Eu não gosto muito de falar com os adultos. Tenho um pouco de medo deles.
Eles bebem muito e são barulhentos. A mamãe está muito feliz, fala com o papai, fica
tocando nele. Ela ama muito o meu pai. Fico triste porque gosto da Júlia, ela é boa pra
mim, ela é muito legal. A Júlia gosta muito da mamãe, mas a mamãe nunca vai deixar
de gostar do meu pai. Até eu que sou criança sei disso. Ele tem uma namorada agora,
o meu pai. Parece feliz. Mas às vezes ele bebe tanto que fico com medo. Se ele estragar
tudo de novo, vai ficar muito triste, e vai ficar longe de mim por um tempo.
A festa de aniversário é para mim, mas só eles estão rindo. Eles estão todos em
pé, com essa música alta, bebendo, comendo salgadinhos e dançando. Tem outras
crianças no meu aniversário, elas estão brincando por aí, correndo pela casa do papai,
brincando com os brinquedos que ele trouxe pra mim. Eu estou sozinho no sofá,
olhando eles daqui, todos eles, as pessoas grandes, as crianças e os meus pais
conversando. A minha mãe não para de rir para o meu pai, não para de ficar tocando
nele. Talvez, se eu crescer rápido, vou conseguir entender tudo melhor, vou conseguir
entender os meus pais.
Tomo um susto, alguém se sentou do meu lado.
É a namorada nova do papai.
“Você está bem, Joaquim?”, ela me perguntou isso, e ficou me olhando.
Eu viro minha cabeça, vou voltar a olhar meus pais, lá na frente. Eu não quero
falar com ela.
Ficamos os dois olhando as pessoas, sentados no sofá do papai.
Pensei que se eu não falasse com ela, ela iria embora, mas ela não vai. Ela
continua sentada do meu lado, olhando as pessoas como eu. Só tem eu e ela no sofá.
Parece que vamos ficar o dia todo assim, olhando todo mundo. Parece que vamos ficar
assim para sempre.
Às vezes, acho que ela também não gosta muito das pessoas grandes.