Caleb e Christian estavam consumidos pelo luto. A perda de Catarine, brutalmente consumida pelo fogo, e de Derik, arrancado da vida antes de ter a chance de viver, deixou uma marca irremediável em ambos. Christian, normalmente forte e sereno, encontrava-se preso em um estado de profundo remorso e autodepreciação. Revivia, noite após noite, os gritos de Catarine e as lágrimas que se misturaram ao calor das chamas, sua impotência deixando um vazio agonizante. Caleb, por sua vez, absorvia o silêncio. Sua voz infantil, outrora cheia de curiosidade, era agora uma sombra. A dor, sem dúvida, havia transformado a criança, preenchendo o lugar da inocência com um trauma profundo e silencioso. Christian tentou falar, estender-lhe conforto, mas suas palavras soavam vazias até para ele. “Filho,” dizia em voz baixa, sua mão pousando sobre o ombro do garoto. “Estamos juntos nisso. Não vamos esquecê-los, mas precisamos sobreviver.” No entanto, Caleb não respondia; as lembranças eram a única companhia que ele aceitava.
As noites eram intermináveis para Christian e Caleb, e os portos por onde passavam pareciam apenas variações de um mesmo cenário de melancolia e perda. Cada ancoradouro, com suas águas agitadas e construções de madeira envelhecida, era apenas um lembrete do desespero que pairava sobre ambos. Christian, absorto em seu sofrimento, não conseguia mais encontrar a energia para manter-se firme. Quando fechava os olhos, as cenas de Catarine sendo consumida pelo fogo retornavam vívidas e inescapáveis, como um castigo eterno. As imagens assombravam sua mente como fantasmas insaciáveis, e ele, impotente, mergulhava cada vez mais em uma depressão que roubava qualquer esperança. Caleb, caminhando ao seu lado com passos lentos e olhar perdido, estava distante. O menino, que antes vibrava com qualquer pequena novidade, agora parecia um reflexo do sofrimento do pai, apenas mais silencioso, mais frágil. Caleb encarava o vazio, os olhos sem brilho fixos em algum ponto que Christian jamais alcançaria. Quando Christian tentava romper aquele silêncio, os únicos sons que ouvia eram o vento ou o suave bater das ondas no casco do navio ou nas margens dos portos. Caleb permanecia mudo, cada pergunta sendo respondida apenas com aquele olhar opaco. Eles seguiram para o norte, deixando a Pomerânia para trás como um espectro de dor que nunca se dissipava, e, mesmo com a distância, Christian sentia como se jamais pudesse escapar daquele luto.
Demétrio viajava para o sul, mas o horizonte à sua frente não trazia esperança ou conforto. O convés do navio tornara-se um palco silencioso para o luto e a raiva que o consumiam, enquanto as ondas batiam contra a madeira desgastada, ecoando a tormenta que o habitava. Os ventos gélidos do mar não eram páreos para o ódio que crescia em seu peito, ardendo cada vez mais intensamente a cada lembrança daquela noite fatídica. Sua alcateia, seus irmãos de séculos, foram arrancados dele por uma brutalidade que Demétrio jamais perdoaria. Aqueles lobos eram sua família, sua vida, seu lar, e agora tudo estava perdido. A sensação de vazio era sufocante, mas ainda mais avassalador era o desejo de vingança. Ele se segurava nas bordas do navio, seus dedos crispando contra a madeira como se pudesse canalizar toda a sua fúria ali. A ideia de poupar humanos, de tratá-los com o menor vestígio de misericórdia, era agora absurda para ele. Com um juramento frio, Demétrio prometeu que eliminaria qualquer humano que ousasse cruzar seu caminho. Em sua mente, as lembranças de sorrisos e olhares de seus companheiros eram substituídas por uma só imagem: o extermínio daqueles que destruíram tudo o que ele amava. Assim, enquanto o navio cortava as águas do sul, Demétrio se preparava para um novo destino, mas carregando consigo um único propósito sombrio: a vingança implacável.
Caspian vagava rumo ao leste, mas, a cada passo, era assombrado pelas lembranças da noite em que tudo se perdeu. As sombras da floresta, onde buscava refúgio, pareciam ecoar o grito daqueles que se foram, e ele sentia, a cada suspiro, o peso de um mundo destroçado. Ele evitava qualquer traço de civilização, temendo encontrar um rosto humano que despertasse o desprezo e a dor que havia prometido não alimentar. Em vez disso, adentrava as florestas mais densas, onde a solitude lhe permitia confrontar as lembranças sem interrupções. Em clareiras escondidas, sentava-se em meditação, sentindo a energia silenciosa da natureza ao seu redor e tentando encontrar nela uma nova razão para seguir em frente. Tentava, em meio ao silêncio das árvores, entender quem era agora, sem a alcateia, sem os laços que um dia lhe deram um sentido de pertencimento e família. Mas cada momento de paz era frágil, quebrado pela saudade, e o vazio o arrastava novamente para as memórias dolorosas. Caspian se isolava, mas, nesse isolamento, buscava um propósito que ainda não compreendia, uma verdade que o mantivesse ancorado em meio à dor que o consumia lentamente.
Para Caspian, Demétrio e Christian, a solidão era mais do que um companheiro constante; era um peso esmagador, que se intensificava pela ideia de serem os únicos remanescentes de um lar que havia sido destruído. Cada um seguia seu caminho, acreditando ser o último sobrevivente daquela fatídica noite. Caspian, isolado nas profundezas das florestas do leste, buscava algum sentido em meio às sombras, convencido de que era o último a carregar as memórias de sua alcateia. Ele meditava nas clareiras silenciosas, imerso em luto, tentando encontrar nas forças da natureza a resposta para uma perda que parecia insuportável. Demétrio, enquanto seu navio avançava para o sul, afundava cada vez mais em um ódio que ardia sem trégua. Para ele, não havia mais família, nem propósito, além da vingança. Ele acreditava que todos tinham sido cruelmente exterminados, e a dor o consumia tanto quanto o desejo de justiça. Christian, no entanto, não se dava ao luxo de focar em si mesmo. Ele seguia para o norte com o pequeno Caleb, protegendo-o com uma determinação que beirava a obsessão, mas carregava nos olhos um vazio esmagador. Toda tentativa de falar com Caleb era recebida com silêncio, e ele sabia que, para o filho, aquelas perdas eram incompreensíveis. Os dois eram apenas sombras do que tinham sido, acreditando que o mundo inteiro que conheciam havia sido queimado junto com sua família.
Cada um deles, separado e consumido por sua própria dor, caminhava como um fantasma, acreditando estar só. Não havia esperança de reencontro, nem vestígio de que outros sobreviveram. Para eles, o massacre havia deixado apenas cinzas – e eles eram as últimas brasas dessa história brutal. Quando Christian e Caleb finalmente chegaram a Copenhague, a cidade parecia distante e fria, indiferente à dor que traziam consigo. As ruas pavimentadas e as construções antigas e imponentes não ofereciam a eles nada além de abrigo físico. A cada noite que passava, Christian era consumido por pesadelos incessantes, imagens vívidas do massacre que haviam deixado para trás. Ele revivia em detalhes os gritos, o cheiro de fumaça, o calor insuportável das chamas. Em seus sonhos, a figura de Catarine era engolida pelo fogo repetidas vezes, enquanto Derik, frágil e inocente, era arrancado de seu alcance. Ele acordava em um sobressalto, a respiração acelerada, como se ainda estivesse tentando alcançá-los através da fumaça.
Durante o dia, Christian tentava se manter firme por Caleb, mas, ao olhar para o filho, via refletido o mesmo vazio que sentia. Caleb mantinha-se em um silêncio profundo, seus olhos perdidos e opacos, como se o mundo ao redor não passasse de uma ilusão. Nas noites em que Caleb parecia dormir, Christian sentava-se ao lado dele e, com a voz suave, tentava romper aquele abismo que os separava. "Tudo vai ficar bem, filho," murmurava, segurando-lhe a pequena mão. "A gente... a gente vai conseguir recomeçar. Ainda temos um ao outro, não temos?" Mas, em seu coração, essas palavras soavam ocas, vazias. Christian sentia o peso da mentira em cada palavra de consolo que dizia. Como ele poderia prometer que tudo ficaria bem, quando o luto o corroía de dentro para fora? Ele tentava sorrir para Caleb, segurava-o junto de si, mas, no fundo, sentia que cada gesto era apenas uma máscara para encobrir a desesperança que crescia dentro dele. Ele queria acreditar na promessa que fazia, mas cada pesadelo, cada rua desconhecida que atravessavam em Copenhague, lembrava-o de que o futuro que lhes restava era tão incerto quanto a própria noite. Demétrio seguia para o sul com uma única certeza: o ódio que alimentava seu espírito. Em Hamburgo, ele quase não parou; o lugar, tomado por humanos, era para ele um território desprezível. Cada passo que dava por ali era marcado pela sombra de seu luto e pela fome de vingança. Os humanos agora significavam apenas duas coisas para Demétrio: comida e punição. Ele deixava um rastro de corpos, destroçados com a mesma frieza e brutalidade que haviam tomado sua família, e em seu olhar ardia a promessa de que nenhum humano ficaria impune.
Mas foi em Rostock que Demétrio encontrou uma resistência inesperada. Durante uma das caçadas noturnas, ele cruzou com vampiros do clã de Eternité. O ódio tomou conta dele antes que pudesse pensar, uma tempestade de fúria que o fez atacar sem hesitação. Desferiu golpes violentos, desarmando seus adversários e despedaçando-os com uma voracidade implacável. Porém, em meio ao caos, um dos vampiros conseguiu escapar, fugindo para avisar ao líder do clã o que havia ocorrido. Eros recebeu a notícia com um misto de surpresa e satisfação sombria: finalmente, o paradeiro de Demétrio lhe fora revelado. E, em seu íntimo, o clã Eternité sabia que essa batalha estava longe de ser um simples acerto de contas. Para Eros, reencontrar Demétrio significava mais do que resolver um confronto; significava reconstruir laços perdidos em meio à destruição. A mensagem, porém, também era um aviso: Demétrio retornava não apenas como sobrevivente, mas como uma força devastadora, alimentada por um ódio que poderia consumir tudo à sua volta.
O reencontro entre Demétrio e Eros aconteceu em uma clareira escura e silenciosa, cercada por sombras que pareciam sussurrar as dores de ambos. Demétrio, com os punhos cerrados e o olhar carregado de rancor, avançou contra Eros, que o encarava com uma expressão de surpresa e pesar. Os olhos de Demétrio estavam inflamados de dor e raiva, e ele não tentou conter o grito que irrompeu de sua garganta. “Eu fui até o seu castelo, seu desgraçado! Você não estava lá! No momento em que eu mais precisei de você, você simplesmente não estava!” O eco de sua voz cortou o silêncio da noite, ressoando com a angústia de alguém que havia perdido tudo. Eros, mantendo a calma, deu um passo em direção a ele, mas viu Demétrio recuar com desconfiança. “Demi, eu não fugi ou me escondi nas trevas,” respondeu, sua voz grave, carregada de uma sinceridade que não se via em sua espécie há muito tempo. “Eu estava em viagem, visitando meus irmãos! Como eu poderia prever que aqueles humanos desgraçados iriam machucar você? Que eles iriam destruir tudo?” A frustração em seu tom era palpável, mas Demétrio apenas riu com amargura. “Afaste-se de mim, Eros,” rosnou Demétrio, com o peito subindo e descendo em uma respiração pesada. “Eu não acredito em uma única palavra que você fala.” O ódio nos olhos de Demétrio era profundo, uma fenda que nenhum pedido de desculpas poderia reparar. “Demi, por favor,” implorou Eros, com um tom quase desesperado. “Acredite em mim, eu jamais faria isso com você. Não fui eu quem traiu você! Mesmo com a rivalidade das nossas espécies e dos nossos clãs, você ainda é…” Demétrio interrompeu com uma voz cortante. “Eu sou o quê?” O desafio em suas palavras era um grito por algo que ele mesmo não conseguia nomear. Eros hesitou, buscando palavras que pudessem alcançar seu amigo ferido. “Você ainda é importante para mim, Demi. Mais do que você pensa.” Demétrio o encarou, a raiva misturando-se a uma dor que parecia insuportável. “Não diga palavras vazias para mim.” O desprezo em sua voz era um golpe que Eros sentiu como uma lâmina.
“Não me culpe pelo que aconteceu, Demétrio,” disse Eros, dando um último passo para diminuir a distância entre eles. “Foram os humanos que tiraram tudo de você, não eu!” Sua voz agora era firme, uma mistura de súplica e força, enquanto ele tentava furar o muro de dor e rancor que Demétrio ergueu ao redor de si. Demétrio manteve o olhar fixo em Eros, seu peito ainda ardendo com a dor da traição. Mas, por trás de todo o ódio, uma parte de si queria acreditar. Mesmo que a perda fosse irremediável, uma chama de esperança ainda insistia em que o vínculo entre eles pudesse sobreviver ao massacre e ao luto.
Caspian viajava para o leste, atravessando cidades como Danzigue e Cracóvia, mas, diferente de Demétrio, ele não buscava vingança. Em cada parada, refugiava-se nas florestas e montes isolados, onde podia se entregar ao silêncio e aos espíritos da natureza. A perda de sua alcateia pesava sobre seus ombros como um manto de dor, e, para lidar com o luto, ele se voltou para as práticas espirituais, buscando equilíbrio em um mundo que havia se tornado irreconhecível. Passava horas em meditação, sentado entre as raízes das árvores antigas, sentindo a terra fria sob ele e a brisa suave que acariciava seu rosto. A cada respiração profunda, Caspian tentava liberar o luto e apaziguar o ódio que por vezes insistia em invadir seu coração, lembrando-lhe do massacre que levara sua família. Mas o luto era um peso constante, uma dor que parecia impossível de curar.
Ele aprimorava suas habilidades espirituais, conectando-se com as forças da natureza e buscando sinais daqueles que partiram. Às vezes, sentia como se os ecos de seus companheiros estivessem presentes ao seu lado, sussurrando através das folhas que balançavam ao vento ou nos murmúrios distantes dos riachos. Nessas horas, o ódio se transformava em saudade, e ele encontrava um pouco de redenção, ainda que breve. Por mais que se dedicasse a buscar paz, Caspian sabia que sua jornada era marcada pelo luto, um ciclo que parecia nunca se completar. Ainda assim, ele permanecia firme, determinado a encontrar redenção e um novo propósito, mesmo quando o peso da perda o empurrava para a escuridão. Os meses se arrastaram como sombras, e a jornada de Christian e Caleb os levou por várias cidades até chegarem a Oslo. A cada parada, Christian lutava para manter as aparências, tentando ser um farol de esperança para Caleb, mesmo quando seu próprio coração estava repleto de escuridão. A paisagem norueguesa era ao mesmo tempo majestosa e solene, com montanhas imponentes e fiordes profundos. Contudo, para Christian, a beleza do lugar era um lembrete constante do que havia perdido. Enquanto caminhavam pelas ruas frias de Oslo, ele observava as famílias reunidas, crianças brincando sob a luz do sol, e sua própria solidão se tornava ainda mais aguda.
Caleb, agora com um olhar distante e um silêncio profundo, ainda se escondia em seu casulo emocional. Christian tentava puxar conversas, fazer planos para explorar a cidade e encontrar pequenos prazeres, mas cada tentativa era recebida com um silêncio ensurdecedor. Quando Caleb olhava para o horizonte, parecia buscar algo que não poderia ser encontrado, como se esperasse que suas memórias se materializassem na brisa do norte. A noite era um momento particularmente difícil para ambos. Christian se sentava ao lado de Caleb, à luz suave de uma vela, e falava sobre os lugares que desejava visitar e as coisas que poderiam fazer juntos. "Olha, filho," dizia, tentando infundir sua voz com otimismo. "Aqui, as noites são longas e cheias de estrelas. Podemos fazer uma fogueira e contar histórias, como fazíamos antes." Mas as palavras se dissipavam no ar frio, sem encontrar eco no coração do menino.
Com o passar dos meses, Christian percebeu que o luto de Caleb precisava ser tratado com mais delicadeza. Ele começou a dedicar momentos ao silêncio, permitindo que o filho se expressasse de sua própria maneira. Às vezes, eram longas caminhadas pelas florestas que cercavam a cidade, onde o som dos pássaros e o sussurro das folhas ofereciam uma paz que ambos ansiavam. Ali, longe da dor das memórias, eles encontraram um espaço para começar a curar, ainda que lentamente. Enquanto isso, Demétrio chegava à Boêmia, a raiva e a dor ainda fervilhando dentro dele. No entanto, sua chegada não passou despercebida por Eros, que sempre o seguia com um olhar preocupado. A relação deles, marcada por amor e dor, estava prestes a ser testada ainda mais. Eros buscava a reconexão com Demétrio, desejando acalmar o espírito atormentado de seu amado. Ele sabia que a fúria que dominava Demétrio não era apenas uma reação ao luto, mas também uma defesa contra a vulnerabilidade que sentia. "Demétrio," dizia Eros, enquanto caminhavam pelas ruelas antigas de Praga, "não podemos permitir que isso nos consuma. Precisamos nos encontrar novamente, como éramos antes."
Demétrio, no entanto, se mantinha distante, suas emoções se misturando com o desejo de vingança. "Como posso esquecer?" ele respondia, a voz baixa, mas firme. "A dor é tudo o que me resta agora." Eros, determinado a não desistir, se aproximava mais, envolvendo o braço de Demétrio em um gesto de apoio. "A dor pode nos unir, mas também pode nos separar. Não permita que ela destrua o que temos." Com o tempo, Demétrio começou a perceber que Eros não estava ali apenas para lembrá-lo de sua dor, mas para ajudá-lo a encontrar um novo propósito. As conversas deles se tornaram mais profundas, explorando não apenas o passado, mas também o futuro que poderiam construir juntos, mesmo em meio à tempestade que se formava dentro dele. Enquanto Christian e Caleb buscavam a cura em Oslo e Demétrio lutava com suas emoções na Boêmia, Caspian se isolava nas florestas da Lituânia. A natureza tornara-se sua aliada, e ele se permitia aprender com os lobos que vagavam pelaquelas terras. Caspian encontrou conforto na solidão, longe das memórias dolorosas que o assombravam.
Nas clareiras silenciosas, ele começou a meditar, buscando uma conexão espiritual com os lobos. Com o tempo, ele aprendeu a observar seus hábitos, a respeitar suas formas de comunicação e a entender suas energias. Em um momento de epifania, ele sentiu como se a presença dos lobos o envolvesse, e, pela primeira vez em meses, uma sensação de paz o invadiu. Caspian se esforçava para se comunicar com eles, e logo aprendeu a ouvir as mensagens que a natureza transmitia. Ele se tornou parte do ciclo de vida da floresta, sentindo que, mesmo sem sua alcateia, ele ainda era parte de algo maior. As noites eram passadas sob o céu estrelado, onde as constelações contavam histórias antigas, e os uivos dos lobos se tornaram uma canção que o acompanhava em seus momentos de reflexão. Embora estivesse fisicamente isolado, Caspian começou a perceber que não estava realmente sozinho. As lições que aprendia com os lobos o ajudavam a lidar com a dor da perda, e cada passo na floresta se tornava um passo em direção à aceitação. Ele sabia que a conexão espiritual que estava formando não substituía sua alcateia, mas era uma nova maneira de honrar suas memórias enquanto buscava por seu próprio caminho. Assim, cada um deles, em suas respectivas jornadas, buscava formas de enfrentar a dor que os consumia, aprendendo lentamente que, mesmo na solidão, havia espaço para o crescimento e a renovação.
Os anos passaram como folhas levadas pelo vento, e Christian e Caleb continuaram sua jornada por cidades da Suécia. Chegaram a Estocolmo, onde o sol iluminava os canais e as ruas de paralelepípedos, mas a beleza da cidade não conseguia penetrar a névoa que envolvia seus corações. Cada lugar que visitavam era um novo cenário, mas a tristeza permanecia como uma sombra constante. As interações humanas eram mínimas. Christian tentava conversar com os locais, mas a barreira do luto tornava qualquer tentativa de conexão superficial e breve. Caleb, por sua vez, mantinha-se em silêncio, com o olhar distante e absorto em pensamentos. As noites eram os momentos mais difíceis. Christian se sentava ao lado de Caleb, em quartos de albergues que pareciam vazios apesar da mobília. "Lembra-se do que costumávamos fazer? Explorar os mercados, experimentar comidas diferentes?" ele tentava, mas Caleb apenas olhava para a janela, onde as luzes da cidade refletiam em seus olhos negros, que pareciam opacos e perdidos.
A dor que ambos carregavam tornava cada interação um eco do que haviam perdido. Christian passava a maior parte do tempo observando o filho, desejando poder aliviar sua carga, mas sentindo-se impotente. Ele sabia que o luto de Caleb não se curaria com viagens ou distrações; precisava ser enfrentado, mas não sabia como. Assim, eles continuavam, buscando a sensação de pertencimento e alívio em lugares onde suas almas ainda estavam paradas. A distância física não fazia diferença; cada cidade se tornava um símbolo da jornada interminável que ambos enfrentavam, marcando o tempo que passava, mas sem trazer cura. Enquanto isso, Demétrio e Eros vagavam pela Itália, passando por cidades como Veneza, onde os canais refletiam a beleza efêmera da vida. Demétrio, ainda consumido por sua dor e raiva, deixava uma onda de destruição por onde passava. As brigas em tavernas, as discussões acaloradas e a fúria que despertava em locais onde se hospedavam tornaram-se uma rotina. Eros, por outro lado, observava seu amante com uma mistura de amor e preocupação. Ele não se importava com as vidas humanas que Demétrio afetava, mas a destruição em seu coração o incomodava. "Demétrio," ele dizia, sua voz suave mas distante, "a raiva não vai te levar a lugar algum. Estamos aqui para nos encontrar novamente, não para nos perdermos mais."
Demétrio olhava para Eros com uma expressão que misturava gratidão e frustração. "Eu não sei como fazer isso. Cada vez que fecho os olhos, vejo o que perdi." As palavras eram acompanhadas por um olhar sombrio, como se cada lembrança fosse uma lâmina afiada. Eros se aproximava, tocando seu braço, mas sempre mantendo uma distância emocional que nunca desaparecia completamente. "Eu estou aqui, Demétrio. Mesmo quando você não vê." Nas noites em Veneza, enquanto as gôndolas passavam, Demétrio lutava para encontrar uma maneira de canalizar sua dor, mesmo que isso significasse ser destrutivo. Eros, com seu jeito distante e narcisista, permanecia ao seu lado, uma constante em meio à tempestade. A cada cidade, eles se tornavam mais intrincados em suas danças emocionais, ambos buscando uma reconexão que parecia cada vez mais distante. Caspian, por sua vez, se aventurava nas florestas e cidades da Rússia, incluindo Novgorod. A solidão que antes o aprisionava agora se transformava em uma oportunidade de autodescoberta. Ele dedicava seu tempo ao desenvolvimento de seu dom espiritual, guiando lobos brancos em suas jornadas pela natureza. Cada lobo que encontrava parecia ser uma extensão de sua nova alma, e cada conexão com eles o ajudava a curar suas feridas internas.
As noites eram passadas sob as estrelas, onde ele conversava com os lobos como se fossem amigos íntimos. "Vamos, amigos," dizia ele enquanto caminhava ao lado deles, sentindo a energia pura que emanava de suas presenças. Caspian começou a perceber que aqueles animais não eram apenas criaturas da floresta, mas representações de sua própria busca por liberdade e cura. Com o passar do tempo, ele começou a se sentir mais conectado ao mundo ao seu redor, como se os lobos lhe ensinassem lições sobre resiliência e força. Os uivos à noite tornaram-se uma canção de esperança, ecoando em seu coração enquanto ele continuava sua jornada de autodescoberta. Embora seus caminhos estivessem distantes, cada um deles buscava formas de lidar com suas dores, mostrando que mesmo em meio à escuridão, havia sempre uma possibilidade de luz, se eles apenas estivessem dispostos a buscá-la. A conexão com a natureza, com os outros e consigo mesmos se tornava a chave para a cura que tanto almejavam.
O ano de 1347 havia se cravado como uma ferida viva na memória de Christian Sastre. Foi nesse ano fatídico que tudo lhe foi tirado: as chamas devoraram sua esposa, e seu filho recém-nascido, Derik, foi brutalmente esquartejado diante de uma praça repleta de espectadores. Aquela data maldita o perseguiria para sempre. Quase um século havia se passado desde a tragédia, mas as imagens do horror ainda o atormentavam, transformando cada noite em uma batalha torturante. Em um modesto albergue na Inglaterra, Christian acordava em suor frio, respirando com dificuldade. Ao seu lado, dormia Caleb, seu filho sobrevivente, pequeno e inocente, uma presença que lhe trazia um consolo tênue em meio à dor. Levantando-se cuidadosamente para não acordá-lo, Christian caminhou até o cômodo privado onde uma bacia com água fresca o aguardava. Ao retirar as roupas, expôs o corpo marcado pelas cicatrizes da prata, ainda em processo de cicatrização, e com dores persistentes que o acompanhavam como um fardo invisível. A água fria aliviou o calor de sua pele e trouxe uma calma momentânea enquanto limpava a cicatriz que cruzava seu peito, um ferimento profundo que nunca parecia se curar completamente, como se fosse um lembrete constante de sua perda. Com os olhos fechados e a água escorrendo por seu corpo, Christian segurou a borda da bacia, a pressão de sua dor quase insuportável. Sabia que, por mais que tentasse fugir, o passado o mantinha preso. A tristeza se tornara uma presença viva, uma sombra que o acompanhava dia após dia. Naquele albergue frio e desconhecido, ele se permitiu fraquejar.
Ao terminar de lavar o rosto, Christian pegou o colar que sempre carregava sob as roupas: um pingente de chave delicado e antigo, feito por ele mesmo, que abria o baú de Catarine. Aquela chave era a única lembrança que lhe restava da mulher amada, o único laço físico que o conectava ao seu passado. O peso de sua perda o assolava como um vendaval, e ao segurá-la com força, sentiu o metal cravar-se em sua pele, enquanto lágrimas brotavam de seus olhos e escorriam por seu rosto marcado pelo sofrimento. Os soluços vieram, abafados pela palma da mão que pressionava contra a boca para não acordar Caleb. Cada lágrima era um reflexo de sua dor, um grito silencioso pelo vazio deixado por Catarine e pelo filho que nunca conhecera. A chave pulsava em sua mão, como se o lembrasse do calor de Catarine e da vida que nunca poderia recuperar. Christian apertou o pingente com mais força, buscando, na escuridão e no frio, uma réstia de esperança. Mas a dor era profunda demais, uma ferida impossível de cicatrizar.
Desde aquele dia horrendo, a vida de Christian e Caleb tornara-se uma constante fuga. Em cem anos, haviam saltado de cidade em cidade, como folhas levadas pelo vento, tentando escapar de um pesadelo sem fim. Cada novo lugar tornava-se uma prisão temporária, uma sombra onde podiam se esconder, mas nunca se sentiam seguros. O medo os acompanhava, sempre lembrando que, a qualquer momento, poderiam ser encontrados. Christian estava ferido, não apenas fisicamente, mas em cada fibra de seu ser. A dor da perda de Catarine era uma companheira constante, um ferimento que nunca parava de sangrar. Ele se sentia preso em uma rede de impotência, a lembrança de sua amada queimando na fogueira ecoando em sua mente, um eco incessante que o atormentava durante a noite. O tempo, em vez de curar, apenas intensificava sua angústia, transformando cada dia em uma luta para não se afogar na dor.
Conforme se mudavam, a conexão com os humanos desaparecia lentamente. Christian não podia mais se permitir confiar em ninguém. Cada rosto que encontravam era um potencial traidor, um risco que não estava disposto a correr. Ele via Caleb, tão pequeno e inocente, perdendo a capacidade de formar laços, de se conectar com outras crianças. O garoto passava os dias em silêncio, sempre próximo ao pai, como se temesse que qualquer separação pudesse ser a última. A culpa consumia Christian; ele sentia que falhava com seu filho, que deveria ser seu único objetivo, sua razão para lutar. Queria que Caleb tivesse um lar, uma vida normal, mas cada vez que olhava para o menino, lembrava-se de que o lar que conhecera havia sido consumido pelo fogo, e tudo o que restava eram cinzas e memórias. A dor da perda era tão intensa que se perguntava se algum dia conseguiria se libertar dela, se conseguiria olhar para Caleb e não ver o reflexo do que haviam perdido. Ele se forçava a seguir em frente, a ser forte por seu filho, mas a cada cidade que deixavam, a cada noite sem dormir, sentia-se mais perdido. A liberdade que buscavam tornava-se uma prisão de solidão, e a esperança, um fio tão tênue que mal podia ser percebido. Assim continuaram, cada passo um lembrete do que perderam, cada cidade um novo lar temporário onde a dor e a saudade eram as únicas constantes.
Caleb, desde o dia em que testemunhara o horror que lhe roubou a mãe e o irmão, mal pronunciava mais do que duas palavras. As imagens queimavam em sua mente; o desespero e a violência de sua perda o transformaram em uma sombra de si mesmo. Ele mal conseguia se afastar do pai por mais de alguns minutos sem ser dominado por uma crise de pânico, como se o mundo ao seu redor pudesse desmoronar a qualquer instante. Quando Christian não estava por perto, o garoto hiperventilava, com o peito apertado e as mãos trêmulas, o medo arrepiando cada nervo. Caleb não confiava em ninguém. Todo humano que passava era uma ameaça, um perigo iminente, alguém capaz de feri-lo ou, pior, de ferir seu pai. Para ele, o mundo era um lugar hostil, repleto de olhares suspeitos e perigos invisíveis que espreitavam nas sombras. Enquanto Christian chorava em silêncio e terminava seu banho, a voz trêmula e fraca de Caleb o fez parar. "Papai? Papai?" A voz quebrada e chorosa penetrava o peito de Christian como uma lança. Apressando-se até o quarto, encontrou Caleb encolhido em um canto, os joelhos junto ao peito, os olhos arregalados e perdidos como um animal encurralado. Ao vê-lo, o menino soltou um soluço e, num impulso quase desesperado, lançou-se nos braços do pai, segurando-o com toda a força que tinha, como se temesse que Christian pudesse desaparecer. Christian envolveu o filho em um abraço apertado, sentindo o tremor no pequeno corpo de Caleb. Acariciou-lhe o cabelo, sussurrando palavras de conforto, tentando ser o porto seguro que seu filho precisava. Ele sabia que, desde aquele dia horrendo, Caleb carregava um medo profundo e instintivo, uma marca deixada pela crueldade que lhes fora imposta.
No silêncio tenso e dolorido, Christian percebeu que, por mais que tentasse ser forte, era Caleb quem o mantinha de pé. A dor que consumia ambos não desaparecia com o tempo; ela apenas se moldava à rotina sombria e solitária que haviam adotado. Cidade após cidade, nunca permaneciam mais do que dois ou três dias no mesmo lugar. A cada nova parada, a vigilância de Christian aumentava, e a tensão estampada em seu rosto refletia a batalha silenciosa que enfrentavam. E enquanto as sombras do passado continuavam a assombrá-los, a esperança parecia se afastar cada vez mais, como um farol perdido em meio à tempestade. A vida que haviam escolhido, marcada pela incerteza e pela dor, exigia dele um nível de vigilância constante que o esgotava, mas ele não podia se permitir relaxar. Cada novo lugar trazia novas ameaças, e ele não tinha a luxúria de baixar a guarda. Ele sabia que Caleb precisava dele, mas o menino também sentia o peso da culpa que pairava sobre o pai.
Christian se lembrava dos tempos em que poderia se preocupar apenas com o bem-estar de sua família, quando o amor por Catarine era a única força que o movia. Agora, esse amor se transformara em um lamento, e a dor de suas perdas o aprisionava em um ciclo interminável de arrependimento e angústia. A cada cidade que deixavam, as cicatrizes emocionais se aprofundavam, tornando-se parte indissociável de quem eles eram. Era como se a vida estivesse tentando moldá-los em algo que eles não desejavam ser: sombras de si mesmos, sempre fugindo, sempre feridos. Naquela noite, enquanto a escuridão envolvia o albergue, Christian sentou-se ao lado de Caleb, que agora dormia tranquilamente em seu colo. O garoto havia encontrado um pouco de paz em seu sono, e isso ofereceu ao pai um momento de alívio. Christian acariciou o cabelo do menino, suas pequenas mãos se contorcendo em busca de conforto, e ele sentiu uma onda de amor e proteção inundar seu coração. Essa era a única luz que ainda brilhava em meio à escuridão, a única coisa pela qual ele se esforçava para continuar. A luta pela sobrevivência os tornara mais próximos, mas também mais vulneráveis.
Caleb era sua esperança e sua dor, uma combinação intensa que frequentemente deixava Christian à beira da desesperança. O medo que o garoto carregava era palpável, um reflexo da crueldade que tinham testemunhado, e isso o fez sentir um novo tipo de impotência. Christian queria ser um pai forte, alguém que pudesse apagar o medo de Caleb, mas cada dia que passava parecia um lembrete de que ele não conseguia proteger o filho da maneira que desejava. Quando o primeiro raiar do sol começou a iluminar o céu, a calma da manhã trouxe uma nova realidade: eles precisariam deixar o albergue e seguir em frente. Christian sabia que a vida que levavam era temporária, como folhas ao vento, mas a ideia de partir deixava um vazio em seu peito. O pequeno lar que haviam encontrado, mesmo que por um breve momento, agora era uma lembrança a ser deixada para trás.
Com um suspiro pesado, ele começou a preparar suas coisas, movendo-se com um cuidado quase reverente para não acordar Caleb. A rotina deles era uma dança ensaiada, repleta de momentos silenciosos e olhares cúmplices, uma maneira de se manterem conectados apesar do mundo caótico ao seu redor. Christian vestiu suas roupas, colocando de volta a armadura que ele usava não apenas para se proteger, mas também para enfrentar a realidade que o aguardava lá fora. Caleb acordou lentamente, seus olhos se abrindo para a luz suave da manhã. Ele piscou, tentando entender onde estava, e logo avistou o pai, que estava absorto em seus pensamentos. Christian sorriu para ele, um sorriso que buscava transmitir segurança e amor, mesmo que a dor ainda estivesse presente. “Bom dia, meu pequeno guerreiro,” Christian disse, a voz suave, enquanto se agachava para estar ao nível de Caleb. “Pronto para mais uma aventura?”
O garoto respondeu com um pequeno aceno de cabeça, mas os olhos ainda carregavam um pouco da sombra do medo. Christian sabia que as palavras eram apenas um remédio temporário, mas ele continuava tentando, sempre acreditando que, a qualquer momento, o horizonte poderia se iluminar. Após se prepararem, pai e filho deixaram o albergue, cruzando a porta que os levaria de volta à incerteza do mundo exterior. Christian sentiu o peso do dia sobre seus ombros enquanto caminhavam pelas ruas de uma cidade que não era nova, mas também não era familiar. As sombras dos edifícios se estendiam como braços, envolvendo-os em uma escuridão constante, e a lembrança de suas perdas ressoava em seus corações como um eco distante. Com cada passo, Christian refletia sobre o que estava por vir. Eles precisavam encontrar um novo lugar, um novo lar, mas o que isso significava? Para eles, cada cidade era um teste de resistência, cada esquina uma nova possibilidade de perigo. Mas, apesar de tudo, havia uma centelha de esperança que ainda pulsava dentro dele, alimentada pelo amor incondicional que sentia por Caleb. E assim, enquanto as ruas da cidade começavam a ganhar vida, Christian e Caleb se lançaram em mais uma jornada, prontos para enfrentar os fantasmas do passado e encontrar, talvez, um futuro onde pudessem finalmente ser livres. A vida, com suas dores e alegrias, ainda aguardava por eles, e, com a mão entrelaçada à do filho, Christian se sentiu mais forte, mais determinado. Afinal, mesmo em meio à escuridão, o amor poderia ser a luz que os guiaria.