Eu e Maria estávamos na sacada do meu apartamento, tomando vinho. A
última garrafa que abri já estava pela metade. Nós conversávamos há horas, eu lhe
contei sobre os desdobramentos da noite em que nos reunimos na casa de Bernardo,
falei sobre Natália, falei sobre o convite que ele me fez. No fim, Maria riu, ela riu do
meu medo.
“Pensei que você me entenderia melhor do que ninguém, Maria”, falo, um
pouco triste. “Você não acha assustador?”
“É claro que é assustador, Laura”, ela rebate. “É a primeira vez que você se
apaixona e o seu par romântico não é nada fácil de lidar.”
Eu seguro o riso, ela tinha razão.
“Então você também acha que eu me apaixonei?”, pergunto, incerta, tímida.
Maria me desarma com aquele par de olhos brilhantes.
“Você tem outro nome para isso aí que está sentindo?”, ela me acerta.
Não sei o que responder.
“Laura, você pode imaginar a sua vida sem o Bernardo?”, questiona.
“Posso”, respondo, sinceramente.
Maria suspira.
“Agora eu já sinto pena é do Bernardo”, ela ri.
Eu espero.
“Então me deixa reformular a pergunta, Laura”, ela prossegue. “Você
escolheria viver longe dele?”
Eu penso um pouco na sua pergunta.
“Acho que eu faria essa escolha se precisasse fazer, Maria.”
“Sim, mas você não precisa necessariamente fazer tal escolha, certo?”, ela
instiga. “Vocês são livres e gostam um do outro, então não existe nenhuma força maior
te impelindo para longe dele. Neste caso, num cenário assim favorável, o que você
escolheria, Laura?”
As perguntas dela são difíceis de responder, e eu nem sei se compreendo direito
o que ela está dizendo.
Maria ri de mim quando continuo em silêncio tentando decifrar a sua charada.
“Laura, você pode viver sem o Bernardo, mas você quer viver sem ele?”,
pergunta enfim, simplificando tudo.
“Eu estou com medo, Maria”, confesso. “Nada que amei permaneceu na minha
vida por muito tempo, então por que vou deixar o Bernardo entrar no meu coração só
para arrancá-lo de lá depois?”
Maria se entristece por mim.
“Você consegue confiar nele, Laura?”
“Não, eu não consigo confiar em alguém que me deixa tão vulnerável”, digo,
com lágrimas nos olhos. “O nível de exposição ao qual o Bernardo me coloca é muito
perigoso pra mim, Maria.”
Ela também está quase chorando.
“Então o que você vai fazer?”
“Eu não sei”, respondo sinceramente.
Ficamos em silêncio, até Maria dizer:
“Eu nunca pensei que defenderia alguém como o Bernardo”, inicia. “Eu
costumava ter horror ao tipo dele, mulherengo, beberrão, inacessível, sabe? Até eu
perder o Gabe, até eu conhecer a verdade sobre ele. Então estou numa fase em que
tento entender melhor os outros, Laura”, ela faz uma pausa, parece se lembrar de
alguma coisa. “Eu reparei na forma como ele olha você, como ele cuida de você,
Laura. Acho que são os pequenos gestos que contam, como servir a sua bebida antes
da dele, como cortar o bife no seu prato, como separar algumas azeitonas e cerejas da
própria refeição apenas porque você gosta delas, como perceber quando você não está
bem e perguntar o que ele pode fazer para aliviar o seu mal-estar, como beijar a sua
testa e não só a sua boca. E o Bernardo não abriu só as portas do carro, casa e cômodos
para você, Laura, ele também escancarou as portas do coração dele. Então, ainda que
você esteja apavorada, talvez valha a pena correr o risco, como um investimento de
alto risco desses que você lida diariamente no ministério, sabe?”
Ela ri, enquanto nós duas choramos.
“Também sei que você faz um bem danado na vida dele, Laura, como faz na
de todos à sua volta, ainda que os imbecis não percebam”, prossegue, após outra
pausa. “Você estava me falando no outro dia sobre a sua vontade de encontrar um ser
humano perfeito, um adulto modelo no qual pudesse se inspirar. Naquele dia, fiquei
pensando: daqui de onde eu vejo o mundo, você é esse ser humano perfeito, Laura”,
Maria ergue sua taça para mim. “Você é esse ser humano especial que tanto procura,
Laura. E você não pode tirar isso de mim agora, por isso teremos que ser amigas para
o resto da vida, entendeu?”
Ela ainda está chorando, assim como eu. Então me lembro de quando nós nos
conhecemos, me lembro da forma como me senti perto dela, e percebo que eu tinha
razão, a Maria era mesmo minha família.