CAPÍTULO TRÊS
Depois
que Maria voltou de Recife para o cabaré de dona Bia, com todo aquele
acolhimento caloroso e como já conhecia os costumes e os hábitos da casa, ficou
mais fácil a sua reintegração. Nos primeiros dias ficou um pouco retraída, não
frequentava as mesas do salão, ficava mais no bar ao lado de dona Bia, tomando
alguma bebida e ajudando a despachar no balcão. Muitas vezes ela mesma ia para
a cozinha preparar algum prato pedido no salão. Ultimamente não estava levando
ninguém para a cama, porque depois de acometida por essa doença potencialmente
fatal, resolvera recolher-se na sua abstenção. Acontecia sempre uma menina vir chamá-la
para uma mesa onde alguém estava interessado em conhecê-la, mas Maria resistia
e com uma desculpa qualquer ficava no seu lugar, sempre atrás do balcão. Foram várias
noites nessa indisposição. O cabaré fechava, ela pegava um litro de vodca e se
recolhia ao quarto até o dia seguinte, e quando acordava depois do meio-dia estava
ao lado de mais um litro vazio. Na noite seguinte o mesmo caminho era
percorrido e de novo amanhecia ao lado de um litro vazio.
Dona
Bia, e também as meninas, já estavam ficando preocupadas com o comportamento de
Maria depois de seu retorno. A velha cafetina tomou uma decisão. Iriam fazer
uma reunião naquela tarde antes de o cabaré abrir, colocar Maria a parede,
literalmente, a fim de descobrir o que estava acontecendo. Assim fizeram.
Maria
não recusou o convite para a reunião e na hora marcada estava na sala, mesmo morrendo
de ressaca, pronta para a sabatina.
Depois
de várias perguntas e de tantas respostas convincentes, Maria levantou-se
convicta de que havia esclarecido tudo. Pelo modo como as meninas deixaram a
reunião, ficou claro que todas haviam se convencido de que Maria estava com a
razão. Depois daquele encontro ninguém mais tentou importuná-la.
Passados alguns dias daquela
reunião, algo inesperado surgiu para Maria — um momento jamais previsto.
Naquele dia, ela estava bem à vontade detrás do balcão, com dona Bia e
Lindalva, que tomavam cerveja, enquanto ela se servia de um litro de vodca com
laranjada.
Entre um pedido e outro,
chegou Solange, toda assanhada, pegando Maria pelo braço para levá-la a uma
mesa. Muito agitada, quase gritando, Solange contou que o coronel Apolônio
estava em uma das mesas do salão e demonstrava grande interesse pela morena que
despachava no bar.
Maria se retraiu por um
instante e, dali mesmo, avistou numa mesa da sala um senhor corpulento e de
rosto marcado, usando chapéu panamá, fumando um charuto e cercado por homens
taciturnos. Soltando-se de Solange, pediu que avisassem ao coronel que aguardasse
apenas um instante, pois ela iria recebê-lo.
Naquele
momento que Maria ouviu Solange soletrar o nome do coronel Apolônio, um frio
subiu-lhe pela barriga, pois aquele homem era o pai daquele que causara toda a
sua desgraça, apesar de ser o avô de seu filho, e com certeza também era o
assassino de seu pai. Agora estava ali à sua frente à chance de matá-lo, afinal
de contas ela estava com uma doença transmissível e fatal. Sem pestanejar,
decidiu que era chegada a hora de sua vingança.
Foi
para o quarto e, cerca de uma hora mais tarde, estava de volta ao salão.
Dona
Bia, nem tampouco as meninas, tinha conhecimento de que aquele fazendeiro fosse
o sogro fortuito de Maria. Para elas era apenas um cliente que queria diversão
e engraçou-se dela. Agora era aproveitar o momento. Assim Maria procedeu. Levou
o fazendeiro para o quarto e o satisfez, assim como também levara a efeito a
sua vingança contida, sem nenhum remorso. Como o seu pai, também não estava
afeita a perdoar seus desafetos.
Meses
depois desse ocorrido, numa tarde como outra qualquer, Maria estava sentada a
mesa, no salão bebendo como sempre, quando pelo corredor as meninas e dona Bia
aproximaram-se, vestidas discretamente e prontas para saírem. Vão até a mesa e
param diante de Maria.
— Maria, nós vamos para Itaíba — adiantou-se Rita.
Dona
Bia aproximou-se da mesa, segurou as mãos de Maria, e com a voz embargada,
balbuciou:
— Nós estamos indo ao enterro do coronel Apolônio.
Morreu ontem de causas desconhecidas. Talvez de velhice mesmo. — E
completou: — Lembra-se daquele velho a quem você abriu uma exceção?
Maria
já estava bêbada quando ouviu a notícia da morte do coronel. Olhou para dona
Bia, depois para as meninas, jogou a cabeça para trás e soltou uma sonora
gargalhada.
Dona
Bia e as meninas se entreolharam, confusas, mas nenhuma delas entendeu o motivo
daquela alegria repentina. Só Maria, no seu íntimo sabia o que representava
aquela notícia.
— “Aquele mau caráter agora irá pagar nas
profundezas todas as maldades que cometera aqui na terra com os pobres
indefesos”. — Foi o
que veio à sua cabeça neste momento. Depois encheu um copo de bebida, tomou de
uma só vez, e tossindo encarou dona Bia e as meninas.
— Vocês estão saindo para irem ao enterro do coronel de
Itaíba?
Ao
terminar a pergunta e não ouvindo nenhuma resposta, tomou outra dose, acendeu
um cigarro e ficou olhando dona Bia e as meninas pelas costas.
No
terreiro da fazenda do finado Apolônio (que agora se encontrava estirado dentro
de um caixão na sala do casarão) algumas senhoras idosas cantavam orações para
os mortos, enquanto os amigos do morto e algumas autoridades presentes se
ajeitavam para a saída do caixão.
— Há pouco tempo o velho estava bonzinho — dizia alguém.
— Começou a sentir fastio, uma gripe que não parava
nunca —
completava outro.
— Até que caiu de cama e nunca mais se levantou — disse um terceiro, enquanto se retirava para o
alpendre.
Nessa
hora dona Bia e as meninas estavam juntas a um grupo de vaqueiros e prestavam
atenção ao falatório deles, enquanto aguardavam a hora do féretro sair. Elas já
haviam entrado na casa, feito o sinal da cruz diante do caixão, e agora estavam
no terreiro sendo assediadas e ao mesmo tempo cumprimentadas pelos vaqueiros
que estavam ali para o último adeus ao coronel Apolônio.
Depois
do sepultamento do coronel, quando todos já estavam voltando do cemitério de
Itaíba, Solange ficou um pouco para trás, enquanto dona Bia, Rita, Índia,
Lindalva e Mariná caminhavam ao lado de outras pessoas.
De
repente Solange parou, deu um soco no ar, comemorando alguma descoberta e continuou
andando, agora mais apressada para alcançar dona Bia e as meninas. Chegando ao
lado delas, suspirou, e mesmo cansada, confidenciou:
— Agora eu entendi porque Maria aceitou ir para o quarto
com o finado naquela noite, mesmo sabendo com quem estava deitando-se.
Mesmo
não entendendo o que Solange estava querendo insinuar, seguiram até o carro que
iria levá-las de volta para Águas Belas.
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