Bernardo resolveu me apresentar a alguns amigos seus que eu ainda não tinha
tido contato, mas agora que um deles se aproxima de mim e toca meu ombro dessa
forma, principalmente quando não há mais ninguém na sala, eu percebo que foi tudo
um erro. Pensando bem, ele esperou uma oportunidade desde o início, esperou apenas
eu me levantar e distanciar do grupo para vir me procurar, como um predador. Eu
ainda olho indignada para sua mão no meu ombro e para essa proximidade que ele
impõe, enquanto isso, penso com cuidado no que vou fazer a seguir.
“Chico, você pode retirar a sua mão de mim?”, peço, mas não é exatamente
um pedido, é uma ameaça, que ele ignora.
Ele ri, está alcoolizado, talvez drogado.
“Você é muito gostosa” fala, fedendo a álcool. “Agora entendi por que o filho
da puta do Bernardo demorou pra te apresentar pra galera.”
“Se você não tirar essa sua mão nojenta de mim eu vou acabar com você, me
ouviu?”, ameaço.
Ele gargalha novamente, mas se afasta. Levanta as mãos como quem se rende.
Eu lhe deixo ali e sigo para a cozinha, onde encontro o olhar levemente
alarmado da garota que acompanhava o imundo do Chico.
“Por que você sai com um babaca desses?”, pergunto, curiosa, enquanto tomo
um copo de água.
“Ele é meu cliente”, ela responde, sem cerimônias.
Levo um tempo para entender o que ela está dizendo.
“O que foi?”, ela questiona. “Nunca conheceu uma garota como eu?”
Eu me volto para ela, encarando-lhe.
“Eu me chamo Laura”, digo.
Ela sorri.
“Pode me chamar de Amora”, responde.
“Não é o seu nome verdadeiro, é?”, brinco.
“Claro que não, sweetie.”
Amora toma outro gole da bebida estranha que carrega num copo transparente.
“Espero que o idiota esteja te pagando bem”, falo, enquanto observo Chico
caminhar na nossa direção. “Ele não vai desistir, vai?”
“Não, sweetie”, ela responde. “Ele não vai não, não depois da merda que ele
cheirou.”
Eu espero Chico nos alcançar, agora estou preparada para me defender se ele
cometer a estupidez de se aproximar mais uma vez.
Só que Chico não vem diretamente até mim, ele procura o corpo de Amora,
beija-lhe como um animal, aperta seus seios e suas nádegas, parece pronto para
arrancar suas roupas e transar com ela na minha frente.
Amora revira os olhos, entediada. Se demorar mais um pouco, ela vai bocejar.
“Eu não pago você pra ficar de papo furado, sua vadia!”, grita para Amora,
quando ela permanece imóvel como uma estátua. “Você devia estar chupando o meu
pau!”
“Amora, você precisa de mim?”, pergunto.
Ela parece um pouco surpresa, mas balança a cabeça, dizendo que não.
Eu estou pronta para sair, quando Chico se interrompe e diz:
“Você não quer assistir, Laura?”
Eu tento controlar minha raiva, Chico dá um passo na minha direção. Então
Amora o detém, mas como resposta ela ganha um soco que parece arrancar sangue do
seu rosto.
Quando Amora grita, eu recuo um passo e alcanço uma frigideira de inox que
havia deixado reservada para esse momento. Seguro firmemente a minha arma, então,
usando a força de minhas duas mãos, acerto o rosto daquele animal. Chico cambaleia
até cair sentado no chão da cozinha. Amora está em choque, se levanta e afasta-se um
pouco. Eu acerto Chico mais uma vez, só para ter certeza de que ele continuará no
chão, formando o quadro deplorável que agora me arranca um sorriso.
Eu chuto seu estômago, Chico dá um grito de dor. Fico feliz porque Joaquim
não está em casa hoje, então eu posso continuar fazendo esse animal sangrar.
Amora me chama assustada, numa tentativa de me deter, mas é tarde demais.
“Você quer colocar a mão no meu ombro agora, Chico?”, pergunto numa voz
doce que não reconheço. “Quer brincar de bater em garotas de novo?”
Ele está com medo de mim, posso ver, então preparo outro golpe contra sua
cabeça.
No entanto, antes que eu pudesse acertá-lo mais uma vez, um corpo imenso me
ergue do chão e me afasta do animal. Eu seguro a frigideira no ar, estamos ambas
suspensas.
“Laura, por favor, não!”, Bernardo implora. “Por favor, para!”
“Bernardo, você precisa me soltar”, digo, calma. “Eu ainda não terminei com
aquele porco.”
Bernardo toma a frigideira da minha mão e a lança ao longe, o objeto pousa no
chão fazendo um barulho ensurdecedor. Ele me abraça, posso sentir como está
assustado.
“Por favor, meu amor”, implora. “Já chega, por favor.”
Há um monte de gente ao nosso redor, Natália está assustada perto de Amora,
e os colegas de Bernardo parecem estátuas. Ninguém corre na direção de Chico,
atordoado e sangrando no chão da cozinha.
Não sei exatamente quanto tempo se passa até Bernardo enfim me colocar no
chão, mas ele ainda segura meu braço, provavelmente temendo pela vida do seu
amigo.
“Você quer que eu espere a polícia, Bernardo?”, pergunto, segurando minha
raiva.
“Não vamos chamar a polícia, Laura”, ele diz, cansado.
“Então eu vou pra casa”, anuncio.
Ele não me solta, então arranco suas mãos de mim e lhe encaro enfurecida.
“Se eu não posso matar esse animal nem serei responsabilizada pelo que fiz,
eu quero ir embora”, digo, tentando não gritar. “Eu vou agora, Bernardo.”
“Laura, o que você fez?”, ele pergunta, triste.
Eu começo a gargalhar, como uma louca.
“O que eu fiz?”, questiono. “Você não devia estar se perguntando o que aquele
porco fez?”
“Laura, por favor...”
Nesse momento, eu não aguento mais.
“Você não se importa com as pessoas que traz para a sua casa, Bernardo! Não
se importa com as merdas que seus convidados trazem para a casa em que seu filho
poderia estar dormindo agora!”, grito. “O seu amigo estava agredindo alguém na
minha frente! Esse porco asqueroso que tentou encostar sua mão suja em mim! O que
esperava que eu fizesse, Bernardo?”, tento controlar minha respiração, então finalizo:
“É para uma casa assim que você espera que eu me mude?”
Com alguma dificuldade, eu consigo me desvencilhar de suas mãos, então saio
dali furiosa, sem me importar com quem deixo para trás. Bernardo vivia numa ilusão,
se realmente acreditava que aquelas pessoas queriam o seu bem. Eu não precisava de
muito tempo ao lado deles para entender que a grande maioria ali não seguraria sua
mão se ele estivesse prestes a cair de um precipício. Talvez Natália pulasse junto com
ele, mas ela não faria mais do que isso.