As pessoas começam a ir embora, outras ocupam os quartos vagos da casa de
Bernardo, então decido procurar por ele. Após os problemas com o Chico, o Bernardo
está muito mais preocupado com as pessoas que mantém por perto, então entram na
sua casa só aqueles que realmente caminharam ao seu lado. Eu conheci algumas
dessas pessoas, muitas delas falaram comigo sobre o ocorrido e demonstraram apoio.
Talvez elas me achassem uma aberração também, mas disfarçaram muito bem quando
vinham tentar me dar um pouco de conforto. Estou cansada, quero dormir, quero dar
um beijo de boa noite no Bernardo antes de subir para o quarto, sei que ele precisará
acomodar o restante de seus convidados até poder ir se juntar a mim. Quando eu o
encontro, na cozinha, preciso de um momento para me recuperar.
Natália, claramente muito bêbada, talvez nem seja só álcool, está tentando
beijar o Bernardo. Ela investe sobre ele, implorando para que ele a perdoe, para que
possam voltar a ficar juntos, para que ele não tire o Joaquim dela. Natália argumenta
que o filho é de ambos, não é só dele, e que o Joaquim precisa ver os dois juntos para
crescer de forma saudável. Natália é patética, eu sinto pena dela. Bernardo tenta
segurar seus braços, tenta acalmá-la, está irritado. Eu fico ali parada, observando a
cena, até ele me notar.
“Laura?”, ele fala assustado. “Laura, eu...”
“Bernardo, você dá conta de resolver isso, não dá?”, eu lhe interrompo,
tentando manter a minha calma.
Confuso, ele balança a cabeça, concordando.
Natália me olha, se detém por um momento. Chego a acreditar que ela vai
correr na minha direção e fazer um escândalo, mas ela não consegue sair do lugar.
Acho que nem andar direito ela consegue no estado em que se encontra.
“Então eu vou dormir, Bernardo”, digo. “Você cuida desse problema.”
Lanço um olhar de compaixão na direção dele e parto.
Essa mulher não tem o poder de estragar a minha noite, é uma pena que pareça
ter conseguido arruinar a de Bernardo. Enquanto eu tomo banho, visto meu pijama e
me deito na cama de Bernardo, fico pensando no que me fazia ter tanta certeza de que
ele não ficava tentado com Natália, nesses momentos em que ela aparecia do nada e
tentava beijá-lo. Será que ele ainda se sentia atraído por ela? Ela era uma mulher muito
bonita, parecia uma modelo da televisão, seria impossível não se sentir tentado, nem
que fosse um pouquinho. Então, como eu podia ficar tão segura em relação aos dois,
sozinhos, principalmente após ambos terem bebido tanto? Se Bernardo me traísse,
como eu me sentiria?
No escuro quase total do quarto, ouço Bernardo entrar, sinto seu corpo se
aproximar do meu, sinto seu calor nas minhas costas. Ele beija meu rosto e pergunta
se estou dormindo. Balanço a cabeça, sinalizando que não, mas não quero abrir meus
olhos, já que estou um pouco sonolenta.
“Laura, me desculpe”, sussurra. “Não aconteceu nada, eu prometo.”
“Eu sei”, digo baixinho, tentando não espantar o sono.
“Você está chateada?”, ele beija meu rosto novamente.
“Não estou chateada com você”, falo. “Você não fez nada.”
Não posso ver, mas sei que ele sorri.
“Eu estou chateada com ela, Bernardo”, continuo. “Ela disse que queria ser
minha amiga.”
“Eu sinto muito, amor.”
“Não acho que posso perdoá-la outra vez”, digo, enquanto me viro para abraçá-lo. “Ela se esquece com muita frequência de que você é só meu.”
Bernardo ri, dificultando meu sono. Então ele me aperta daquela forma
sufocante.
“Vamos lembrá-la disso, meu amor”, ele fala, contente. “Vamos lembrá-la que
eu tenho dona e que minha mulher pode ser assustadora quando quer.”
“Ela precisa entender isso com urgência”, brinco, cada vez mais sonolenta.
“Laura, não acha que esse é mais um motivo pra você morar aqui?”, ele tenta,
aproveitando a oportunidade porque é muito esperto.
Novamente, sei que tem um sorrisinho torto nos lábios dele.
“O que eu vou fazer com você, Bernardo?”, brinco.
Ele fica sério de repente, sei disso por causa do silêncio em que ele nos coloca.
“O que foi?”, quero saber.
“Eu prometo que não vou deixar essa passar, meu amor”, beija meu cabelo.
“Não vou continuar ignorando as atitudes dela. Nem acredito mais que ela possa
continuar cuidando do Joaquim. Acho que preciso fazer alguma coisa”, ele suspira,
parece cansado. “Laura, o que acha de você e do Joaquim virem morar comigo,
definitivamente?”
Eu beijo seu peito, a parte do corpo dele que está mais perto da minha boca.
“Se o Joaquim vier morar aqui, eu venho também”, brinco. “Será muito mais
divertido com ele aqui.”
Mas então eu percebo a merda que acabo de fazer, Bernardo poderia entender
minhas palavras como bem quisesse. Eu espero, tentando encontrar uma oportunidade
para me retratar.
Bernardo fica outra vez em silêncio, então eu saio do meu estado de sonolência
e ergo meu rosto para lhe encarar. Mesmo com pouca luz, posso ver seu rosto. Ele
sorri. Ele sorri para mim, me assustando. Bernardo me beija, um arrepio percorre
minha espinha, ele está me beijando de um jeito calmo, carinhoso, como fez poucas
vezes, então eu fico com medo de novo. Ele me solta, me olha como se pudesse
enxergar minha alma, eu prendo a respiração.
“Laura, eu te amo”, diz sorrindo. “Eu te amo pra caralho, meu amor.”
Silêncio.
Silêncio.
Eu volto a respirar.
Merda! Que diabos vou fazer agora?