CAPÍTULO SEIS
Na
manhã seguinte, no alpendre que corria na frente da casa-grande na fazenda do
coronel Apolônio, todos faziam o desjejum enquanto conversavam descontraidamente.
Capangas, vaqueiros e a família do coronel sentavam-se juntos à mesa; uma mesa
comprida de madeira de lei. Nesse dia o coronel Apolônio percebeu o seu filho
cabisbaixo e sem aquela empolgação que sempre contagiava a todos. Os capangas e
os vaqueiros também perceberam.
O
coronel resolveu inquiri-lo. Pigarreou, alertando aos presentes que queria
ficar a sós com o seu filho, e entendendo a mensagem, todo mundo foi levantando-se
de mansinho, deixando-os sozinhos.
— Meu filho, o que está acontecendo com você?
— Eu não sei nem como explicar, meu pai, mas ontem na
feira algo estranho me aconteceu. Nunca senti isso na minha vida.
— Outra buchudinha importunando a tua vida. Elas só
querem roubar um pedaço de tua herança, filho. Diz logo quem é e onde mora a
vigarista que vou mandar dar um jeito nela e em mais alguém que se meter.
Marcelo
colocou a mão sobre o ombro de seu pai e contou o que realmente estava
acontecendo.
— Pai, o que aconteceu comigo é totalmente diferente.
Ontem pela primeira vez eu senti aquela sensação que os fracos chamam de medo.
Eu vi a morte me encarando.
O
coronel tomou um gole de café, acendeu seu cachimbo, baforou, cuspiu no chão e
sentenciou:
— A morte que você viu ontem, será vencida pelo meu
poder. – Vangloriava-se o coronel, desafiando a morte. – Vamos despedaçá-la com
a sua própria foice!
Marcelo
olhou para o terreiro onde os vaqueiros conversavam indiferentes ao que se
passava no alpendre, depois se voltando para o seu pai, continuou:
— Pai, esse homem que vi ontem deve ser o pai dessa última
interesseira que está abrindo as pernas para mim.
O
coronel levantou-se, foi retirando-se da mesa, e ficando às costas de seu
filho, prometeu:
— Vamos dar um jeito nisso. — E vagarosamente, arrastando os chinelos, entrou no
casarão e foi deitar-se, deixando-o sozinho à mesa.
Na
cama, olhando para o telhado, o coronel ficou rememorando o seu passado, a sua
infância distante, seus pais, e como tudo começara naquela fazenda. Lembrou-se
de seu pai; um desbravador que derrubou matas, que abriu caminho e estradas,
construiu currais, criou gado e deixou tudo pronto para seu único filho, mas também
abusou de muita mulher de morador da fazenda e das filhas destes também. Muitas
adolescentes ganharam promessas de uma vida melhor para deitarem-se com ele no
capim e por trás das moitas. O coronel Apolônio reconheceu naquela hora de
reflexão que era a reencarnação de seu pai, e que seu filho Marcelo trazia nas
veias o sangue deles.
Ainda
neste dia, ao entardecer, o coronel chamou alguns capangas de sua confiança e os
levou para uma conversa na cerca do curral, onde traçaram um plano para tirar
aquele pai inconveniente do caminho de seu filho. Ficou decidido naquele
momento que só era para afugentá-lo com uma surra e que a polícia faria vistas
grossas, pois o coronel iria mandar um vaqueiro presenteá-los.
No
dia seguinte Marcelo já não mais se lembrava daquele olhar que lhe causara
tanto medo. Logo cedo já estava vadiando pelas ruas de Itaíba, bebendo com os
amigos e alguns vaqueiros de sua fazenda, que sempre estavam ao seu lado para
protegê-lo.
A
semana estava se passando muito rápida e quando menos se esperava, era sábado. Foi
neste sábado que Isidoro alegrou-se e achou que aquele era o dia pelo qual tanto
ambicionara. Agora ele sabia onde encontrar Marcelo.
De
longe observava o bar onde o filho do coronel Apolônio se divertia com os
amigos e acompanhado de seus seguranças. Os cavalos estavam na calçada,
cochilando em pé.
Por
trás de um poste, do outro lado da rua, Isidoro se escondia. Procurou a faca na
cintura, apalpou o cabo de sua peixeira, respirou fundo e aguardou o momento
certo. Só que não contava com o inesperado que adiou o seu plano. Três homens sorrateiramente
se aproximaram vindos da esquina a uns vinte metros do poste onde ele se
encontrava, e jogaram-se em cima dele, derrubando-o no chão. Ainda deu tempo
para Isidoro olhar para o bar do outro lado da rua e ver Marcelo montar num
cavalo e sair de rua afora em disparada. Enquanto conseguiu enxergar e sentir
os chutes desordenados que atingiam do seu rosto à virilha, percebeu que a sua
peixeira era arrancada de sua cintura. Depois perdeu os sentidos e apagou-se.
— Por que não matamos logo esse bosta? — perguntava um dos agressores.
— Não, não, não! É só para quebrá-lo! — respondeu entre a saraivada de pontapés aquele que
parecia liderar a súcia.
Depois
de deixá-lo desacordado no meio-fio, voltaram para o bar, como se nada tivesse
acontecido. Entraram no bar, beberam, e voltaram para a porta, olhando os
policiais recolherem aquele corpo caído na calçada do outro lado. Os policiais
ao passarem pelo bar cumprimentaram os vaqueiros e seguiram para a casa de
saúde.
No
dia seguinte o delegado foi visitá-lo apenas para certificá-lo de que estava
enroscado com a lei e que para se safar deveria esquecer tudo e quem sabe, não
seria até melhor ir embora de Itaíba e recomeçar em outro lugar uma nova vida.
Afinal de contas ele fora encontrado com uma faca tocaiando o filho do coronel
Apolônio. Porte de arma ilegal e tentativa de homicídio eram crimes graves.
Isidoro
ainda entubado, apenas o olhava.
O
delegado foi até a janela, depois se voltou para Isidoro e continuou:
— Não vamos mais mexer nesse caso. Afinal, nem recebemos
queixa das pessoas que foram agredidas. — E retirando-se do quarto — O senhor não está mais sob a custódia da polícia. Agora
é um homem livre. Vamos engavetar esse processo.
Dois
dias depois daquele encontro, Isidoro recebeu alta médica e foi convalescer em
casa. Naquele incidente ele ganhou duas costelas quebradas, a clavícula
esquerda fraturada, vários dentes quebrados, e um monte de hematomas espalhados
pelo corpo.
Foi levado para casa pela
polícia, todo enfaixado, deitado no banco traseiro da viatura. Ao chegar, foi
recebido com abraços carinhosos e beijos da mulher e dos filhos. Depois de
colocado na cama, ficou olhando pensativo para o telhado do quarto.
v