Pouco tempo depois que tinha saÃdo, Diana se juntou a ele lá fora, apoiando no carro ao lado dele.Â
—Eu devia ter escolhido um momento melhor para te contar. Falar com mais calma, ter te preparado... Â
—Não devia ter falado nada. Seria melhor para todo mundo se eu não soubesse... Não conta para o Bento, ele já tem coisas demais para pensar, não precisa de mais essa.Â
—Isso não. Eu odeio mentiras! Consigo suportar bem quase tudo, mas mentiras para mim são o pior pecado, a raiz de todos os outros. Isso sim afetaria minha moral, o resto é besteira.Â
Diana fez que sim e por algum tempo ficaram calados um ao lado do outro. Alexandre mastigando a parte interna dos lábios, fazia tempo que não se pegava fazendo o gesto, só acontecia quando tentava calar um pensamento que queria muito sair. Por fim decidiu que não valia a pena guardar nada.Â
—Que foi que eu fiz que te fez decidir foder com a minha vida?Â
Diana virou o rosto para ele por um momento. O olhar não parecia mais tão frio quanto na madrugada. Alexandre estava começando a simpatizar com ela e tinha raiva porque não queria justificá-la.Â
—Você nasceu! — Esperou que ele dissesse algo, não houve nada além de um remexer nos bolsos procurando algo que não estava ali.Â
—Meu pai só sabia falar de você, pensar em você e esperar por você. Ele não desistiu de te encontrar enquanto esteve vivo. Você sempre estava por perto, era o nome que eu mais ouvia. Era irritante...Â
“O que eu tenho com isso?!â€Â
O pensamento de Alexandre deve ter sido alto suficiente para que ela ouvisse mesmo com suas proteções, pois ela fez algo entre uma careta de dor e um ar de deboche.Â
—Ele quem começou a procurar crianças como nós, só que era você que ele estava procurando, então não ligava para as outras. Depois que ele morreu e eu assumi comecei a encontrar com nossos irmãozinhos que não tinham ideia de quem eram. Eu ainda procurava por você, mas cuidava dos que encontrava no caminho. Quando te encontrei comecei a cuidar de você também, de longe porque ainda te detestava.Â
—Jeito peculiar de cuidar de alguém...Â
—Não fale de coisas que você não sabe. Quando você precisava de um meio de se manter, te mandei uns bons clientes para incentivar seu inÃcio de carreira. Sempre coloquei gente para garantir que nada de ruim te acontecesse...Â
—Pensei que você não mentisse...Â
—E não minto, não acho que tem necessidade...Â
—Como é que mandar matar minha esposa e Lydia se qualifica como cuidar de alguém?Â
Houve silêncio seguido de um respirar fundo.Â
—Eu ia te contar, mais tarde, quando você se abrisse mais...Â
—Eu não sou tão burro quanto você pensa!Â
—Nunca disse que era burro. Eu disse que era ingênuo, é diferente... Eu não tinha nada contra a Dona Lydia, até agradeço por ela ter cuidado do nosso filho. Precisávamos de uma distração que te mantivesse ocupado o bastante e que te abalasse o suficiente para conseguir buscar Bento. Quando soube que você tinha voltado vi que estava na hora, mas você colocou o moleque para dentro da tua fortaleza e não dava para ninguém entrar e simplesmente arrancá-lo de dentro. Tinha que ser algo que realmente mexesse com sua cabeça para você não perceber. Como soube que tinha sido coisa nossa?Â
—A disposição dos dois corpos e Lydia me falou sobre o cheiro de colônia impregnado na casa dela. Eu vi a tatuagem quando usei empatia, foi só pensar um pouco...Â
Diana ficou um pouco curiosa sobre a ideia de Lydia e Alexandre terem conversado depois que a idosa estava morta, perguntaria mais tarde sobre isso, quando ele estivesse mais disposto.Â
—Essa foi uma decisão difÃcil... Estava tentando te proteger...Ela ia embora, sabia? Ia levar o filho dela e o nosso para longe...Â
Alexandre se lembrava de que estavam brigando um pouco na época. Não tinham falado em separação, Sam andava um pouco nervosa, mas que professor não fica quando o fim do ano chega? Â
—Não faz sentido! Nós nos amávamos, e mesmo que ela quisesse ir, nunca me impediria de ver os meninos. Se ela fosse mesmo o caminho ficaria live para você, não é?Â
—Eu pensei bastante nisso... Você ficou destruÃdo quando ela morreu, se fechou para tudo. Acho que eu tive medo, achava que se ela fosse com Bento acabaria conhecendo outra pessoa e afastaria ele de vez de você. Isso ia acabar contigo! Não foi bom te ver sofrer e já que estamos sendo sinceros, seu luto atrasou meu lado em uns sete anos. Depois você sumiu.Â
—E essa obsessão? Se você me detesta, para que isso? É seu jeito de castigar ou...Â
Nenhum dos dois se alterava durante a conversa. Quem olhasse de longe poderia pensar que eram amigos conversando depois de uma briga. Uma conversa fria, ressentida, mas muito educada.Â
—Obsessão é uma palavra feia. Já te disse, comecei a te observar de longe. Me passou pela cabeça que nós dois somos os últimos da linhagem antiga. Se estivéssemos em casa e até agora não existisse um herdeiro além de você acabaria acontecendo algo semelhante a colheita que meu pai falava...Â
Não seria uma colheita. Isso acontecia quando ainda havia uma herdeira em idade fértil, tinha sido assim que ele havia nascido. Seria um casamento de fogo. O herdeiro homem é obrigado a se unir a qualquer mulher com sangue antigo. Seriam obrigados a ficarem juntos até que um novo herdeiro surgisse e chegasse a idade adulta. Permitiu que Diana visse em sua mente.Â
Diana nunca tinha ouvido falar do casamento de fogo. Suspirou pensando em tudo que ainda não sabia. Â
—Isso. Se eu acabasse indo até lá, se levasse meus pássaros para casa, isso ia acabar acontecendo, por que não resolver logo? Foi quando comecei a te ver não como um inimigo, mas como um possÃvel aliado, depois como alguém que eu realmente queria ao meu lado. Quando Bento nasceu achei que você me veria, e nós terÃamos gerado um herdeiro, mas ele não é porteiro e eu nunca tive a chance de tentar de novo...Â
—Se você me deixar em paz a respeito dessa parte, até tem como conversar a respeito do resto. Você não está errada sobre o que quer, todos deveriam poder ir para casa se quisessem..., mas a barreira protege os nossos. Sem a barreira nosso povo vai ficar exposto. Tenta me entender, uma gente que nunca viu o mundo, eles não vão se adaptar. Só Deus sabe o que vai acontecer...Â
—Não me pede para desistir! Estamos esperando a tempo demais por isso.Â
—A gente podia tentar encontrar um meio termo...Â
—Elohi, a decisão foi tomada. A barreira cai e nós resolvemos todo o resto conforme os problemas forem surgindo. Não quero mais falar disso!Â