Novamente, mais uma noite insone. Levanto-me frustrada, desistindo de tentar
dormir. Vou me sentar perto da janela, observando a cidade iluminada. Meu telefone
toca ao receber uma nova mensagem. Resolvo ler. É Bernardo, pergunta se ainda estou
acordada. Faz dois dias desde o restaurante japonês, mas ainda não nos encontramos
fora do trabalho. Tento fugir dos seus olhares, evitando as fofocas, que sei que vão
começar em breve, porque ele não disfarça. Bernardo me pareceu um pouco perdido,
não sabia como me tratar, não sabia como avançar, era como se fosse a sua primeira
viagem. Percebo que ele ainda tem muito medo, medo de pisar na bola, medo de
estragar a chance que lhe ofereci. Ele precisa de um pouco de ajuda, então decido ser
generosa: eu lhe envio a localização do meu endereço.
Bernardo visualiza a mensagem, não diz nada. Sei que em muito pouco tempo
ele vai bater na minha porta. Continuo ali, admirando as luzes da cidade, esperando
Bernardo chegar. Talvez eu possa dormir um pouco de novo, ao seu lado. É o que
espero.
Quando ele chega, tem o cabelo todo molhado, usa uma camiseta branca larga
e calça de moletom. Estava preparado para dormir, ao que parece. Entra no meu
apartamento pequeno como fez quando entrou no meu escritório pela primeira vez,
avaliando tudo discretamente. Não esconde o sorriso, mas tem mais coisas por detrás
dele.
“Você voou até aqui”, brinco, fechando minha porta.
“E eu ia te dar a chance de desistir?”, ele já está com as mãos no meu rosto.
“Você está bem?”, parece preocupado.
“Estou bem, só pensei que seria bom ter você aqui”, tomo suas mãos e o
conduzo até a minha cama. “Na verdade, só queria usar o seu corpo de novo.”
“Laura”, ele nos interrompe, suspira, põe uma mão no meu rosto de novo. “Eu
estou realmente tentando fazer do seu jeito, mas você precisa me ajudar um pouco.
Por favor, não seja uma menina muito má.”
“Você quer tomar vinho?”, pergunto, já que não posso levá-lo direto para a
cama.
“Alguma chance de você ter uísque?”, ele brinca.
“Nenhuma.”
“Vinho, então.”
Enquanto pego duas taças e sirvo a bebida, ele continua analisando meu
espaço, que só tem a divisória da suíte, sala e cozinha compartilham o mesmo cômodo.
Bernardo escolhe se sentar na sacada, meu lugar favorito. Levo o vinho até ele e me
sento no seu colo. Ele fica tenso novamente.
“Menina boa, lembra?”, ele diz, mas ajeita meu corpo ao dele.
Encosto minha cabeça ao peito dele, estou louca para dormir.
“Se for muito difícil, Bernardo...”
Ele me interrompe, segura meu queixo e me obriga a lhe olhar.
“Tem coisas mais difíceis, Laura”, diz, parecendo meio triste. “Como sentir
tudo isso sem poder tocar você”, ele percorre o polegar pelos meus lábios úmidos de
vinho. “Ou como acreditar que nunca teria uma chance.”
Dou-lhe um beijo no rosto.
“Se você me fizer dormir hoje, prometo que resolvemos sua situação no fim de
semana”, digo sem pensar.
“Você não faz ideia de onde está se metendo, Laura.”
“Devo ficar assustada?”
Ele acaricia meu cabelo, me dá um beijo na testa.
“Deve sim, porque eu vou fazer você me levar mais a sério do que isso”,
responde. “E quando acontecer, você não vai poder voltar atrás.”
Talvez fosse seu corpo quente, talvez fossem suas carícias, não sei, mas eu
começava a ficar sonolenta. Sei que não era o álcool, porque não bebi o suficiente.
Nunca pensei que Bernardo fosse capaz de me fazer dormir daquela forma, que
pudesse ser tão gentil. Será que era assim que ele fazia até conseguir o que realmente
queria das mulheres? Era eu tão cética em relação aos homens? Eu não acreditava na
benevolência humana, portanto, sabia que as coisas vinham com um preço. E o preço
por me permitir esses momentos com ele, que espantavam a insônia e até mesmo a
solidão, seria cobrado. Privilégio meu poder pagar.
Ele retira a taça da minha mão, levanta-se comigo em seu colo, caminha pela
casa, coloca-me sobre a cama, deita-se ao meu lado, abraça-me. Estou aquecida. Estou
perigosamente dependente desses dedos que percorrem minhas bochechas e meu
cabelo, desse calor que o corpo dele emana, desse braço que uso como travesseiro.
Deslizo uma de minhas mãos para dentro da camiseta dele, até alcançar seu peito nu.
Bernardo suspira, esquenta. Eu ajeito meu rosto em seu abraço, adormecendo sem
pensar em mais nada.
Eu tive uma boa noite de sono, não lembro quando foi a última vez em que
dormi tanto. Acordo suando, sinto um corpo pesado sobre o meu. Olho para cima.
Bernardo está dormindo, parece muito cansado. Ainda me abraça. Fico ali analisando
seu rosto, experimento tocá-lo. Também toco seu cabelo, é macio. Ele murmura
alguma coisa que não entendo.
Com cuidado para não o despertar, saio dali, da jaula que é seu corpo em volta
do meu. Ele se ajeita na cama, parece relaxar. Então eu vou tomar banho, depois
preparo café da manhã. Eu tenho pouco tempo para chegar no escritório, já ele pode
dormir mais um pouco, acredito, porque sempre aparece quando quer.
Enquanto preparo, tomando cuidado para não fazer barulho, ovos mexidos e
pão, ele desperta. Caminha até mim, com cara de sono. Eu posso ter dormido bem,
mas ele parece ter tido uma noite infernal. Bernardo me alcança, me segura pela
cintura, me empurra contra a bancada da cozinha.
Ele suspira, eu espero. Ele me devora com os olhos, eu espero.
Ele me beija.
Eu deixo que ele conduza essa nossa dança torta, sinto a urgência dos seus
lábios e corpo aumentando, sua garganta emite sons profundos. Parece que vai me
engolir. Mas ele me solta. Estou sem fôlego.
Ele me olha, ainda quer mais. Está faminto.
Eu espero. Eu espero.
Ele não se move.
“Você não teve uma boa noite de sono, não é?”, eu começo, enquanto ele
permanece imóvel na minha frente. “Desculpe, Bernardo. Se não precisar trabalhar
agora, pode voltar a dormir. Tente descansar um pouco.”
“Para”, ele sussurra.
“Parar o quê?”, questiono confusa.
Ele se move, encosta sua testa na minha, suspira de novo.
“Para de me deixar louco desse jeito, Laura.”
Não entendo o que ele diz, porque eu não fiz absolutamente nada. Não ainda.
“Eu quero foder você bem aqui”, ele diz.
Balanço a cabeça, concordando. Olho meu relógio de pulso.
“Você tem vinte minutos”, eu digo.
Eu estava pronta para o seu ataque, mas ao contrário do que esperava, Bernardo
recua um passo, como se tivesse levado um soco no estômago, seu rosto está
contorcido numa expressão de dor.
Ele ri, mas não tem graça. Se não estou delirando, seus olhos estão úmidos.
“Você realmente me odeia”, ele fala, como se fosse para si mesmo. “Eu entendi
tudo errado”, murmura.
Um pouco atordoado, ele sai dali, pega suas coisas na sala e vai embora. Eu
fico encarando minha pia, sem ter a mínima ideia do que diabos acabou de acontecer.