CAPÍTULO QUATRO
Depois
que o pequeno Bil voltou de seu banho no riacho, trancou a porta e foi para a
sua rede, enquanto sua mãe deitava-se ao lado de Isidoro que a essa altura já
roncava.
Idalina
estava na reta final de sua gestação.
Depois
de tantos anos sem engravidar, a sua barriga estava novamente saliente e
descansaria dentro de poucos dias. Era uma mulher de compleição forte, com trinta
e cinco ou trinta e seis anos vividos, e apesar de seus trajes velhos com
poderes para envelhecê-la, via-se que fora bonita, apenas se descuidara de sua
aparência. Também pudera, não possuía recursos para desfrutar dos produtos que rejuvenesciam
as mulheres. A única maquilagem que a pobrezinha se dava o direito de fazer era
quando estava banhando-se no córrego. Pegava um caco de telha e ficava raspando
a sola dos pés para deixá-los branquinhos e sem aquela pele endurecida. Outras
vezes usava o estojo de barbear de Isidoro, que ele sempre esquecia no riacho,
para depilar as pernas e a virilha. Tudo isso era feito às escondidas, e essas
pequenas mudanças passavam despercebidas na cama, porque dificilmente ele a
procurava. Quando era procurada, acontecia com tanta rapidez, que ele nem
percebia aqueles pequenos asseios no corpo de sua mulher.
Isidoro
era um homem ignorante, educado à maneira antiga, criado no mato.
Perdera
a virgindade num cabaré, como quase todos os seus contemporâneos, com
prostitutas que fingiam na cama e precocemente terminavam o coito, porque tempo
literalmente significava dinheiro para a sobrevivência delas. Ele conviveu
satisfazendo-se com esse tipo de mulher até conhecer Idalina.
O
pequeno Bil estava com apenas cinco anos, ainda era um menino em bermudas e parrudo;
completando a vestimenta com uma camisa de mangas compridas, para se proteger
do sol que queimava no campo aberto; mas nem sempre se protegia, porque os
raios solares não respeitavam aquele pano fino e barato. Mesmo assim, todo dia
lá estava ele com o pai na roça, capinando ou ajudando-o no conserto do
cercado.
Não
frequentava a escola, pois Isidoro o preferia com uma enxada limpando a roça do
que com um lápis escrevendo num caderno. Idalina muitas vezes repreendia o
marido pelo fato de ele não querer o pequeno Bil na escola, mas Isidoro se
defendia dizendo que o menino precisava era de trabalhar, porque filho de pobre
não chegava a lugar nenhum aprendendo a ler e escrever, e nunca conheceu um
filho de pobre ser doutor, sempre terminavam no trabalho braçal. Muitas vezes
ele prognosticava que aquele menino quando virasse homem de verdade iria ser um
excelente pai e um bom marido, pois quando o suor de seu rosto é derramado na
terra pelo esforço de um trabalho honesto, a recompensa não é o que ele ganha
com isso, mas o que ele se torna com isso. (Trecho de um pensamento de John
Ruskin, que ele trazia decorado de um para-lama de caminhão).
Idalina
apenas argumentava que o pequeno Bil iria ser o que Deus quisesse.
O
pequeno Bil continuava na roça com o seu pai, apesar de sua pouca idade.
Os
dois, com determinação e muito trabalho não se acanharam de jogar naquela terra
sementes de jerimum, de feijão, de milho, de batata-doce, além de manivas de
macaxeira e de mandioca, e ainda aproveitavam as safras de imbu, jaca, caju e
manga, para vender esses frutos na feira. Nessa época Isidoro levava o pequeno
Bil com ele para as feiras livres, enquanto Idalina ficava sozinha em casa.
Enquanto Isidoro trabalhava no roçado e o
fruto de seu trabalho rendia alguma coisa, o seu terreiro, depois da passagem
dos militares, virou novamente moradia de galinhas, galos, porcos, cabras,
bodes e de uma vaquinha leiteira comprada na feira de gado de Águas Belas. Fez
até um chiqueiro para os porcos, um pequeno curral para a vaquinha, outro para
as cabras e os bodes. As galinhas e os galos viviam soltos ao redor da casa.
Dormiam empoleiradas no cercado do curral.
O
vira-lata Piaba passava a maior parte de seu dia deitado no terreiro, cochilando,
quando não estava com Isidoro no roçado.
A
essa altura Idalina já estava com a barriga pela boca, já não andava,
literalmente, simplesmente se arrastava dentro de casa.
— Acho que esse aqui vai nascer e já sair caminhando.
Pelo jeito que se mexe; não fica parado um só minuto. É chute que não acaba
mais —
reclamava Idalina.
Isidoro,
sentado no limiar da porta da frente, fumando como sempre um cigarro de palha e
coçando entre os dedos do pé, apenas murmurava:
— Pelo que já ouvi falar, no
nono mês o bebê passa a maior parte do tempo descansando e dormindo.
— É verdade — concordou
Idalina. — Mas essa criaturinha aqui não dorme e nem descansa.
— Se for menino, vai puxar ao pai. Mas se for uma menina
[...].
— Deixa de ladainha, homem. É até pecado dizer essas
coisas. Deus pode te castigar!
Isidoro
tragou mais uma baforada no cigarro, cuspiu no terreiro e deu uma risadinha
sarcástica antes de levantar-se e entrar no seu quarto que ficava de frente
para a sala. O outro quarto ficava contíguo à cozinha.
Idalina
o seguiu e foram deitar-se.
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