“Oi, Gabe, eu voltei, de novo, dessa vez para me despedir. Estou indo embora
da cidade, pela terceira vez para sempre. Não queria te deixar aqui sozinho, mas se eu
não continuar, acho que vou acabar pedindo um espacinho aí embaixo, para eu
finalmente ficar com você. Decidi te chamar de Gabe de agora em diante, porque Gabe
rima com baby, e eu sempre quis te chamar dessas coisas. Gabe, baby, amor, essas
coisas, sabe? Eu trouxe um pouco de vodca, vou servir você, como fazem os sul
coreanos com seus entes queridos quando partem. Pelo menos foi o que eu vi nos
doramas. Você conhecia os doramas, Gabe? Eu estou viciada neles, acho que vou até
aprender coreano. Não reclame sobre a vodca, eu não quis trazer tequila. Queria
obrigar você a beber vodca, já que foi você quem me apresentou essa coisa horrorosa.
Esses dias, num desses doramas, eu ouvi uma coisa interessante, Gabe. Eu ouvi que
aos vinte anos nós nos desvinculamos da influência e controle exercido em nós pelos
nossos pais e aos trinta não somos capazes de culpar mais ninguém pelos nossos
fracassos. Acho que foi isso que disseram. Não me lembro direito, só sei que achei
muito interessante. Eu estou com quase trinta, Gabe, mas ainda quero culpar muita
gente, não estou pronta para crescer, não estou pronta para aceitar que tudo é
responsabilidade minha. E você, Gabe? Será que não podemos culpar ninguém por
tudo que aconteceu com você? Será que foi realmente tudo culpa sua? Foram só suas
escolhas? É tão difícil achar uma resposta! Minha cabeça dói quando penso sobre
essas coisas. No final, sempre tento me lembrar que as respostas também não mudarão
muita coisa. Mesmo que possamos encontrar um culpado por tudo o que aconteceu
com você, de que adiantaria? Não podemos trazer você de volta, Gabe. Naquele dia,
quando nos despedimos do Caio, eu fiquei preocupada com você. Você parecia um
zumbi, Gabe. Era como se você já tivesse morrido. Eu vi isso, eu percebi, mas não fiz
nada. Será que sou culpada também, Gabe? Eu me lembro dos pais do Caio
questionarem a existência de Deus, eles eram pastores, Gabe, eles eram pastores.
Quando eles começaram a acreditar que Deus não existe eu fiquei com muita vergonha
de mim mesma, porque eu me questionei a mesma coisa, anos antes, mas só estava
com raiva da minha vida, só estava triste porque eu não tinha você. Eu quero agradecer
você, Gabe. Quero agradecer você por ter sido o meu primeiro amor. Quero pedir
desculpas por não ter entendido você, por ter te odiado por um tempo. Quando a Manu
soube sobre a sua morte, estávamos num luau na Bahia, eu me afastei de todo mundo
e fui me deitar na praia pensando em você. Tomara que de alguma forma você possa
ter sentido o meu amor por você, enquanto partia para outro mundo. A Manu não me
contou imediatamente, não contou para ninguém. Ela só conseguiu falar comigo, com
a Rafa e o Beto quando já estávamos em casa, no dia seguinte. Quase não conseguimos
chegar a tempo para despedir de você. Mas não fique com raiva dela, promete? Ela
gostava de você, do jeito dela. Naquela época, só estava preocupada comigo. Ela
achava que você despedaçaria meu coração, Gabe. E ela estava certa, você realmente
estragou tudo. Mas eu consigo entender você melhor agora. Agora, penso que
podemos nos perdoar. Eu perdoo você por ter me afastado se você puder me perdoar
por não ter insistido. O que acha? Eu acho que é um bom acordo. Está ficando difícil
ir embora, Gabe, então me deixa dizer, um pouco atrasada, que eu te amo. E se
tivermos outra chance, vamos nos encontrar, combinado? Só não parta meu coração
de novo, porque coração partido é um saco! Tomara que na sua nova vida você tenha
um pouco de felicidade, um pouco não, que você tenha muita! Muita! Muita! Muita,
muita mesmo, ouviu?! Eu prometo que vou fazer o meu melhor para ser feliz também.
Um beijo, Gabe. Durma com Deus.”
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