Estão todos eles aqui, as minhas pessoas favoritas neste mundo inteiro: Beto,
Rafa, Manu, Laura, Heitor, Bernardo e Joaquim. Tem outras pessoas espalhadas pela
casa, amigos do Bernardo, mas é como se fosse um encontro só nosso, das pessoas
que eu amo. Um dos estranhos toca violão, então sem querer sou lançada nas minhas
memórias da adolescência, com Gabe. Mas hoje eu não vou chorar, quero só sorrir.
Manu e Rafa cantam animadas ao meu lado, Laura e Bernardo estão abraçados na
minha frente e Beto e Heitor sentam-se desconfortáveis perto do outro.
Não era difícil enxergar que havia algo entre os dois, mas Beto nunca disse
nada, nem mesmo quando eu tentava abordar o assunto. As minhas perguntas eram
rapidamente ignoradas, desviadas ou rechaçadas. Beto nunca falava sobre eles, então
eu compreendi que ele não queria compartilhar nada, que era assunto só dele, que
lidaria com isso da sua maneira. Eu fiz o melhor que pude para deixá-lo confortável,
para me procurar e conversar comigo se realmente precisasse disso. Nesta noite,
quando vejo ambos desconfortáveis um do lado do outro, percebo que alguma coisa
não vai bem. Talvez, se eu tiver um pouco de coragem, vou tentar novamente falar
com Beto. Eu, Rafa e Manu nos encontramos com Heitor algumas vezes, rimos juntos,
falamos sobre coisas banais, mas seu relacionamento com Beto era sempre uma
espécie de zona proibida e, conhecendo meu amigo como eu conhecia, eu sabia que
isso vinha dele, não do Heitor. Outra vez, era preciso tentar entender, e confiar.
Laura e Bernardo parecem felizes, ela parece um pouco cansada, mas continua
sorrindo como um sol. Por vê-los assim, felizes, eu ficava feliz também, embora me
preocupasse com a ex-namorada dele, que vivia aparecendo na casa como se fizesse
parte dela, usando o filho como desculpa para tudo. Eu não precisava ficar tão
cismada, porque a Laura é uma mulher incrível, daquelas que pode lidar com qualquer
coisa neste mundo. Nossa amizade foi surpreendente, mas eu já fazia planos para
nunca mais me desgrudar dela, depois do abraço e do consolo de mãe que ela me
ofereceu, talvez sem saber como foi importante para mim. Naquele dia eu estava me
sentindo extremamente solitária e perdida, principalmente após visitar o local da
morte de Caio e de encontrar o Bernardo, que me trouxe lembranças da viagem,
lembranças da morte de Gabe. Era como se o meu mundo tivesse cedido outra vez, eu
estava pronta para sucumbir, para ser soterrada pelo desmoronamento, mas aí a Laura
apareceu num momento perfeito e me resgatou. Nós não temos uma diferença muito
grande de idade, porém, seu abraço me lembrou o abraço quente da minha mãe. Laura
é como uma força que atrai todos à sua volta, quando ela lança seu feitiço sobre nós,
não há ser humano que possa resistir. Ela é um lugar quente e aconchegante, que nos
faz implorar por repouso. Às vezes, eu tinha muita dificuldade de entender como
alguém que passou por tanta coisa ruim ainda conseguia ser como um facho de luz
que dissipa a escuridão.
Joaquim se remexe no meu colo, percebo que ele dormiu. Com um gesto meu,
Bernardo logo aparece para levá-lo para a cama. Quando ele faz isso, Natália se
levanta e os segue, como uma marionete. Eu detestei essa mulher desde o primeiro
dia, mas se a Laura podia suportá-la, não havia nada que eu pudesse fazer. A namorada
de Natália, acho que é Júlia o seu nome, observa a cena com cuidado, mas não faz
nada além disso. Eu não posso evitar o pensamento de que ainda somos como crianças,
ou adolescentes, tentando entender nosso próprio coração. Em alguns momentos,
parece que ainda estou diante daqueles estranhos nos luaus que fazíamos no interior
de Minas Gerais, estou mais uma vez presenciando amores não correspondidos,
expectativas frustradas, identidades em ruptura, feridas mal cicatrizadas sangrando,
medo do passado e receio pelo futuro. Será que algum dia vamos crescer de verdade?
Será que crescer é ser melhor do que isso? Melhor do que ser como uma criancinha
assustada?
Rafa e Manu se aproximam, nos abraçamos, enquanto juntas cantamos como
nos velhos tempos. Rafa troca olhares com o cara do violão, então imagino que ele
terá muito trabalho pela frente quando terminar essa canção. Eu quero rir da minha
amiga, que nunca perde tempo. Eu quero rir para esse quadro que se repete, como se
vivêssemos num looping eterno. Como diz a música, mudaram as estações, mas nada
mudou, está tudo diferente, mas nada vai conseguir mudar. Ainda somos os mesmos.
Talvez tenha alguma beleza nisso tudo no fim das contas, talvez possamos permanecer
para sempre como as crianças bobas que somos, donos dessas certezas furadas que
evaporam quando expostas ao calor, vivendo neste mundo que faz tudo rapidamente
virar pó.