Bruno trazia flores e um presente embrulhado em papel de seda azul e enfeitado com uma fita. Sorriu ao vê-la estender a mão para ele. Mesmo sabendo que ela ansiava por notÃcias, não foi direto encontrá-la, passou em sua casa, tomou banho e trocou de roupa, caprichou no pós-barba de que ela gostava. Atenção a detalhes era algo importante. Ela tinha ensinado bem.Â
 Seu lugar no mundo é sempre definido pela forma como as pessoas te enxergam e ele se cuidava justamente para ser visto como alguém a altura dela.Â
Aproximou-se de sua rainha com o respeito merecido. Mesmo que ainda não ostentasse oficialmente o tÃtulo e que Bruno soubesse que era mais um cão do que um pássaro, alguém indigno de estar diante dela, ela o escolheu e isso era tudo o que importava.Â
Estendeu o embrulho bonito e sorriu quando viu que os olhos dela brilhavam. Ela já devia saber o que era o presente, não havia coisa no mundo que não soubesse. Ainda assim era muito satisfatório vê-la abrir o pacote com toda a delicadeza de que era capaz. Firmou o pensamento nessa sensação para o caso de ela ainda não ter se dado ao trabalho de olhar em sua mente poder surpreendê-la e amou vê-la sorrir ao entender o que era o conteúdo do pacote, parecia não esperar pelo mimo. Isso o agradou mais do que qualquer coisa que ela pudesse dizer.Â
Sua futura rainha indicou um lugar ao seu lado no sofá, de onde estava podia sentir o cheiro dela.Â
Um perfume enlouquecedor para ele. Não tinha intenções ou sonhos de um dia tocá-la, ela era sagrada e tinha uma missão. Bruno respeitava isso mais que qualquer outra coisa em sua vida, mas não negava que se fosse ele o escolhido, e sabia que não era por pouco, seria mortalmente feliz.Â
—O que tem para me contar?Â
Ela perguntava se inclinando ligeiramente sobre ele, arrumando o porta-retratos que havia ganhado de presente ao lado dos outros, entre o do pai amado e o da criança. Esperou que se afastasse um pouco, de volta a seu lugar no sofá. A proximidade sempre lhe dava uma sensação de tontura boa que ele fingia atribuir a nuvem de perfume que saia dela.Â
—O serviço foi feito. Não houve dificuldade para entrar, como acredito que já saiba, só demorei mais do que imaginava porque tive que esperar a vontade de Deus para cumprir minha tarefa. De lá segui para o outro local. Â
—Protegido, como já imaginávamos, mas se for necessário posso cuidar do caso, ninguém fica em um lugar para sempre.Â
—Não, Bruno! Mantenha o local secundário bem vigiado, mas não toque em ninguém que esteja ali. As pessoas naquela casa são importantes, se forem machucadas podem arruinar a parte de nosso sonho, só cuide para que nenhuma delas deixe o lugar e para que nenhum dos seus faça bobagem.Â
Bruno ficou satisfeito de ouvir a ordem. Era algo que podia fazer. Se ela ordenasse que atacasse a casa poderia decepcioná-la pela primeira vez. Tinha testado pouco antes e sabia que não podia abrir a porta do lugar.Â
Bruno era bom com fechaduras e trancas. Um talento natural. Podia abrir a maioria das trancas com as quais se deparava, quase como se as fechaduras obedecessem ao toque de sua mão. Estudou um pouco diversos tipos de mecanismos de trancas diferentes, conhecia seus meios de funcionamento e como manipulá-los graças as oportunidades que Diana tinha dado a ele, mas também podia dizer que já tinha o instinto, um talento que só precisava ser lapidado.Â
Não era um pássaro tÃpico, se possuÃa o sangue que ligava todos os membros daquela organização a terra sagrada para a qual se preparavam para voltar, esse sangue já se tornara mais ralo que água. Â
Até onde sabia o pai era um homem comum, trabalhador de fábrica que morreu num acidente de trabalho. O avô, outro homem comum, o acolheu e terminou de criar. No fim da adolescência descobriu seu talento para abrir coisas trancadas, um arame fino e rÃgido era mais que suficiente para abrir quase qualquer coisa. Da caixa de esmola da igreja até gavetas de caixas registradoras. Foi numa tentativa de assalto que a conheceu, linda, séria e atenta. Seu anjo dourado.Â
Ele e dois companheiros de rua cismaram de invadir um escritório onde tinham ouvido falar que o dono guardava dinheiro em boa quantidade. A ideia veio como soprada no vento.Â
Abrir a porta de tranca dupla havia sido fácil. Sair da sala em que entraram nem tanto.Â
O anjo estava ali com outros tantos. Com uma ordem sua os três rapazes foram dominados. Ela fez perguntas, alguns testes, separou os meninos e esteve com eles individualmente. Bruno tinha sentido a presença dela dentro de sua mente e percebeu logo que mentir não adiantaria de nada, só restava ser sincero.Â
Ela viu valor nele. Em seus amigos não. Sua primeira tarefa foi jogá-los no fogo. Ele fez sem reclamar. Faria tudo por ela!Â
O conselho cogitou que Bruno fizesse a vez do rei esperado. Ela se opôs.Â
O jovem seria útil, mas não poderia substituir o rei. Teriam que aguardar até o retorno, ele viria, ela sabia e ninguém ousaria contrariar os desejos da rainha, o jovem só tinha traços do dom esperado, não era completo. Não era nem mesmo um pássaro, como alguém frisou, era mais um cão. Alguém com algum talento e sem nenhuma ligação, acontecia apesar de raro.Â
Eles falavam como se Bruno não estivesse na sala, não se importavam se ouvia ou não. Ela, que estava acima de todos eles, disse que se era um cão, seria seu cão de guarda pessoal. Desde então era o papel que exercia e nunca tinha entendido por que se sentia tão bem ao obedecê-la, logo ele que sempre tinha sido tão rebelde.Â
Ela lhe deu o resto do dia de folga. Mandou que descansasse e se preparasse para seu trabalho mais importante. Depois pediu que se retirasse.Â
Bruno viu que ela sorria olhando do presente que ele havia trazido. Não precisava de nada mais que aquele sorriso para continuar a ser seu cão. Os próximos dias seriam os mais importantes antes que sua rainha chegasse ao trono. Quando acontecesse, estaria lá ao lado dela para o que precisasse.Â