Quando vejo os olhos brilhantes da minha esposa, eu já sei qual é o sexo do
nosso bebê. Ela esperava por isso há muito tempo, ela sempre quis uma menina. Às
vezes, acredito que a gravidez não foi um acidente. Ela queria tanto que talvez tenha
feito sua vontade acontecer. Ela poderia ter feito isso sim, sem me consultar. Ela
sempre fazia o que bem entendia.
Mas ela não precisava se preocupar com o financiamento da casa, com as
despesas do carro ou com o pagamento da escola dos meninos. Ela só precisava ficar
em casa, cuidando da nossa família. Era eu quem passaria mais tempo no trabalho,
tentando sobreviver com a renda das minhas horas extras. Era eu quem precisaria sair
ainda mais tarde daquele inferno. Alguns dias, eu até agradecia por ter essa escolha,
porque voltar para casa também era exaustivo, era muito barulhento. Nossos meninos
ocupam todos os espaços, ela está sempre cansada, nunca tem tempo pra mim.
Algumas vezes, ela me pedia para servir o jantar, guardar roupas, colocar os meninos
para dormir, recolher as fezes do nosso cachorro, mesmo após um dia infernal. Outro
dia, ela veio com uma ideia absurda: queria fazer bronzeamento artificial, coisa que
só as mulheres da rua fazem, não as casadas. Discutimos, mas ela venceu, como
sempre, e eu ainda tive que pagar pelo procedimento. Ela não podia me entender, não
podia entender como era difícil trabalhar tanto, num lugar em que não somos
valorizados, tudo para chegar em casa e não ter nem um pouquinho de paz.
“É uma menina, meu amor!”, ela diz emocionada, enquanto me abraça.
Sim, é claro que é uma menina. E agora? O que eu vou fazer? O que eu vou
fazer com uma filha? Como ela vai sobreviver neste mundo de homens? E se alguém
machucá-la? E quando ela for adolescente? E se ela não me obedecer? E se ela
engravidar?
Então eu me lembrei de muitas outras mulheres minhas: bisavós, avós, mãe,
sogra, madrasta, tias, primas. E me lembrei de outros nomes: Abigail, Gabriela, Laura.
Elas invadiam meus pensamentos de forma desordenada, provocavam o medo,
acusavam-me. Mas eu não tenho culpa! Que culpa tenho eu? Eu sempre respeitei as
mulheres, por que diabos eu me sentiria culpado?