Eu não tinha muita opção, não de verdade. A garota em quem eu queria mesmo
investir, talvez me abrir para algo novo, algo sério, estava há quilômetros de distância
de mim. Não fisicamente, emocionalmente quero dizer. Então eu ia pra balada, toda
noite. Bebia como um puto, mas sempre acabava com um vazio monstruoso no fim
da noite. Dia seguinte, as mulheres na minha cama e eu pensando que aquela não era
a vida que eu queria. Elas deixavam seu perfume e desapareciam, como fumaça.
Restava me afogar, no trabalho e na cerveja.
Desde o início, ela deixou a nossa situação muito bem clara, então eu fiquei
com receio de me aproximar e estragar tudo. Agora vinha um infeliz, filho de puta de
merda, e ela estava saindo com ele! Eu sabia que ela não era assim, mas não pude
deixar de pensar: qual era a grande diferença entre nós dois? Era seu dinheiro, seus
carros, seu status? Ela gostava de foder os poderosos? Gostava de transar com seus
chefes?
Dou mais uma golada, esperando o barman trazer outro shot.
Ela não era assim, eu sabia. Precisava de pouco tempo perto dela pra saber.
Então por que ela estava arriscando tudo? O desprezo dos colegas de trabalho, a
falação na cabeça, para quê tanto desgaste? Será que não se preocupava com o sucesso
do projeto? E se não desse certo entre eles, como ficariam as coisas? Depois de todo
o esforço que fizemos, que ela fez, por que arriscar? O que ela via naquele infeliz?
Eu detestei o cara desde o momento zero. Baita playboy de merda, achava que
era o melhorzão. Todo convencido, comendo ela com os olhos, vigiando seus passos
como um louco. Eu sabia que ele faria uma investida a qualquer momento, eu sabia.
Só nunca imaginei que ela cairia nessa. Ela era inteligente demais, sempre foda no
trabalho, esperta, mas caiu na desse cara. Ela não sabia nada mesmo sobre os homens.
Talvez eu devesse ter insistido um pouco mais, talvez esse tenha sido o meu problema.
Talvez essa tenha sido a grande diferença entre mim e aquele playboy de merda, que
não demoraria muito para arrebentar o coração dela.
Ainda estou com um pouco de ressaca, entro na cozinha procurando água. Ela
está tomando café, analisa um documento. Parece importante.
“Bom-dia, Laurinha”, digo, esperando que ela me olhe e sorria.
“Bom-dia, Fernando. Tudo bem?”
Ela nem desvia a atenção do documento.
“O que é isso aí?”, quero saber, então me aproximo, talvez seja só uma
desculpa para me aproximar.
Ela abre espaço para que eu veja o documento.
“O escritório de São Paulo designou uma advogada para o nosso projeto na
Ceilândia”, ela continua. “Ela deve nos encontrar aqui nos próximos dias, para uma
reunião preliminar.”
Bebo um pouco da água, estou com a garganta seca.
“E como você está se sentindo?”, pergunto.
Ela olha para mim, daquele jeito que sempre me deixa esperançoso, porque sei
que ela vai compartilhar alguma coisa. Comigo. Geralmente, ela nunca é muito aberta
com os outros, mas ela fala comigo de um jeito diferente. Tem momentos que quase
penso que teria uma chance, se eu tentasse de novo.
“Estou apreensiva, eu acho”, responde. “Não quero ver repetir o que aconteceu
no passado.”
“Eu sinto muito, Laurinha.”
Então me lembro do outro dia, com o Pablo. Lembro da forma que ela ficou
brava comigo. Ela tinha razão, eu podia ter feito mais na época. Ela só ficou tão brava
naquele dia porque eu não fiz nada para ajudar a Bibi.
“Pelo menos eles tiveram a sensibilidade de mandar uma mulher dessa vez”,
ela continua. “Para uma reunião preliminar, quero dizer. Depois de tudo o que
aconteceu, se mandam um homem, se mandam aquele advogado de merda deles,
soaria como uma afronta, ou um aviso.”
Infelizmente, ela tem razão. Odeio essa situação, não quero ser machista, mas
é muito difícil lidar com essa divisão, muito difícil lidar com o nosso trabalho agora,
precisamos ficar atentos a tudo que falamos, para não soar como macho escroto.
Qualquer coisa, rótulo de macho escroto. Tudo podia ser uma ofensa. Era cansativo,
e ela, principalmente, não deixava nada passar. Mesmo podendo entender seu lado,
era difícil. Ela não sabia mesmo perdoar um deslize. Enquanto pensava nisso, resolvi
me arriscar um pouco nesta manhã.
“Laurinha, eu soube sobre você e o cara novo”, aguardei seus olhos, para saber
se podia continuar. Pelo jeito que ela me olhava, dava para saber o que eu podia fazer.
“Não estou me metendo na sua vida, eu só fiquei surpreso.”
“Surpreso com o quê?”, ela me pergunta, embora calma, sei que é um alerta.
“Não pensei que ele fizesse seu tipo.”
Ela fica em silêncio, não sei como agir, se posso continuar ou se devo me calar.
Odeio quando ela fica em silêncio, porque o que vem depois é sempre uma surpresa.
“Bem...”, ela prossegue, já colocando na lixeira o seu copo descartável,
preparando uma saída. “Foi uma surpresa para mim também”, ela já está na porta.
“Mas você sabe que não ligo para opinião alheia.”
Ela sorri, não sei dizer se me avisando que a minha opinião também era uma
opinião alheia.
“Laurinha?”, insisto, ela escuta.
“Sim?”
“Não confie nos homens, Laurinha. Homem nenhum presta.”
Ela ri, mas eu estou sério.
“Nem mesmo em você?”, rebate, me desmantelando todo.
Forço um sorriso.
“Nem mesmo em mim.”
Eu não minto quando digo isso.
Ela pensa um pouco, então sorri de novo, de um jeito incrível que me provoca
arrependimento.
“Muito obrigada, Fernando. De verdade.”
Eu sei que ela realmente me agradece, sei que é de verdade. Parece que com
ela sempre sei o que é verdadeiro. Ela vai embora, de volta ao seu escritório cheio de
papel, trabalho que nem ela ou Dudu vão dar conta de terminar em dia. Fico pensando
que perdi a minha chance com ela, porque se o playboy fosse só um pouquinho
inteligente, não desgrudaria dela nunca mais.