Ela me queria, nem disfarçava. Discretamente, avaliei suas pernas e rosto, com
a ajuda do espelho do elevador. Pensei por um instante, decidindo se investia naquela
morena gostosa ou deixava essa passar. Eu já tinha um compromisso com os caras
mais tarde, declaramos aberta a temporada de caça depois que o Mané terminou o
lance que tinha com a argentina. Qual era mesmo o nome dela? Enfim, eu podia pegar
o número dessa morena, salvar pra depois. Mas meu telefone não me dava sossego,
bombava o dia inteiro com um tanto de mensagem de mina que nem lembro o nome.
Será que precisava de mais uma? Essas minas nem me davam a chance de usar o
infame “oi, sumida”. Vinham todas até mim sem nenhum esforço da minha parte,
querendo o meu corpo. Se eu deixasse, elas arrancavam o meu couro!
O elevador parou no térreo, desci deixando a morena decepcionada para trás.
Segui até o lado de fora do prédio, esperei o manobrista trazer meu carro. Entrei na
minha Ferrari conversível e pisei fundo, sentindo uma brisa maravilhosa no meu rosto.
Era uma sensação conhecida: eu estava no topo do mundo. Podia ter o carro ou a
mulher que eu quisesse. Naquela tarde, acabava de fechar um negócio importante,
agora trabalharia com um pessoal do governo. Ensinaria para aqueles cuzões como
ganhar dinheiro, como administrar a porra de uma empresa neste país fodido de
merda. Nem sei por que me inscrevi para fazer isso, geralmente eu ficava longe desse
tipo de negócio, detestava a burocracia estatal. Bando de incompetentes, nunca
conseguem fazer nada direito por ninguém.
Talvez eu estivesse sendo impelido dessa vez porque formaríamos uma espécie
de força-tarefa para ajudar os moleques da Ceilândia, lugar onde nasci. Pobreza pra
tudo que é lado, numa das cidades mais ricas do Brasil, distrito federal, na porra da
capital! Parecia piada. Eu sabia que podia fazer esse projeto funcionar, essa união
surpreendente entre governo federal e iniciativa privada. Se o objetivo era realmente
retirar os moleques da miséria e dar uma chance de mudarem de vida, eu podia fazer
funcionar. Ficaria de olho também, porque não acredito em milagres onde tem
dinheiro envolvido.
Quando eu estava na merda, vendendo picolé e outras quinquilharias na rua,
nem sonhava andar pelos lugares que agora eu frequento, não tinha nenhuma morena
gostosa me dando mole. Nem as putas de rua me davam moral, sabiam que eu não
podia pagar merda nenhuma, talvez nem pudesse fodê-las direito. Eu era magro, tinha
a cara da fome, não pegava ninguém. Agora elas não me deixam em paz. A vida é
muito engraçada. Quando eu estava na merda, não tinha ninguém para me ajudar. Eu
cresci sozinho nesse inferno de mundo, mas agora eu podia ajudar aqueles moleques,
se eles quisessem.
Parei num semáforo, duas loiras dentro de um Range Rover ao lado piscaram,
insinuantes. Eu conhecia muito bem o sinal, então sorri, atiçando as piriguetes
bronzeadas. A luz verde acendeu na hora certa, me permitindo acelerar alucinado para
bem longe dali. Eu ainda não estava com muita fome, podia deixar a refeição para
mais tarde.