“Laura, você tem um minuto?”
Quando ergo meu olhar do computador, encontro Bernardo parado na minha
porta.
“Claro, pode entrar”, respondo, pondo minha atenção nele.
Ele entra no escritório, avaliando discretamente o ambiente — decoração,
móveis, quadros —, então repousa sua atenção em mim.
“Do que precisa?”, questiono, tentando fazê-lo ser breve.
“Você tem tempo livre amanhã?”, ele pergunta.
Levo alguns instantes tentando compreender a pergunta.
“Conhece Walter Ramires?”, ele continua, quando me demoro.
“O sócio da subsidiária brasileira daquele grupo americano do ramo de
alimentos?”
Bernardo parece surpreso por eu conhecer o empresário brasileiro.
“Sim, ele mesmo”, responde, aproximando da minha mesa. “Consegui agendar
uma visita. Estou pensando em trazê-lo para o nosso lado. Acredito que ele vai poder
ajudar financeiramente o projeto.”
Analiso a situação por um momento, indecisa. Ainda me lembro dos
escândalos envolvendo o nome da família dele, vazados meses atrás. Não sei se eu
poderia pedir dinheiro para uma pessoa daquelas.
“Por que eu preciso estar lá?”, questiono Bernardo então.
Ele sorri, disfarçando alguma coisa que não entendo.
“O que foi?”, quero saber.
“Você é a responsável pela parte financeira do projeto, por que não estaria lá?”,
questiona de maneira muito convincente.
“Numa situação como essa, envolvendo alguém desse tamanho, seria melhor
se o diretor da nossa unidade estivesse com você”, tento me esquivar. “Geralmente,
ele até prefere fazer esses contatos. Ele trabalhava na iniciativa privada antes vir para
o serviço público, ele conhece muitas pessoas. Será melhor se ele for.”
Bernardo suspira, então se senta na ponta da minha mesa, encarando-me
diretamente nos olhos.
“Laura, o diretor deixou esta equipe responsável pelo projeto”, argumenta.
“Temos total autonomia aqui. Você e eu fomos designados para trazer os recursos, é
nossa função.”
Ele não estava me deixando com espaço para contra-argumentar, literalmente
sem espaço. Sentou-se na minha mesa, me persuadindo com seu tamanho.
Infelizmente para ele, eu conhecia a técnica.
Eu me levantei, diminuindo a discrepância de tamanho entre nós dois.
Aproximei um pouco, encarando-lhe, quebrando o seu desafio. Bernardo não teve
nem a decência de esconder sua satisfação com o jogo. Ele me encarou de volta,
mostrando os dentes, feliz. O que havia de errado com esse homem?
“Eu não preciso acompanhar você nessa visita, Bernardo”, afirmei. “E nós dois
sabemos disso.”
Como o bom astuto que vinha demonstrando ser, ele rebateu sem piedade:
“E por que mais eu faria esse convite a você, Laura?”, ele quase riu. “Por que
eu chamaria você se realmente não precisasse da sua companhia?”
Ele me encurralou com essa, porque eu não diria a ele o que realmente pensava
naquele momento, como ele já esperava que eu fizesse. Desde o primeiro dia em que
nos conhecemos, meus sentidos estavam em estado de alerta. Eu conhecia o seu tipo,
conquistador, galinha. Via a forma como ele respondia aos cochichos sobre seu corpo,
beleza e estilo de vida, fofocas da unidade. Ele respondia com prazer, algumas vezes
piscando para alguém que era pego no ato. Além disso, enquanto eu fazia uma rápida
busca do seu nome na Internet, quando ele chegou, encontrei muito mais do que
precisava. Vi fotos suas, bêbado, com um monte de mulheres do lado, entrando e
saindo de carros e bares de luxo, li manchetes sobre seus inúmeros relacionamentos
de um mês. Ele parecia uma celebridade do mundo dos solteiros ricos de Brasília. Eu
não queria estar nem um pouco perto de alguém como ele, com Bernardo, o meu
julgamento chegou bem antes de eu conhecê-lo de fato.
“Tudo bem, eu vou”, digo enfim. “Mas você vai me deixar conduzir a
negociação.”
Ele decide rápido demais.
“Claro, sem problemas”, concorda. “É você quem manda.”
Pobre Bernardo. Quase sinto pena dele nesse momento.
“Eu te vejo amanhã então”, ele se levanta da minha mesa, caminha até a porta.
“Quando eu tiver mais informações, combinamos os detalhes da visita.”
Ele estava quase saindo quando eu o interrompo:
“Bernardo?”, espero ele se voltar para mim. “Eu estou sendo muito legal aqui,
depois não venha dizer que eu não o avisei. Tem mesmo certeza de que preciso
acompanhar você?”
Ele nem pensa para responder.
“Eu tenho.”
“Então não me responsabilize depois.”
Ainda que um pouco intrigado pelo meu aviso agressivo, ele não cede. Sai da
minha sala como se tivesse tudo sob controle. Não vejo a hora de arrancar esse sorriso
presunçoso do rosto dele.