Bruno puxou o gatilho. O tiro que deveria pôr fim ao sujeito que causou tantos problemas a ele e a Diana até ali saiu perfeitamente e por um segundo em meio à confusão Alexandre também chegou a pensar que tudo estava acabado.Â
Bruno não viu as inscrições na arma na linguagem antiga de Al Dahin, se tivesse visto, não saberia o que elas significavam.Â
A obsessão de Alexandre em deixar seus meninos seguros tinham servido para algo afinal.Â
Quando havia comprado a arma, tinha gravado as inscrições uma a uma com todo o cuidado, como se fizesse uma obra de arte. As palavras, traduzidas livremente seriam algo equivalentes a “Proteja minha casaâ€.  A coisa funcionaria como uma arma comum nas mãos de qualquer pessoa que não tivesse sangue antigo de seu povo, por isso tinha insistido tanto que Diego deveria usá-la e só se fosse realmente necessário. Quando as runas fossem ativadas, a arma nunca erraria o alvo, e o alvo seria quem ameaçasse sua famÃlia.Â
Bruno tinha sangue de seu povo, isso já sabia, só não esperava que ele tivesse sangue do povo antigo também. Quando apontou a arma, as runas brilharam, ativando a magia antiga que Alexandre tinha gravado tanto tempo antes.Â
A ameaça a sua casa e seu sangue vinha de Diana, não de qualquer outra pessoa naquela sala, ela tinha de fato colocado Bento em perigo, ameaçado Liana e machucado Alexandre. As runas sabiam onde a bala deveria ir.Â
A arma disparou e o projétil seguiu seu destino para o peito de Diana. Igor, mesmo ferido, conseguiu perceber o erro que Bruno havia cometido e puxou Diana como pode, conseguindo evitar o que achava que seria uma desgraça completa.Â
O tiro pegou onde devia, não no coração, mas perto o suficiente. Diana era uma mulher bastante forte e conseguiu se recuperar, mesmo sangrando muito e se apressar em sair dali, talvez conseguisse usar um pouco de sua cura em si mesma para controlar o sangramento.Â
A princÃpio, imaginou que ela corria para a passagem por onde eles tinham chegado, sem saber que havia se fechado pouco depois que tinham pisado na grama e visto o céu dourado. Depois entendeu que não. Ela tinha tudo o que precisava e sabia disso. Ele mesmo disse a ela.Â
Sangue antigo e vontade, nada mais.Â
Deixou que os dois filhos dominassem Bruno e saiu como pode atrás de Diana.Â
Quando Liana viu seu filho aparentemente bem saindo da cabana entendeu o que tinha se passado e se deixou erguer por Eros.Â
Alexandre passou por ela sem percebê-la ou sem poder parar. Seguiria firme atrás de Diana sem que nada o distraÃsse se não tivesse visto seu caçula perdido caminhando lentamente em direção a cabana. Congelou por um instante.Â
Quase esqueceu o que devia fazer e foi amparar o filho. Era o que queria fazer de verdade.Â
—Elohi! Vai! Nós cuidamos dele.Â
O chamado da mãe o trouxe de volta a realidade. Um aceno e colocar os pés para trabalhar novamente. Correu o mais que podia percebendo que não alcançaria Diana.Â
Diana estava poucos metros à  frente, quase na borda do poço das almas e Alexandre teve que gritar seu nome duas vezes para que ela parasse. Â
—Não precisa disso, Diana! A gente pode resolver.Â
—Não, Elohi. Não dá para resolver isso.Â
Ela apontava para a ferida no peito.Â
—Os curandeiros podem resolver. Eles cuidam de você, nós dois conversamos um pouquinho, decidimos uma forma de conseguir cuidar de todo mundo sem sacrificar a barreira. Todo mundo ganha.Â
—Você acredita nisso? Eu já estou condenada, você sabe, seus curandeiros me consertam para o conselho me executar pouco depois. Eu coloquei em risco duas pessoas do sangue antigo. Três se contarmos com meu filho.Â
—Eu não vou deixar! Você pode ser exilada como meu pai foi, continua sua vida como foi até agora, você cuida deles do lado de lá e os que quiserem eu garanto que cuido deles aqui. Acredita em mim!Â
Ela queria acreditar, tinha certeza de que ele faria o que prometia. Não seria uma ideia ruim na verdade, uma passagem facilitada para os seus que quisessem ir para casa, cuidar dos que não poderiam por envelhecerem rapido. Se tivessem tido tempo o bastante para conviverem, se tudo não tivesse sido feito na força da vontade e da pressa, se tivesse conseguido entrar na vida dele do jeito que tinha planejado, com tempo e com calma... Que dupla seriam! Ele poderia acabar a convencendo. Ele reinaria, ela estaria a seu lado, os seus seriam vistos, reconhecidos e teriam um lugar no mundo. A proposta era bastante sedutora.Â
Ela já sabia que era bem fácil gostar dele.Â
—Elohi, pode prometer cuidar dos meus?Â
—Prometo! Nós cuidamos deles juntos.Â
Ele estendeu a mão em direção a ela, que havia recuado de costas, aos pouquinhos, até se encostar na borda do poço e agarrá-la com as duas mãos ao lado do corpo.Â
Diana pensou em segurar aquela mão estendida como quem se agarra a única tábua que está ao alcance depois que seu barco se espatifa contra uma pedra em alto mar. Estava com medo, estava com muito medo. Não ter uma crença nessas horas não ajuda em nada. Queria pelo menos poder imaginar como seria depois, nada passava na sua cabeça sobre isso. Só os espirais sem calor do fogo verde a suas costas, para onde todas as almas iam. E depois?Â
Chegou à conclusão de que não importava.Â
Manteve seus olhos no rosto de Alexandre, queria se lembrar, se pudesse.Â
—Acho que não vai dar. Confio em você!Â
Usou as mãos para se alçar sobre a borda de pedras e para empurrar o corpo para trás. Mergulhou de costas como se estivesse em uma piscina. O fogo verde a engoliu, se tornando mais brilhante e mais alto, soltando espirais de fumaça. Não houve gritos, ele não achava que tinha havido sofrimento. Como uma verdadeira rainha, Diana fez o que se preparou por toda a vida para fazer.Â