Era o único pub da cidade. Costumava ser lotado antes de os irmãos Carvalho,
noutro ponto movimentado da cidade, transformarem sua loja de móveis num
restaurante-bar, solidificando assim aquele tipo de comércio na praça principal, e
subtraindo de vários barzinhos parte significativa de sua clientela. Mas estávamos lá
do mesmo jeito, ainda era o nosso lugar favorito. Éramos eu, Beto, Rafa e Manu em
mais uma noite de zoeiras, conversas tão banais que as esquecíamos logo que
emendávamos outro assunto. Algumas tinham uma pretensão até meio filosóficas,
porém no fim das contas só as batatas fritas com bacon e limonada suíça importavam.
Não consigo me lembrar da música que tocava quando um amigo nosso, Léo,
entrou com dois outros meninos e os três se aproximaram da nossa mesa; ou mesmo
quando nos cumprimentaram e se sentaram. Caio, o menino que tocava bateria e
participava da fanfarra da cidade, eu conhecia, mas o outro, aquele de cabelos
castanhos encaracolados e desgrenhados, com cara de ressaca, eu só ouvira falar.
Naquela cidade, suas reputações, tão diferentes uma da outra, meio que lhes
precediam. Embora eu tivesse escutado algumas fofocas sobre o menino de cabelos
desgrenhados naquela mesma tarde, eu acabei deletando a informação, como
deletamos informações sem relevância.
Nessa época eu tinha aversão ao álcool, porque ele me lembrava o meu pai
alcoólatra. E como eu e Manu participávamos de um grupo jovem de oração ligado à
Igreja Católica, não era de muito bom tom ficar bebendo pelos bares da cidade,
acordando a população majoritariamente idosa. Era feio, malvisto, imoral, sobretudo,
para “as garotas de dentro da igreja”, como fomos alertadas.
“E o aniversário da Rebeca, Léo?”, perguntou Beto.
“Um tédio!”, respondeu ele, nos fazendo rir.
“Mas pelo menos serviram uns hambúrgueres bem bons”, defendeu Caio.
“E isso daqui”, disse o menino de cabelos castanhos desgrenhados, levantando
uma garrafa de tequila quase vazia, que levou à boca num segundo, engolindo o
líquido restante.
Ele fez uma cara feia então. Nós gargalhamos.
“Você é o Gabriel Bergmann, não é?”, eu perguntei a ele, involuntariamente.
Então, num instante, sem que eu pudesse me preparar, olhos pequenos e
castanhos me devoravam.
“Sim, mas quem é você?”, ele finalmente respondeu, parecendo meio bêbado.
Eu quis rir.
“Maria”, respondi. “Você não me conhece.”
Ele balançou a cabeça, concordando. Então, acredito que sincronizados,
desviamos o olhar.
O barulho de várias vozes juntas recomeçou. Como sempre, nossas conversas
dificilmente eram organizadas. Era sempre um sobrepondo a fala do outro,
interrompendo, gritando, dependendo da situação. Algumas vezes, quando nos
encontrávamos assim com alguns colegas do Beto ou da Rafa, eu desistia de falar
qualquer coisa. Parecia impossível conseguir me enfiar no meio daquela guerra.
Rafa ria sinistramente para mim; de mim. Dei de ombros, como quem pergunta
“o que foi?”. Ela deu de ombros de volta, como resposta. Em seguida, voltou à guerra
verbal que acontecia na nossa mesa.
“Sugiro que falemos sobre algum assunto polêmico”, Beto declarou.
“Antes de chegarem a gente conversava sobre virgindade”, Rafa disse aos
meninos, desafiadora, ameaçadora até.
Troquei um olhar com Manu, sabíamos que nossas bochechas queimavam. Por
telepatia, combinamos de matar a Rafa depois. Enterraríamos o corpo no sítio da
família de Manu.
Bergmann riu.
“Você faria sexo só depois do casamento?”, lançou Rafa na direção de Gabriel.
Primeiro ele tentou não rir, mas falhou miseravelmente. Sua gargalhada, muito
estrondosa porque ele já estava alcoolizado, contagiou os outros. Riram daquele jeito
por algum tempo, até os ânimos se acalmarem e Gabriel ensaiar uma resposta.
“Cara...”, ele tentou, coçando a cabeça de cabelos desgrenhados.
Essa foi a única resposta que pôde dar, porque em seguida o grupo voltava a
gargalhar sem parar.