De novo, meus pais me obrigavam a escutar o sermão. Eles eram pastores na
Assembleia de Deus, mas tinha dias em que eu gostaria muito que eles pudessem
pregar só no culto. Eu não tinha muita opção, então me sentava e escutava.
Concordava, até poder sair de casa e fazer o que eu realmente queria. Eu queria viver
de música, da minha música. Mas meus velhos estavam sempre preocupados demais.
“Caio, você precisa pensar nisso direito”, dizia minha mãe, toda preocupada. Sei o
que eles pensam. Essa vida que estou escolhendo é difícil, sou um menino preto e
pobre, sei disso. Vou sofrer muito, eles dizem. Eu sei disso, sei disso melhor do que
ninguém. Mas vou desistir de tudo? E vou fazer o que mais da vida? Virar um pastor
numa cidade de interior? Trabalhar num escritório de contabilidade como meus
primos? Trabalhar na mecânica do seu João? Vou desistir da minha batera? Eu prefiro
morrer do que viver assim, uma vida sem graça, sem meu som. Uma vida igual a de
todo mundo. O mundo é tão doido, às vezes parece que ninguém tem coragem
suficiente, desiste dos próprios sonhos muito fácil. Eu não quero esse caminho, vou
dar o meu próprio jeito. Vou mostrar pra todo mundo que posso viver o meu sonho.
Depois de tocar em tudo que é lugar, coral de todas as igrejas que podia pensar
— católica, protestante, assembleiana, batista, presbiteriana, luterana, universal,
quadrangular —, depois de descobrir que podia ainda tocar em todos os centros e
templos desse mundo — espírita, umbandista, congregação, paróquia, catedral,
basílica, mesquita, sinagoga ou terreiro —, eu não desistiria do meu sonho. Eu amava
os meus pais, entendia o medo deles, mas eu precisava escolher como viveria a minha
própria vida. Eu continuaria fazendo um barulhinho com a galera, enquanto ainda
estivesse por aqui, mas na primeira oportunidade eu me mando desse lugar. Ainda vou
mostrar para o Brasil o que eu posso fazer. Os meus pais ainda vão ter muito orgulho
de mim, e vão me perdoar por eu ter escolhido o meu próprio caminho.