CAPÍTULO SETE
Por vários dias Isidoro ficou acamado. Durante esse tempo, Severino não deixou o mato tomar conta da roça. Saía de madrugada, ainda com o céu escuro, com a enxada ao ombro para fazer o que aprendera com seu pai. Ao clarear do dia já havia limpado quase todo o roçado. Quando o sol já estava a alguns metros acima do horizonte, ele avistava Nicodemos que vinha saltitando pelo caminho com um embrulho na mão. Era o seu café da manhã.
Num prato estava a batata-doce com um pedaço de passarinho assado e café numa lata de óleo. Severino sentava-se embaixo de um pé de juá e com sofreguidão tomava o seu café da manhã, enquanto Nicodemos ficava brincando com a enxada, tentando cavar o chão.
Foi assim que eles venceram aquela fase, enquanto Isidoro se recuperava. Enquanto isso, as mezinhas preparadas por Idalina foi que aos poucos foram fazendo Isidoro se reanimar. Ela agora estava dividida entre os afazeres de casa e a cama onde seu marido reestabelecia-se. Na mão sempre uma toalha embebida em água morna para colocar sobre os hematomas que já apresentavam melhora. Quando se deitava para dormir, sempre tomava muito cuidado para não o machucar, e também aproveitava para aconselhá-lo:
— Homem, esquece tudo isso. Todo mundo sabe que essa surra foi encomendada.
Isidoro ouvia tudo calado e depois se virava para a parede. Idalina continuava:
— Você não é páreo para esse coronel. Além do mais foi ele quem ajudou a você arranjar esse lugar para morar. Então se perdoar a besteira cometida pelo filho dele, sua dívida com ele estará quitada para o resto de sua vida.
Isidoro virou-se de supetão, depois colocando a mão na clavícula quebrada, arquejando, cochichou:
— Mulher, nesse caso uma mão não lava a outra.
— Lembre-se que a nossa filha já está pagando pelo seu erro — Idalina tentou argumentar — e completando —, por que piorar as coisas se já o infortúnio ruiu sobre a nossa casa?
Isidoro estava calado no seu canto, calado continuou. Ficou observando uma lagartixa tentando capturar uma pequena borboleta que se aquecia a luz do candeeiro. Idalina entendendo que não mais adiantava argumentar com ele, virou-se e adormeceu.
Severino e Nicodemos ainda ficaram na cozinha por mais algum tempo na diversão preferida deles: dificultar a tarefa das formigas de subirem pela parede carregando o seu fardo. Quando eles estavam cansados, corriam para as suas redes e dormiam.
Marcelo não estava mais preocupado com Isidoro, já nem se lembrava dele. Quando um de seus capangas distraidamente tocava no assunto, era logo repreendido por não ter feito o serviço completo. Ele achava que deveriam tê-lo matado naquele dia.
— Foi um vacilo deixar aquele traste vivo! — reclamava Marcelo.
— Mas foi essa ordem que recebemos de seu pai — justificava-se um vaqueiro.
— Tudo bem. Ele vai ter o seu dia.
— Só é o chefinho mandar fazermos o serviço completo desta vez.
— Deixa como está, por enquanto — acalmava Marcelo, concluindo com um ditado popular: — “o boi sabe a cerca que fura”! E vamos beber!
Isidoro já caminhava dentro de casa, mesmo ainda sentindo algumas costelas doendo. Também não foi para a roça nesses dias. Apenas caminhava até a cozinha, depois voltava para deitar-se. Ainda se passaram alguns dias antes de recuperar-se totalmente.
Quando já estava quase recuperado de suas lesões, Idalina o surpreendeu no quintal dando golpes no ar com uma faca. Sem fazer-se notar, ela se voltou rapidamente e correu para o seu quarto, ajoelhando-se e chorando, ao mesmo tempo em que orava.
Naquele momento que o surpreendeu com uma faca, convenceu-se de que tudo estava perdido e que aquele homem estava possuído e nada iria fazê-lo mudar de opinião. Só Deus poderia salvá-los.
Ainda ajoelhada e com os cotovelos apoiados no colchão, ela pressentia que desta vez iriam matá-lo. Era sempre assim o fim de quem se metia com gente poderosa.
O seu desespero foi maior no dia em que Isidoro saiu com Severino para a feira de Itaíba. Ela sentiu naquele momento que não mais iria vê-lo com vida.
Na feira Isidoro não conseguia se concentrar no seu trabalho. Estava nervoso, com medo e inquieto. Assustava-se até com as pessoas que paravam na sua barraca. Severino também ficou preocupado. Nunca havia percebido seu pai daquele jeito. A sua preocupação aumentou quando na hora do almoço, na barraca de dona Mariquinha, Isidoro deixou o prato pela metade.
— Pai, o senhor não vai terminar? — quis saber Severino.
— Não. Já comi o bastante. Vamos voltar para a barraca que o vizinho também precisa almoçar.
Também sem terminar o seu almoço, Severino levantou-se e o acompanhou.
De volta ao trabalho não se passou muito tempo e Isidoro pediu para que Severino ficasse sozinho na barraca enquanto ele ia dar uma volta pela feira.
— Volto já. Vou só fazer a digestão. — E saiu, perdendo-se no meio das pessoas.
Severino coçou a cabeça e sentou-se no tamborete.
Caminhando no meio daquelas pessoas que se cruzavam, Isidoro sabia aonde queria chegar. Seguiu determinado para o seu objetivo.
Escapando daquele alvoroço da feira entrou numa bodega que ficava defronte ao bar que estava cheio de bêbados e vaqueiros. Foi do balcão dessa bodega que Isidoro avistou o filho do coronel Apolônio bebendo e gesticulando muito animado. Não se contendo de raiva, pediu uma cachaça e ficou daquele lugar a observá-lo. Enquanto estava naquele boteco tomando uma pinga, não tirava os olhos do bar em frente.
Na barraca Severino estava preocupado com a sua demora. Sentava-se, levantava-se, caminhava de um lado a outro, até chamar a curiosidade de seu vizinho.
— Está tudo bem, Severino?
— Tudo bem. — E para disfarçar sentou-se de novo.
Entretanto sua cabeça estava confusa, tanto era o seu medo de perder o pai. Tentando aparentar estar tudo bem, refletia: — “Acabou de levar uma surra, acho que não vai mais procurar sarna pra se coçar”.
Mesmo enquanto atendia uma freguesa, pensava:
— “Acho que ele foi só encher a cara”. — Com esses pensamentos sensatos se tranquilizava.
No bar do outro lado, defronte ao boteco onde Isidoro bebia a sua cachaça, Marcelo extravasava; vinha até a porta, cuspia na calçada, entrava novamente, bebia um copo de cerveja e sentava-se no balcão virado para a entrada do bar.
Do outro lado da rua, Isidoro tomava a sua pinga, sem se descuidar do bar do outro lado. Deste lado, muitas pessoas entravam no boteco, alguns saudavam Isidoro, e nem imaginavam o que se passava pela cabeça daquele homem que encostado ao balcão, tomava uma cachacinha.
Do outro lado, Marcelo bebia com os amigos, entretido com muita música, muita fumaça de cigarro, muita cerveja e muita cachaça.
Quando Isidoro saiu do boteco já era noite. Caminhou a passos curtos em direção a um poste que ficava mais adiante, (novamente iria fazer daquele lugar a sua tocaia) esconde-se por trás do poste e assegura-se de que não pode ser visto por quem estava no bar do outro lado. Dali fica observando a farra que acontecia lá. Olha para os lados, coloca a mão na cintura e sente que está com a faca, e volta novamente a olhar o bar, mas de repente ouve passos aproximando-se, e cada vez mais as pisadas eram mais nítidas e próximas. Ele desaba deslizando pelo poste e sentando-se fica esperando a cena daquele outro sábado repetir-se; mas nada acontece.
Eram dois soldados que passavam patrulhando as ruas.
— O senhor está um pouco bêbado. Quer que o levemos até a sua barraca?
— Não... estou bem. Apenas descansando.
Os soldados passaram e foram terminar a ronda.
Ainda assustado, Isidoro levanta-se e procura a faca na cintura. Encontrando-a, volta a olhar para o outro lado da rua. Agora o bar estava fervilhando e o som da radiola misturado à confusão de vozes transformava aquele ambiente numa Torre de Babel.
Isidoro não se conteve e cuspiu com desprezo na parede ao ver os dois soldados — que minutos antes haviam passado por ele — agora aos abraços com Marcelo na calçada do bar. O sangue lhe ferveu. Mas, como tinha um objetivo traçado e inadiável, conteve-se, sentou-se no meio-fio e esperou pacientemente que o bar se esvaziasse. Enquanto aguardava, fitando-os do outro lado ainda rindo e empolgados, decidiu tomar mais uma no boteco do lado de cá, para disfarçar a inquietação que o corroía por dentro.
A feira de Itaíba já havia terminado. Camionetes passavam carregadas e as carroças de burro desciam trepidando sobre o calçamento e os garis já limpavam a sujeira das ruas. A tarde já descambava para esconder-se na noite e Isidoro continuava naquele poste. De vez em quando ia até o boteco, tomava mais uma pinga e voltava para a sua tocaia.
Do outro lado o bar vigiado por ele estava mais calmo. Apenas um ou outro entrava, mas logo saía. Marcelo, agora mais calmo, ainda bebia com os vaqueiros de seu pai.
Os feirantes voltavam para as suas casas e as ruas ficavam desertas.
Neste momento Isidoro se deu conta de que a sua espera estava chegando ao fim. Olhou para o bar do lado de cá; ninguém entrando nem saindo, apenas a luz que vinha de dentro clareava a calçada. Agora a luz do poste estava acesa e até a sua réstia o denunciava. Não podia mais ficar ali, tinha que se esconder das pessoas que estavam no bar que ficava do outro lado. Decidiu entrar na bodega do lado de cá. Para disfarçar pediu uma pinga e olhando para o copo ficou pensando se Marcelo resolvesse vir tomar a saideira ali. Por precaução encostou-se a parede entre as duas portas da bodega. Algumas pessoas ainda bebiam no balcão.
Naquela tarde, enquanto Severino estava sozinho na barraca, pensamentos desordenados tomavam conta de sua cabeça. Não conseguia concentrar-se no trabalho e passava a fantasiar várias situações hipotéticas:
“Meu pai vai levar outra surra.” Sentava-se.
“Não, agora ele deve estar bêbado em algum boteco.” Levantava-se.
“Vai ser outra surra daquelas.” Sentava-se de novo.
“Mas por que não vem logo pra cá?” Levantava-se.
“Acho que vão é matá-lo.” Ficava de pé, inquieto.
“Não, deve estar bebendo com os amigos.” Sentava-se outra vez.
Estava nervoso e desorientado. Depois pendeu a cabeça sobre o peito e fechou os olhos. As pessoas chegavam para comprar, tentavam acordá-lo e nada. Severino não mais ouvia o barulho da feira.
— Severino, acorda! — gritava o vizinho ao lado.
— Tudo bem, tudo bem! — Severino despertava de seu transe e voltava-se para a cliente que queria comprar batatas.
Depois ficou olhando aquela gente que caminhava pela feira na esperança de ver seu pai chegando, mas depois de nova decepção, sentou-se novamente.
Nesta hora na qual Severino sofria pela ausência de seu pai, Isidoro estava escondido num poste observando o bar do outro lado da rua.
Naquele bar, cerveja e cachaça era por conta de Marcelo, que de vez em quando vinha até à porta para cuspir e jogar a bituca de cigarro no calçamento; a essa altura já sem camisa e com o revólver à mostra. Do outro lado, Isidoro acompanhava tudo.
Naquela bodega pertinho do poste onde Isidoro se encontrava, as pessoas bebiam e saíam pela calçada para algum lugar, mas não atravessavam a rua para o outro bar. Porém teve um bêbado que atravessou a rua direito para o outro bar e Isidoro o viu abraçando Marcelo e apontando para o lado de cá. O filho do coronel deu uma gargalhada, acompanhado por todos que lá estavam e empurrou dois de seus vaqueiros para o outro lado da rua. De seu lugar do outro lado da rua, Isidoro ouviu-o gritar da calçada:
— Se encontrarem esse puto, que não haja mais surra, apenas castre esse otário e tragam o seu saco para tira-gosto!
Minutos depois os vaqueiros voltaram decepcionados por não terem encontrado ninguém. Marcelo esbravejou um palavrão, chutou para fora do bar o bêbado caguete e retornando para o balcão foi terminar a sua bebida.
Um fazendeiro, que morava logo depois de suas terras, parou a caminhonete defronte ao bar. Desceu para tomar um conhaque e, ao avistar Marcelo, cumprimentou-o:
— Olá, Marcelo! Como vai a família?
— Vai bem graças a Deus — respondeu Marcelo sem levantar-se de sua mesa.
— Já estou indo. Não quer ir comigo? Um dos meninos leva o teu cavalo.
— Não, amigão. Vou tomar mais umas.
— Tudo bem. Lembranças ao coronel. — O fazendeiro entra na camionete, liga o motor e acenando em despedida vai embora.
A noite agora havia caído de vez sobre Itaíba. A iluminação dos postes era precária e poucos vultos eram vistos pelas calçadas. Isidoro continuava encostado à parede entre as portas da bodega. Já estava na terceira dose de cachaça.
Do outro lado, agora quem despachava no bar era a filha do dono, que dissera aos presentes que seu pai fora tomar banho e jantar. Marcelo não perdeu tempo e adentrou o balcão para namorar a menina. Ficaram aos beijos e abraços.
Nessa hora os vaqueiros percebendo que o patrão queria privacidade, foram saindo e quando o dono do bar retornou, a sua filha correu para dentro de casa, enquanto Marcelo sentava-se à sua mesa.
Enquanto isso os vaqueiros desciam de rua abaixo na maior algazarra e Isidoro saindo para a calçada viu-os quando dobraram a esquina e sumiram, deixando o patrão desprotegido. Nessa hora teve vontade de atravessar a rua e surpreender Marcelo dentro daquele bar; mas controlou-se.
— “Um dia esse safado sai dali. Ele não mora naquele bar.” — pensava Isidoro. — “Vou pegá-lo nem que seja na porteira de sua casa”. — Depois voltou para a bodega, botou o copo sobre o balcão, pagou as doses e voltou para a calçada.
Dali viu quando Marcelo escrevia num caderno sobre o balcão e saía para pegar o cavalo que estava na calçada. Ele montou e saiu de rua afora até parar na mercearia de esquina da Rua Santa Cruz. A mesma mercearia onde aos sábados Isidoro fazia as suas compras.
Chegando à mercearia, Marcelo apeou da montaria, entrou e pediu uma cerveja, tomando-a no balcão mesmo.
Na fazenda, dona Filomena deixava a cozinha e dirigia-se para o seu quarto quando uma rasga-mortalha passou sobrevoando as telhas do casarão com seu canto estridente. Dona Filomena arrepiou-se e olhando para as telhas de seu quarto, foi deitar-se. Minutos depois escuta de novo o canto agourento da rasga-mortalha.
No terreiro da fazenda os vaqueiros que deixaram Marcelo na cidade estavam deitados no chão, conversando.
De repente o coronel sai do casarão e desce até eles.
— Cadê o meu filho?
Os vaqueiros entreolharam-se, e com um sorriso amarelo, um deles respondeu:
— Ele ficou namorando a filha do dono do bar.
Apolônio cuspiu de lado, pigarreou e balançando a cabeça sorri para os vaqueiros com satisfação:
— Esse menino nunca vai mudar. —E subiu para o casarão.
Dona Filomena não conseguiu dormir até que o coronel foi deitar-se, mas meia hora depois foi acordada aos solavancos com a notícia fatídica.
As corujas não mais sobrevoavam a sua casa.
Enquanto Marcelo descia pela rua, Isidoro também descia, mas pela calçada, deixando-o sempre à sua frente. Antes de chegar à calçada da mercearia, encostou-se ao lado da janela de uma casa vizinha. Naquele lugar não havia poste de iluminação e Isidoro escondeu-se na penumbra esperando Marcelo deixar a mercearia.
Esperou pouco tempo, porque logo em seguida ele sai da mercearia e acendendo um cigarro vai até o seu cavalo. Quando vai pegando no pito da cela e antes de colocar o pé no estribo, mal teve tempo de ver aquele vulto saindo da penumbra e jogar-se com violência sobre o seu corpo. O primeiro golpe que recebeu foi no pescoço, e quando se virou, foi golpeado mortalmente no peito, jogando-o para trás, e em seguida — sem dar-lhe tempo de defender-se ou descobrir o que estava acontecendo — recebeu mais um golpe, desta vez no vão da clavícula esquerda, colocando-o de joelhos. Nesta hora ele tentou sacar o revólver da cintura, mas fora tão violento o golpe no vão da clavícula que a sua força se esvaiu. Neste momento percebeu que estava sendo esfaqueado e os golpes continuavam sem parar, até deixá-lo estirado na calçada sobre uma poça de sangue que escorria calçada abaixo. Já não estava sentindo mais nada, apenas a sua visão ficando nebulosa, obscura, até apagar-se por completo.
Na primeira facada, as pessoas que estavam na mercearia ouviram um estrondo, mas nem ligaram e continuaram bebendo. Só perceberam que algo estava acontecendo na calçada quando alguém foi cuspir e voltou assustado e gritando:
— Meu Deus! Ajudem! Tem um homem sangrando na calçada!
Quem estava no balcão precipitou-se para fora; apenas um bêbado que estava no canto não se mexeu. Engolindo a sua cachaça, profetizou:
— Eu sei o que está acontecendo.
O dono da mercearia o olhou e seguido de sua mulher também foram ver o que estava acontecendo na sua calçada.
No meio daquele tumulto, alguém gritou:
— Valha-me Deus! É o filho do coronel Apolônio!
— É o Marcelo! — outro gritou ao se afastar.
O corpo foi coberto com um lençol branco, trazido por algum vizinho da mercearia e um soldado ficou guarnecendo o local, enquanto outros dois saíam à caça do criminoso num fusca customizado da polícia.
Eles foram informados de que o assassino correra em direção à saída da cidade, mas quando a rua de calçamento se encontrava com o asfalto, havia duas direções: à esquerda para Arcoverde e a direita para Águas Belas. Isidoro morava deste lado.
Para este lado a viatura entrou por pura intuição.
Vamos voltar ao momento do crime.
Quando o braço de Isidoro, aquele que empunhava a faca, já não tinha mais força para golpear e furar aquele corpo, ele jogou a faca e saiu correndo pela rua que o levaria para casa. Entrou à direita e pelo acostamento saiu caminhando. Foi encontrado pela polícia ainda em estado de choque, com a roupa salpicada de sangue, andando pelo acostamento da estrada. Não reagiu à prisão.
— Eu não disse! Lá vai o assassino beirando a estrada.
O motorista da viatura acelerou e parou bruscamente na frente de Isidoro, que sem reagir à prisão, calmamente levantou os braços.
— Agora desce e vai lá — ordenou o motorista. — Se ele correr atira pra matar!
O soldado já desceu com a arma empunhada numa mão e as algemas na outra.
Enquanto isso o motorista lamentava-se:
— “A gente devia era matar esse cara agora. O coronel ia nos agradecer. Que besteira que eu fiz... Mas ainda há tempo”.
O seu colega ao trazer Isidoro algemado, não compartilhou com essa ideia e levaram o criminoso para Itaíba.
A polícia não encontrou a arma do crime com ele, a faca fora encontrada a poucos metros da vítima, jogada à beira da calçada.
Não se passara meia hora para que o carro da polícia retornasse — com as sirenes ligadas — passando pela cena do crime em alta velocidade em direção à delegacia.
Muitos curiosos saíram correndo atrás da viatura para ver a cara do criminoso.
A essa altura a cidade estava em polvorosa. Era gente saindo de todos os becos, correndo para o local do crime. As ruas do centro estavam novamente cheias de gente procurando detalhes daquela tragédia.
Na rua defronte à delegacia os curiosos se amontoavam para ver o assassino e envolverem-se com os mexericos. Naquele tumulto em que a cidade se envolvera, as pessoas subiam nos muros, nos postes e também ficavam encostadas aos carros querendo saber tudo daquele homicídio. Na delegacia muita gente entrava, demorava-se e depois saía. O autor daquele crime estava lá dentro jogado numa cela.
Na calçada da mercearia onde o corpo ainda estava sobre uma poça de sangue, os curiosos ao redor se lastimavam entre si:
— Vige Maria! Agora é que vai morrer gente em Itaíba. — O outro ao lado apenas concordava, afastando-se em seguida.
Na cidade de Itaíba existia apenas uma ambulância, mas ela quase sempre estava na oficina. Assim, quem precisasse de socorro tinha de recorrer a carros particulares, arcando com as despesas. Foi justamente o que aconteceu naquela ocasião.
O carro particular parou ao lado do morto, o corpo foi colocado no banco traseiro e seguiram para a Casa de Saúde. Pelo meio daquela multidão agitada se deslocava vagarosamente, subindo em direção à casa de saúde, o carro que conduzia o morto. Trafegava tão devagar que as pessoas caminhavam ao seu lado com as mãos sobre a carroceria, tentando olhar o falecido estirado no banco traseiro, apesar de coberto com um lençol. O carro subia pela Rua Santa Cruz, quase sendo empurrado pela turba transtornada.
Quando finalmente chegou à casa de saúde, um grande número de curiosos ali se encontrava para ver o cadáver. O carro para, as pessoas o cercam, o corpo não é retirado até que os dois policiais cheguem para acalmar os ânimos dos curiosos. Quando eles chegam, a maca é levada por um enfermeiro e desaparece no corredor do hospital. No terreiro as pessoas conversam e vão formando grupos que fofocam entre eles sobre o ocorrido.
De repente um carro aponta na esquina entrando em direção à casa de saúde em alta velocidade, freando bruscamente defronte à rampa da entrada principal, seguido por outro cheio de vaqueiros.
As pessoas se espalham e correm para cima do carro tentando descobrir quem são os seus ocupantes. Só depois da chegada dos dois policiais é que a porta do carro é aberta e os seus passageiros descem. Primeiro uma senhora vestida de preto, com um xale da mesma cor sobre o rosto desce e amparada por um senhor aparentemente cheio, entra na Casa de Saúde.
No terreiro algumas pessoas cochichavam:
— Os pais do menino. Agora o bicho vai pegar.
— Esse aí nunca mais vai mexer com a filha de ninguém.
Horas depois, quando as ruas voltavam ao normal, uma camionete chega ao hospital com um caixão na carroceria para levar o defunto até a sua casa na fazenda.
Na delegacia já não havia agitação e a luz da recepção estava apagada. Isidoro continuava sentado dentro de uma cela escura, úmida e com cheiro de urina. Estava sozinho naquela cela. Lá na frente um policial cochilava com as pernas sobre a mesa do delegado.
Antes de todo esse rebuliço, Severino já havia desmontado a barraca, guardado as partes dela no beco do urubu e já estava com o jumento carregado com as mercadorias que sobraram da feira. De repente ele vê as pessoas correndo de rua abaixo, em direção à saída da cidade, pela Rua Santa Cruz.
Olha para um lado, para o outro, e naquela confusão toda segura um senhor que vai passando quase correndo, e pergunta-lhe:
— Ei, o que está acontecendo?
— Mataram alguém lá embaixo!
O homem desce apressado na direção das pessoas que também descem quase correndo para o local onde houve um assassinato.
Severino fica desorientado e seus pensamentos recaem sobre o seu pai.
— "Será que mataram meu pai”? — Porém a dúvida é esclarecida quando alguém se aproxima dele e o adverte:
— Severino, pega o beco! Teu pai matou um cara!
Ele se apavora com a notícia, mas ao mesmo tempo se sente aliviado ao saber que não fora seu pai a vítima. Mesmo assim o seu coração dispara, fica sem fôlego, e a única coisa que lhe vem à cabeça neste momento é sumir daquele lugar. Sem pestanejar, dá um tapa na traseira do jumento, fazendo-o descer para o beco do urubu e sai correndo pela praça, dobrando a esquina da igreja e subindo a Rua Nova para alcançar o asfalto do outro lado do morro.
Cansado, ofegante, caminha cabisbaixo pelo acostamento da estrada que o levará até a sua casinha de taipa perto de Águas Belas. Caminhou na frente de seu pai, sem jamais supor que ele também caminhava naquela estrada para casa.
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