Finalmente, estou em casa, depois de dias longe daqui, parece que falta alguma
coisa, e eu sei bem o que é, mas não quero pensar nisso agora. Eu nem desfaço as
malas, vou logo tomar meu vinho na sacada, admirando as luzes da cidade. É uma
noite bonita, posso encontrar um pouco de paz nesse cenário. Em breve, tudo mudaria
no trabalho, então eu escolhi o momento certo para tirar uns dias de folga. Minha
viagem foi muito boa, eu consegui esquecer brevemente os meus problemas, mas foi
só chegar que tudo recomeçou.
Uma chuva fina começa a cair de novo, eu quero chorar. Será que Bernardo
me achava um monstro, assim como minha família? Será que algum dia vou conseguir
superar a minha vontade de destruir animais asquerosos? Eu não estava arrependida
do que fiz, como nunca estive antes, mas dessa vez eu me importava com o julgamento
de alguém. Quando minha família me tratou como se eu fosse uma aberração, eu fiquei
feliz, porque pensei que eles se livrariam mais rápido de mim, facilitando a minha
emancipação tão sonhada. Desta vez, com Bernardo, eu estou insegura. Tivesse
acontecido meses atrás, eu não me importaria nem um pouco, mas agora alguma coisa
estava diferente. Eu detestava me sentir exposta e vulnerável diante dele, eu odiava
esse turbilhão de emoções sem sentido que me confundiam e desorientavam tanto.
Essa não sou eu, quantas vezes preciso repetir?
No dia seguinte, o meu telefone tocou sem parar, eu sabia que era Bernardo.
Ele provavelmente estava na minha porta, mas eu já tinha partido há muito tempo. Eu
não quis encontrá-lo até colocar minhas emoções no lugar, coisa que infelizmente não
aconteceu. Eu mandei uma mensagem de texto para ele, explicando que precisava de
um tempo sozinha, novamente, disse que ele podia me ligar se precisasse de mim para
algum depoimento, mas se esse não fosse o caso, ele precisava parar de me ligar.
Bernardo parou de me ligar, então eu pude ficar a sós com minhas recordações,
dúvidas e emoções intensas.
Eu começo a chorar, assim como a chuva mais cedo, o meu choro começa
devagar, mas logo se torna convulsivo. Estou fazendo o melhor que eu posso, mas eu
cometi um erro, eu me enganei quando pensei que podia ganhar esse jogo. Eu não
devia ter me envolvido, eu não devia ter sucumbido ao conforto dos braços dele, eu
não devia ter aceitado seu carinho. E agora, o que eu vou fazer?
Ouço o barulho de uma chave girando na minha maçaneta, eu me assusto um
pouco, mas entro na sala e agarro o meu vaso de flores, o primeiro objeto que
encontro. Espero preparada para atacar, uma dúvida surge na minha cabeça, mas eu
espero, preparada.
Confirmando minhas suspeitas, quem entra no meu apartamento é Bernardo.
Ele me olha cansado, não se assusta com o que vê. Ele suspira, então caminha até mim
devagar, joga suas chaves e carteira em cima da bancada da cozinha e retira o vaso da
minha mão. Ele devolve o vaso ao seu lugar de origem, então me encara. Parece
analisar cada centímetro do meu rosto.
Quando Bernardo avança um passo na minha direção, eu recuo outro. Ele se
detém. Seu semblante parece cansado, provavelmente como o meu deve lhe parecer.
“Como sabia que eu estava aqui?”, questiono.
“Pedi ao seu porteiro pra me avisar quando você chegasse”, ele diz, sem tirar
os olhos de mim.
“O meu porteiro não pode passar esse tipo de informação”, rebato, amarga.
“Acha mesmo que eu não poderia convencê-lo?”
Claro que ele podia, eu não tinha a menor dúvida disso. Nem quero saber o que
combinaram, mas eu precisava ficar esperta nas próximas vezes.
“Laura, por que você está fugindo de mim?”, Bernardo pergunta, exausto.
“Eu não estou fugindo de você”, minto, sabendo que em vão.
Bernardo aproxima um passo, eu recuo outro novamente.
“Então o que você está fazendo agora, Laura?”
Eu tento disfarçar, perguntando num sussurro:
“Como você lidou com tudo?”
“Não importa, está resolvido”, ele responde, encerrando a questão.
“Eu não preciso que você lide com as minhas merdas, Bernardo”, minha voz
sai ríspida.
Bernardo perde a paciência e me alcança. Num instante, estou sufocando no
seu abraço. Eu não consigo respirar direito, mas não reclamo. Outra vez, as lágrimas
começam a cair. Estou desesperada, tentando ser forte, mas não consigo evitar.
“Laura, você pode me perdoar?”, ele implora, acho que também segura o
choro. “Por favor, me perdoa, meu amor! Eu não consegui perceber a merda que
estava acontecendo! Eu deixei você sozinha com aquele filho da puta dos infernos!
Eu sinto tanto, meu amor! Por favor, me perdoa! Você pode me perdoar?”
Eu não consigo responder, meu choro se intensifica. Então Bernardo me pega
em seu colo e se senta comigo ali na sala. Eu não consigo nem olhar nos seus olhos,
enterro meu rosto em seu ombro e choro como uma criança.
Ele solta alguns palavrões, não sei a quem são dirigidos, mas percebo que ele
ainda controla o choro, deixa escapar apenas algumas lágrimas, que molham minhas
costas.
Não tenho certeza por quanto tempo ficamos assim, mas aos poucos vamos nos
acalmando. E com essa calma, vem o sono, pelo qual tanto esperei. Rapidamente,
estou sonolenta em seu colo, então ele me ajeita no sofá e se deita ao meu lado, ainda
me abraça. Bernardo cheira o meu cabelo e beija meu rosto inchado, fazendo com que
eu queira dormir ainda mais profundamente para não precisar encarar seus olhos tão
cedo.
Quando eu desperto, estou na minha cama, vestindo uma camisa muito larga
que não me pertence. Procuro pelo cômodo, mas não encontro seu dono. Ouço barulho
na cozinha, então tomo coragem para ir até lá. Enquanto reúno coragem, passo no
banheiro para verificar a situação do meu rosto, não está nada boa, mas não há muito
o que fazer.
Na cozinha, Bernardo finaliza alguma coisa que me parece omeletes. Eu entro
no cômodo devagar, incerta, insegura. Quando me vê, ele me avalia por um instante,
volta sua atenção para o que prepara e logo desliga o fogo. Então ele me olha de novo,
sorri e me abraça mais uma vez.
“Eu estava morrendo de saudades de você, meu amor”, diz, então me solta.
“Você está melhor?”
Eu balanço a cabeça, concordando.
Nesse momento, ele percebe que desvio o olhar, então ele toma meu rosto em
suas mãos e me obriga a encará-lo.
“Fala comigo, meu amor”, implora, me desconcertando.
Eu não tenho mesmo como fugir, então inclino meus lábios em direção aos
dele e lhe beijo. Bernardo parece perdido por um momento, mas logo entende o que
estou fazendo. Eu pulo em sua cintura, cruzo minhas pernas ali. Ele caminha conosco
e se senta novamente no sofá, me apertando contra seu membro enrijecido. Estou
desesperada por ele, estou desesperada para que ele não me faça perguntas que não
quero responder. Eu me movimento em seu colo, sabendo exatamente o que estou
fazendo. Ele não se controla, então eu consigo o que eu quero, pelo menos por um
tempo.
Bernardo beija minha testa, beija meu pescoço e beija meu ombro, então volta
a me encarar. Estamos deitados no meu sofá novamente, completamente nus. No
entanto, não é essa a nudez que me preocupa.
“E agora, nós já podemos conversar?”, ele brinca.
Eu tento sorrir.
“Laura, você está me assustando”, ele faz carinho no meu rosto.
“Bernardo, nós podemos falar disso noutra hora?”, eu tento.
Ele pensa um pouco, ainda me avalia com cuidado.
“Tenho a impressão de que se eu deixar você nunca vai me falar nada, Laura.”
Ele tinha razão, eu só esperava que ele pudesse cair nessa. Infelizmente, parece
que não tem mais como eu fugir do assunto.
“O que você quer saber, Bernardo?”, questiono, tentando acertar o tom para
não parecer ríspida de novo. “Quer saber por que eu agredi aquele porco?”
Bernardo me abraça, suspira em meu cabelo.
“Eu sei por que você fez aquilo, Laura”, diz, novamente evitando o choro. “Eu
sei o que ele tentou fazer com você e eu sinto muito mesmo que você tenha passado
por isso, meu amor.”
Eu limpo uma lágrima que me escapa.
“Não foi culpa sua, Bernardo”, finalmente confesso. “Eu não quis culpar você,
eu só estava com muita raiva naquele momento.”
Ele balança a cabeça, dizendo que não, volta a me olhar.
“Você tinha razão sim, meu amor”, diz. “Eu devia ter pensado melhor naquela
porra toda. Sei lá, eu estava tão animado por ter você ali comigo, eu não pensei que o
filho da puta do Chico fosse fazer uma merda daquelas.”
“Eles são realmente seus amigos, Bernardo?”, questiono, com cuidado.
Ele toma um instante pensando na resposta.
“Tem os caras pra beber e os parceiros de verdade, meu amor”, finalmente
responde. “Eu não devia ter chamado toda a galera, eu vacilei feio. Por favor, me
perdoa. Foi você quem acabou pagando pelo meu deslize”, Bernardo beija minha
testa. “O que eu tenho que fazer pra você me perdoar, Laura?”
Eu beijo seu queixo, consigo sorrir.
“Está tudo bem, Bernardo”, afirmo. “Só tome mais cuidado com o ambiente
em que seu filho cresce.”
Ele enterra seu rosto no meu pescoço, eu sinto cócegas.
Quando ele interrompe seu ataque, volta a me olhar sério.
“Eu prometo que vou construir um lugar onde você vai poder se sentir segura,
meu amor”, diz. “Prometo que não vai precisar se preocupar com você ou com o
Joaquim de novo.”
Eu lhe abraço, é um agradecimento. Eu gostaria de ver o Joaquim num lugar
seguro, mesmo se eu não estiver ao seu lado. E com esse pensamento, fico triste outra
vez, tentando entender o que eu quero de verdade. Eu estava pronta para encerrar o
meu acordo com Bernardo? Eu estava disposta a continuar me sentindo cada vez mais
vulnerável ao seu lado? Se eu não tomasse uma decisão em breve, provavelmente
correria o risco de não me decidir jamais, mas essa seria uma situação insustentável.
Eu precisava fazer uma escolha em breve, só não seria nesta noite, porque eu ainda
preciso do corpo dele para dormir.
“Laura, você ainda não se decidiu sobre morar comigo, não é?”, ele pergunta,
como se adivinhasse meus pensamentos. “Se você quiser, nós podemos nos mudar
para outro lugar.”
Eu o encaro novamente, surpresa.
“Bernardo, por favor...”
“Eu só quero ficar com você, meu amor, não importa onde”, ele me interrompe.
“Eu faço o que você quiser, Laura.”
Meu coração se parte, eu não sei o que dizer, então para sair do embaraço eu
lhe lanço um sorriso e digo:
“Você vem tomar banho comigo?”
Bernardo leva um instante para se recuperar, mas quando entende o que estou
dizendo, me devora com olhos e boca, depois me leva para o chuveiro.