obrigada, Laura”, fala sorrindo. “Não pensei que eu pudesse ter uma
recepção tão boa nesta cidade.”
“Você está realmente bem?”, insisto.
“Sim, estou bem melhor, mas foi uma boa ideia remarcar a reunião.”
Eu concordo.
“Agora, eu preciso dizer uma coisa”, Maria fica ao meu lado e encara
Bernardo, faço o mesmo. “Como ele conseguiu convencer uma mulher como você?”
Bernardo abre a boca, vai dizer alguma coisa, mas desiste. Eu e Maria rimos.
“Ele ainda não me convenceu, não totalmente”, brinco.
Bernardo suspira.
“Explicado, agora entendi.”
Maria se aproxima de Bernardo novamente.
“Se você partir o coração dela eu arranco o seu, entendeu?”, ameaça, sua voz
é feroz, mesmo quando brinca.
“Entendido”, Bernardo responde. “Mas agora você pode explicar pra ela que
nós não temos nada, por favor? Essa situação está bem estranha, Maria.”
Nós rimos de novo, Bernardo continua deslocado.
“Nós nunca tivemos nada, Laura”, ela diz. “Felizmente, eu consegui correr dele
bem a tempo.”
“Maria, você não está me ajudando aqui, entendeu?”, Bernardo protesta.
Era estranha a situação, mas por algum motivo completamente desconhecido,
eu estava feliz em conhecer a Maria, em ver Bernardo perdido diante dela, em
perceber como ambos pareciam amigos próximos, quando colocados nesse quadro,
emoldurados dessa forma, mesmo sabendo que eles não eram. Essas imagens
passaram por minha cabeça como um filme, eu senti algo como nostalgia, mesmo sem
ter experimentado nada disso antes. Era como se tivéssemos vivido o mesmo
momento noutro tempo, noutro lugar, era como um reencontro. Não tenho certeza de
onde vinha a sensação de que eu podia confiar na Maria. De repente, parecia que ela
era como família para mim, uma que nunca tive, uma que eu precisaria aprender como
cuidar.
“Muito obrigada de novo, Laura”, ela diz, interrompendo meus pensamentos
absurdos. “Eu vou para o hotel me acalmar, dormir um pouco. Prometo que amanhã
estarei em plenas condições de discutir o projeto com vocês.”
“Maria”, eu chamo quando ela já está caminhando em direção à porta. “Eu vou
te dar o meu número, se estiver disposta, podemos jantar”, vou até a mesa de Bernardo
anotar meu número e entrego a ela. “Você também pode me ligar se precisar de
qualquer outra coisa, combinado?”
Seus olhos estão úmidos outra vez, ela sorri, agradece e parte. Acho que ela
vai me ligar, e eu quero que ela faça isso.
Quando Maria parte, Bernardo se aproxima de mim e beija meu cabelo, coloca
um braço à minha volta, mantendo-me presa ao seu corpo.
“Nós nunca tivemos nada”, ele afirma.
Eu rio.
“Eu entendi, Bernardo.”
“Nós nos conhecemos numa viagem que fizemos com nossos amigos, eu só
queria curtir, beber e transar”, ele prossegue, mesmo quando digo que entendi. “Eu
investi na Maria por um instante, mas ela estava sofrendo por causa de algum filho da
puta, então não tive chance”, ele beija meu cabelo de novo. “Que bom que nunca tive
uma chance com ela, Laura, que bom que não preciso ficar mais envergonhado do que
isso na sua frente, meu amor.”
Eu beijo seu rosto.
“Você realmente dá muito trabalho, Bernardo.”
Ele ri, então me abraça, erguendo-me do chão.