Na manhã seguinte, Christian voltou à clareira da alcateia Silver Moon, o lar dos lobos, envolta pela espessa floresta de Greifswald. O local estava como sempre: denso, úmido, e cheio de uma tensão latente, como se a própria natureza aguardasse um conflito iminente. Ele não viu Demétrio à primeira vista, mas foi recebido pelos outros lobos, especialmente Caspian, que caminhou até ele com um sorriso que revelava alívio e expectativa. "Você veio. Isso significa que pensou no que eu disse?" Caspian falou, batendo de leve nas costas de Christian, em um gesto fraternal, mas cheio de peso. Christian suspirou, o ar carregado de tensão, como se ele estivesse prestes a carregar o mundo sobre os ombros novamente. "Se Eros voltou... se ele realmente está aqui para ameaçar a paz entre lobisomens, vampiros e humanos, eu não posso simplesmente assistir de longe." Caspian assentiu, os olhos brilhando com a emoção contida. "Bem-vindo de volta, velho lobo." Antes que houvesse mais tempo para palavras, Demétrio surgiu, emergindo das sombras da floresta com o olhar fixo e atormentado. Havia algo de diferente em seus olhos, um vazio cheio de lembranças não ditas. O encontro com Eros na noite passada ainda pulsava nele como uma ferida aberta. Caspian foi o primeiro a se aproximar, dando a boa notícia. "Christian está de volta." Demétrio ergueu os olhos para encontrar os de Christian. O silêncio entre eles não era apenas de saudade, mas também de rivalidade e um entendimento mútuo. O passado, as batalhas e as incertezas pairavam sobre suas cabeças, quase palpáveis.
"Então você decidiu se entregar ao que é de verdade? Caçar humanos?" Demétrio provocou, a voz carregada de ironia. Christian franziu a testa, firme em sua resposta. "Não, Demétrio. Não vou sucumbir a esse desejo, mas também não vou abandonar meu clã em tempos de necessidade." Demétrio revirou os olhos, como se a ideia toda fosse uma tolice. "Não há uma verdadeira ameaça. É só Eros... sempre provocando, como sempre faz." Mas Christian não estava convencido. Ele mordeu o lábio, a imagem de Eros queimando em sua mente. "Eros sempre foi... um problema," murmurou, o nome trazendo consigo memórias pesadas. Demétrio corou levemente, um rubor fugaz que Christian percebeu. A ligação entre Demétrio e Eros sempre fora uma sombra entre eles, um segredo que nunca se atreveram a discutir abertamente. Mas Christian, ainda que notasse, decidiu não pressionar. Havia tempo para conversas difíceis, mas não agora. Nos meses que seguiram, o peso de sua decisão continuou a rondá-lo, assim como o eco de antigas alianças e novos perigos. Enquanto isso, longe dali, Catarine começava a lidar com o peso de outra prisão, a de seu próprio corpo. Seus ciclos menstruais tornavam impossível escapar da cruel realidade imposta por seu pai, Johann. Durante seus períodos de “impureza”, era mantida afastada, mas agora, conforme seu corpo revelava sua feminilidade, Johann estava mais rígido e implacável. Ele não via Catarine como uma filha que ainda precisava descobrir o mundo, mas como uma mulher cujo destino já estava traçado.
Numa manhã silenciosa, enquanto o sol mal se erguia, Johann colocou um pedaço de pão sobre a mesa e olhou para sua filha com a expressão severa que sempre fazia Catarine estremecer. "Precisamos conversar," ele começou, a voz grave cortando o ar como uma lâmina. "Agora que você é uma mulher, suas responsabilidades mudaram." Catarine sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ela sabia o que estava por vir, mas isso não impediu o calor de subir ao seu rosto. "Casamento," Johann disse, como se fosse uma sentença inescapável. "Já está na hora de arrumar um bom marido para você. O filho do pescador é uma boa escolha." Catarine, atônita, largou a xícara de café que estava prestes a levar aos lábios. "Mas eu nem conheço ele!" exclamou, a voz trêmula de incredulidade.
"E daí?" retrucou Johann com frieza. "Quando me casei com sua mãe, só a vi na noite de núpcias. Não importa. O importante é que ele é um bom rapaz, trabalhador." A sensação de claustrofobia se intensificava em Catarine. Ela tentou argumentar, a voz quase falhando. "Eu... eu não sei se estou pronta..." "É claro que está!" Johann a interrompeu, sua voz mais dura que nunca. "Você já sangra. Não há mais desculpas." Catarine sentiu as palavras dele caírem como correntes invisíveis, sufocando qualquer esperança de se libertar do destino que lhe era imposto. Mas, mesmo encurralada, ela sabia, em algum lugar dentro de si, que esse não seria o fim de sua luta. Mesmo que não fosse agora, ela lutaria para não perder sua voz. Catarine permaneceu em silêncio, olhando para as migalhas de pão sobre a mesa. O peso das palavras de seu pai, como correntes invisíveis, prendia-a à realidade que ele tentava impor. Ela sabia que discutir com Johann seria inútil, mas, dentro de si, uma chama começava a se acender, pequena, mas resistente. Não era apenas uma questão de casamento; era sobre seu destino, sobre sua vida. Ela sabia que, cedo ou tarde, teria que lutar por isso.
Os dias seguintes foram preenchidos com o silêncio ensurdecedor da casa, enquanto Johann fazia planos, discutia com outros pais da vila e, aparentemente, selava o futuro de Catarine sem sequer consultá-la. Ela, por sua vez, tentava seguir com suas tarefas diárias, mas o peso da decisão iminente a pressionava constantemente. As conversas entre as mulheres da vila, os olhares que recebia, tudo parecia convergir para o fato de que, aos olhos deles, ela não passava de uma jovem pronta para ser dada em casamento. Mas Catarine não se via assim. Sempre sonhara com algo mais – uma vida além dos limites estreitos da vila, onde poderia ser mais do que apenas a esposa de alguém. Ela sentia que seu destino estava amarrado a algo maior, algo que ela ainda não compreendia completamente, mas que pulsava em suas veias como um chamado distante. Uma noite, incapaz de dormir, Catarine saiu de casa e foi até o riacho que corria perto da vila. A água estava fria ao toque, mas trouxe um certo alívio à sua mente inquieta. Sentada na beira do riacho, observando a lua se refletir na água, ela se lembrou das histórias antigas que sua avó costumava contar. Histórias de mulheres que enfrentaram seus destinos, que lutaram contra as imposições de suas sociedades, e que encontraram o caminho para sua própria liberdade. Enquanto refletia sobre isso, algo no ar mudou. Um sussurro suave, quase imperceptível, parecia vir das árvores ao redor. Catarine se levantou lentamente, sentindo um arrepio percorrer sua espinha. Ela não estava sozinha.
De repente, uma figura emergiu das sombras. Um homem, alto, magro, sedutor com olhos penetrantes que brilhavam sob a luz da lua. Com cabelos de cor azul-escuro longos e encaracolados. Seu semblante era tranquilo, mas havia uma força inegável em sua presença. Catarine recuou instintivamente, mas algo naqueles olhos a impediu de fugir. "Não precisa ter medo," disse ele, sua voz baixa e calmante. "Meu nome é Eros." O nome fez com que o coração de Catarine disparasse. Eros? As histórias sobre ele eram antigas e confusas – algumas diziam que ele era um vampiro, outras que era um lobo. Mas todas concordavam em uma coisa: Eros era uma figura de poder e perigo, alguém que poderia mudar o destino de qualquer um que cruzasse seu caminho. "Você... você é real?" Catarine gaguejou, mal acreditando que a lenda estava diante dela. Eros deu um leve sorriso, inclinando a cabeça de lado. "Eu sou tão real quanto seus desejos e medos, Catarine. Eu sei o que você está passando, o que sente. E sei que não quer esse futuro que seu pai está planejando para você."
As palavras dele atingiram-na como um trovão. Como ele sabia? E, mais importante, por que ele estava ali, falando com ela? "Eu posso ajudá-la," continuou ele, sua voz envolvente. "Posso lhe oferecer uma escolha, algo que seu pai nunca lhe dará. Mas, para isso, você terá que fazer um sacrifício." Catarine hesitou. "Que tipo de sacrifício?" Eros se aproximou, seus olhos nunca deixando os dela. "Liberdade vem com um preço. Se aceitar minha ajuda, terá que deixar para trás essa vida, essa vila... e tudo o que conhece. E servirá a mim. Está disposta a pagar esse preço?" Catarine olhou para o riacho, o reflexo da lua oscilando na água como se estivesse refletindo suas próprias dúvidas e medos. A ideia de abandonar tudo o que conhecia a assustava, mas ao mesmo tempo, havia algo em Eros – algo sedutor, poderoso, uma promessa de que ela poderia ser mais do que apenas uma garota prestes a ser casada contra sua vontade. Ela respirou fundo, fechando os olhos por um momento. Quando os abriu novamente, seu olhar estava determinado. "Eu vou pensar," disse ela, sua voz firme, ainda que um pouco hesitante. Eros sorriu, e naquele instante, o ar ao redor deles pareceu vibrar, como se a própria natureza estivesse respondendo à escolha dela. Ele estendeu a mão para Catarine, e quando ela a segurou, sentiu uma onda de energia percorrer seu corpo. O mundo ao redor dela começou a mudar, a clareza da noite sendo substituída por algo diferente, algo novo. "Eu vou aguardar sua resposta, mas lembre-se, Catarine, seu destino agora está nas suas mãos." disse Eros suavemente, seus olhos brilhando com uma intensidade que ela jamais havia visto antes. "Eu lhe darei o poder para moldar sua própria história. Agora, resta a você decidir como irá escrevê-la.". Catarine gelou. Ela não sabia o que estava por vir, mas uma coisa era certa: Se ela aceitasse, ela não seria mais a mesma.
As montanhas ao redor de Catarine formavam um cenário de isolamento e serenidade. O vento suave sussurrava entre as árvores, e o distante canto dos pássaros era a única melodia que preenchia o ambiente. A luz da manhã atravessava as copas das árvores, desenhando padrões de sombra e luz sobre o chão coberto de folhas secas. O aroma da terra úmida e da vegetação densa trazia um frescor revigorante, criando a sensação de estar em um lugar isolado, longe do tumulto da vila. Catarine treinava sozinha, como sempre, seus movimentos com a espada eram precisos e metódicos. O silêncio ao redor a ajudava a concentrar-se, permitindo que sua mente se alinhasse com cada golpe no ar. Os músculos queimavam com o esforço contínuo, mas ela encontrava um certo conforto na familiaridade dessa sensação. Foi então que sentiu uma presença. Christian apareceu como de costume, sem emitir qualquer som, movendo-se com a leveza de alguém que pertencia à floresta. Aproximou-se com a mesma tranquilidade habitual, seus passos tão silenciosos quanto o próprio vento. Em suas mãos, ele carregava um pano de linho enrolado, onde algumas frutas estavam cuidadosamente guardadas. Sem dizer uma palavra, ele deixou o pequeno presente ao lado dela. Eles se encararam por um instante, um momento de compreensão silenciosa entre os dois. A luz do sol ressaltava o brilho dos cabelos cor de mel de Catarine, enquanto os olhos negros de Christian exibiam a seriedade que nunca o abandonava. Quando ele estava prestes a se virar para partir, Catarine o chamou, com a voz hesitante, mas determinada. "Christian..." Ele parou e olhou para ela, a expressão calma e atenta. "Sim?" Ela mexeu-se, desconfortável, como se não soubesse ao certo como dizer o que tinha em mente. "Você já vai?"
Christian a observou por um instante antes de responder, tranquilo. "Não quero atrapalhar seu treino." Guardando a espada, Catarine olhou diretamente para ele, seus olhos fixos. Deu alguns passos em sua direção, sua voz mais firme, porém suave. "Você não me atrapalha, Christian. Por que não se senta comigo? Estava prestes a parar para almoçar." Christian hesitou apenas por um momento, antes de assentir. Sua expressão suavizou ligeiramente enquanto se juntava a ela. Caminharam até a sombra de uma árvore imponente, cujo tronco robusto oferecia refúgio contra o sol forte. O som suave das folhas farfalhando ao vento e o murmúrio de um riacho próximo criavam uma atmosfera de paz. Sentaram-se lado a lado na grama macia, a brisa fresca acariciando seus rostos. Christian desdobrou o pano de linho, revelando frutas maduras e reluzentes. O isolamento daquele lugar parecia mágico, um refúgio longe do caos e das responsabilidades da vila. Ali, na tranquilidade das montanhas, o tempo parecia parar. Não havia pressa, apenas a presença tranquila um do outro, o som da natureza ao redor e a quietude que envolvia seus corações. Catarine pegou uma das frutas com delicadeza, um sorriso tímido iluminando seu rosto. "Cerejas selvagens?" A doçura em sua voz era acompanhada por uma curiosidade sincera. Christian, sempre sério, permitiu-se um pequeno sorriso. "Sim," respondeu ele, corando levemente. "Eu adoro cerejas."
Enquanto comiam em silêncio, a proximidade entre eles parecia carregar o ar de uma nova energia, algo que pairava entre o não dito e o sentido. Suas mãos se aproximavam quando pegavam as frutas, e os olhares que trocavam, ainda que furtivos, eram carregados de hesitação e curiosidade. Catarine estava mais silenciosa do que o habitual, seus pensamentos vagando longe enquanto seu coração batia mais rápido, sentindo Christian de uma forma diferente. Ela notava como o vento bagunçava suavemente seus cabelos e como ele mastigava em silêncio, evitando olhá-la diretamente, embora houvesse uma tensão crescente entre eles. Christian também sentia algo mudar dentro de si. O cheiro da floresta, o aroma doce das cerejas, e o cheiro de Catarine misturavam-se em uma sensação que apertava seu peito. Ele não entendia completamente o que estava acontecendo, mas estava cada vez mais consciente da presença dela ao seu lado. O silêncio que antes era confortável agora parecia carregado de algo não dito, de palavras que não precisavam ser pronunciadas. Depois de algum tempo, foi Catarine quem quebrou o silêncio. Ela suspirou, ainda olhando para as frutas, como se buscasse as palavras certas. "Eu... falei com meu pai esta manhã." Christian a olhou de relance, seus olhos sérios agora exibindo uma leve preocupação. "Sobre o quê?" perguntou ele. Ela hesitou, sua voz saindo baixa, como se estivesse confessando algo delicado. "Ele mencionou... casamento."
As palavras pairaram no ar, congelando o momento. Christian sentiu uma onda de desconforto crescer dentro dele, seu coração disparando de uma forma que ele não conseguia controlar. Casamento? A ideia de Catarine sendo prometida a outro homem o atingiu como um golpe inesperado. Ele desviou o olhar, tentando processar o que acabara de ouvir. "Casamento?" ele repetiu, sua voz tentando manter a compostura, mas o desconforto era evidente. Catarine assentiu, seu olhar tímido, mas a frustração evidente em seu rosto. "Sim. Ele quer me arrumar um marido... diz que é o dever dele." Christian apertou a mandíbula, sua respiração ficando mais pesada. Ele sempre soubera que esse momento viria, que alguém sugeriria casamento para Catarine, especialmente com o jeito rígido de Johann quanto às tradições. Mas ouvir isso agora, tão de repente, o afetava de um jeito que ele não compreendia completamente. O simples pensamento de outra pessoa cuidando dela, estando ao lado dela, era insuportável. Percebendo o silêncio pesado que se seguiu, Catarine olhou para Christian, buscando uma reação. "Não sei se estou pronta," ela sussurrou, mais para si do que para ele. Christian sentiu o aperto no peito aumentar. Ele queria dizer algo, qualquer coisa, mas as palavras ficaram presas na garganta. Nunca tinha imaginado casamento para si, mas a ideia de Catarine ser prometida a outro homem despertava nele algo que nunca havia sentido. Quando seus olhares finalmente se encontraram, foi como se o mundo parasse por um instante.
Nos olhos de Christian havia uma intensidade diferente, algo que ele tentava suprimir, mas que agora surgia com força. Catarine também sentia o calor entre eles aumentar, uma conexão crescendo de forma silenciosa, mas poderosa. "Quem... quem ele escolheu?" Christian perguntou, sua voz tensa, esforçando-se para parecer despreocupado. Catarine desviou o olhar, hesitando em responder. Ela mordeu o lábio, claramente desconfortável com o rumo da conversa. "Ele mencionou o filho do pescador... mas eu nem o conheço." O desconforto de Christian só crescia. O filho do pescador? Ele sabia que esse dia chegaria, mas agora, diante dessa realidade, tudo parecia errado. Olhando para Catarine, seu coração batia ainda mais rápido, mas em vez de continuar a conversa, ambos ficaram em silêncio, comendo as cerejas lentamente, conscientes de que algo novo estava surgindo entre eles, mesmo que nenhum dos dois quisesse admitir. Catarine mordeu uma cereja, o suco doce escorrendo pelo canto de sua boca, e um sorriso nervoso se formou em seu rosto. A luz suave filtrada pelas folhas acima intensificava a sensação de proximidade entre eles, como se uma eletricidade invisível percorresse o espaço. Ela olhou para Christian com gratidão nos olhos. "Obrigada por estar aqui comigo," disse ela suavemente. "Mesmo agora, nesse... período impuro."
Christian sentiu o coração acelerar com a menção de "impuro". Algo na maneira como ela pronunciou a palavra despertou nele um instinto protetor, que se misturava com confusão e desejo. Ele a encarou, as palavras escapando de seus lábios como um sussurro: "Eu sempre estarei aqui, Cate. Não importa se você está no seu ciclo." O sorriso que ela deu foi genuíno, iluminando seu rosto de uma forma que parecia diferente, mais íntima. Pela primeira vez, Catarine sentiu que alguém a aceitava por completo, mesmo em um momento que a sociedade via como vulnerável. Ela suspirou, afastando o olhar para as montanhas ao redor. "Sabe... fui criada para ser uma boa guerreira, uma boa ferreira... Mas ser uma esposa?" Ela riu, embora houvesse um toque de tristeza em seu riso. "Eu perdi minha mãe muito cedo... nunca tive aquela conversa sobre o que se espera de uma mulher." Christian sentiu uma onda de compaixão inundá-lo. Para ele, Catarine sempre foi diferente das outras garotas da vila: sua força, sua habilidade com a espada, sua coragem. Tudo nela era extraordinário. Mas, ao mesmo tempo, ele via sua vulnerabilidade, e isso o fazia querer protegê-la ainda mais das expectativas pesadas que os outros colocavam sobre seus ombros. O vento suave mexia os cabelos de ambos enquanto a natureza ao redor continuava em sua serenidade. Ali, sentados sob a árvore, a tensão entre eles era quase palpável, mas ao mesmo tempo havia algo reconfortante na simples presença um do outro. Sem precisar de mais palavras, os dois compartilhavam um momento de silêncio profundo, onde cada gesto, cada olhar, falava mais do que qualquer confissão poderia expressar.
"Você não precisa se tornar alguém que não é, Catarine," Christian disse, com uma honestidade que ecoava em cada palavra. "Ser esposa ou mãe... essas coisas não definem quem você é. O que importa é quem você escolhe ser." Catarine o olhou, seu semblante se suavizando enquanto as palavras dele a atingiam. Havia uma profundidade no olhar de Christian que a deixava intrigada, uma conexão que ela ainda tentava entender. "Fácil para você dizer," ela murmurou, um toque de dúvida em sua voz. "E se eu não souber como ser tudo isso? O que meu pai espera de mim?" Christian inclinou-se ligeiramente para ela, o tom de sua voz mais suave, porém firme. "Ninguém sabe tudo de imediato. A vida é sobre descobertas, e você não precisa passar por isso sozinha. Se você quiser, estarei ao seu lado. Não por obrigação ou por tradições, mas para te ajudar a entender quem você realmente é." O silêncio que seguiu foi carregado de emoção, e os dois se encararam como se o tempo houvesse parado. O coração de Christian batia descompassado, e ele sentia algo crescendo entre eles, algo mais profundo do que jamais havia imaginado. O momento parecia suspenso, como se uma linha invisível os unisse, cada vez mais próxima. Catarine, sentindo a intensidade daquele instante, perguntou, sua voz levemente hesitante, "Você realmente acredita nisso?" O olhar dela transbordava vulnerabilidade, o que a tornava ainda mais humana, mais real. "Sim," Christian respondeu com firmeza, sua proximidade aumentando enquanto seus olhos fixavam-se nos dela. "Eu acredito em você, Catarine. Você é forte, corajosa... e, acima de tudo, você é você." As palavras dele penetraram no coração de Catarine como um bálsamo, um conforto que ela nunca havia sentido antes. Havia uma aceitação ali, uma compreensão que transcendia as expectativas da sociedade e as pressões de seu pai. Ela começou a falar, "Christian..." mas as palavras ficaram presas. Em vez disso, ela deixou seus instintos a guiar e estendeu a mão, tocando a dele. O calor daquele simples contato fez um arrepio percorrer sua espinha, uma corrente elétrica de emoções que ela não conseguia nomear.
Christian a observou, sentindo cada fibra de seu ser reagir àquele toque. "Você não precisa se prender às expectativas dos outros," ele murmurou, sua voz baixa, quase íntima. "O que importa é o que você quer. E eu... não quero que você se sinta obrigada a fazer algo que não deseja." O coração de Catarine batia rápido, uma mistura de incerteza e desejo tomando conta dela. Era como se estivesse prestes a descobrir uma nova versão de si mesma, uma versão que ela não sabia que existia. E, com Christian ao seu lado, essa jornada parecia menos solitária, menos assustadora. Olhando nos olhos dele, ela soube que estava em um caminho que mudaria sua vida. Aquele momento, embora delicado e incerto, estava cheio de promessas silenciosas. Sob a sombra da árvore, algo entre eles havia mudado de forma irrevogável. A barreira que antes os separava agora começava a se dissolver, deixando espaço para uma confiança e intimidade que ambos ainda estavam aprendendo a explorar. Com o sol já se pondo no horizonte, o céu tingido em tons de laranja e rosa, o clima entre eles permaneceu leve, mas cheio de possibilidades. Enquanto as inseguranças e expectativas lentamente se dissipavam, Catarine sorriu, o brilho de uma ideia acendendo em seus olhos. "Christian," ela começou, com uma excitação suave, "o Festival do Outono da Deusa da Colheita será em breve. Você gostaria de ir comigo?" Christian hesitou, surpreso com o convite. "Um festival? Não sei se é uma boa ideia," ele admitiu, seu tom refletindo uma leve apreensão. Ele sempre foi cauteloso ao se misturar com humanos, especialmente após tudo que acontecia entre suas espécies.
Percebendo sua hesitação, Catarine franziu o cenho, mas não desistiu. "Você deveria ir! É uma tradição importante para nós, e..." Ela corou, hesitante em continuar, mas prosseguiu. "E eu estaria usando um vestido. Eu dançaria. Você sabe o quanto adoro as festividades." A ideia de vê-la em um vestido o fez rir baixinho, e ele balançou a cabeça. "Você? Em um vestido, dançando?" A ideia era, no mínimo, intrigante. "Isso eu preciso ver." Catarine mordeu o lábio, um misto de vergonha e diversão em seu rosto. "Eu sei que não parece, mas também posso ser feminina, sabia? E o festival é a oportunidade perfeita para isso." O sorriso tímido que ela lançou a Christian fez seu coração disparar novamente. A ideia de vê-la sob uma nova luz, mais delicada, mais vulnerável, o fez considerar a proposta. Enquanto o crepúsculo envolvia a paisagem, o convite dela pendia no ar, criando uma promessa sutil de momentos futuros. E naquele instante, Christian soube que algo entre eles estava prestes a florescer, muito além das expectativas ou das tradições. Christian não conseguia tirar da mente a lembrança daquela noite mágica, quando, sob o céu estrelado das Perseidas, seus lábios haviam finalmente se encontrado. O beijo tinha sido suave, hesitante, mas carregado de emoções que ele não conseguia mais negar. Ele se perguntava se Catarine estava, aos poucos, começando a desejá-lo da mesma maneira que ele a desejava. A dúvida o atormentava, mas o que ele sabia com certeza era que, a cada mês que passava, seu desejo por ela só crescia, como uma chama que se recusava a apagar. Enquanto ponderava o convite para o festival, uma pergunta escapou de seus lábios antes que ele pudesse contê-la. "Se eu for... vou poder beijá-la de novo no festival?" O rosto de Catarine imediatamente corou, suas bochechas tingidas de um rubor suave que a deixava ainda mais encantadora. Ela desviou o olhar por um instante, mordendo levemente o lábio, sem saber como responder. Aquele simples gesto fez o coração de Christian bater mais rápido, e ele percebeu o quanto ela mexia com ele, mesmo sem dizer uma palavra. O silêncio entre eles ficou carregado de expectativa, enquanto Catarine tentava esconder seu embaraço. Mas, no fundo, ambos sabiam que aquela pergunta trazia à tona algo que estava crescendo entre eles, algo que, com o tempo, seria impossível ignorar.
"Sim... podemos fazer isso," Catarine respondeu, a voz suave, mas sem ousar encará-lo. Havia uma timidez e uma inocência em seu tom que despertavam todos os instintos adormecidos de Christian. Ela se aproximou um pouco mais, e, à medida que falava, ele percebeu que a confiança começava a surgir em sua voz. "E, se você não vier, vou ficar muito triste. Seria muito mais divertido com você lá, Christian. A cidade toda estará animada... eu adoraria dançar com você." O coração de Christian acelerou novamente. Havia uma autenticidade nas palavras dela, uma alegria pura e quase infantil que o deixava sem palavras. Ele conseguia se imaginar naquele festival, observando-a dançar entre as luzes e as pessoas, o sorriso dela irradiando felicidade. A visão o atraía de uma forma inexplicável, mas ele não podia deixar de sentir o peso da própria natureza, como uma sombra que o seguia. "E se as pessoas se assustarem comigo? Eu sou... diferente," ele murmurou, a insegurança transparecendo em sua voz. Catarine, no entanto, o encarou com uma determinação inesperada. A vergonha parecia desaparecer à medida que ela falava. "Eles não precisam saber quem você realmente é. E se descobrirem, isso não importa. O que importa é que você esteja ao meu lado." O brilho nos olhos dela era contagiante, e Christian nunca havia conhecido alguém tão apaixonada pelas tradições humanas. Havia algo na simplicidade de seu desejo que o tocava profundamente. "Você realmente quer isso?" Ele perguntou, ainda com uma ponta de incerteza. "Com todo o meu coração," Catarine respondeu, e um sorriso radiante iluminou seu rosto. A sinceridade em suas palavras aqueceu algo dentro dele, algo que ele tentava esconder há muito tempo.
Christian ficou em silêncio por um instante, refletindo sobre a profundidade do pedido de Catarine. Ele sabia que aceitar esse convite significava mais do que apenas ir a um festival; significava abrir uma parte de si que ele mantinha escondida por séculos. "Eu sempre sonhei com um mundo onde todas as espécies pudessem coexistir em paz," ele começou, a voz suave e carregada de emoção. "Humanos, vampiros, lobisomens... todos juntos, sem medo ou preconceito." Ele olhou para Catarine, vendo a curiosidade nos olhos dela, como se cada palavra sua a puxasse para mais perto de seu mundo. "É uma luta que tenho travado por mais de mil anos," continuou. "Tentando trazer paz aos meus velhos amigos, Eros e Demétrio." Catarine inclinou a cabeça, intrigada. O nome Eros soava familiar. Ela já havia ouvido aquele nome antes — era o ser enigmático que lhe oferecera um pacto recentemente. E Demétrio... ela sabia quem ele era: o poderoso lobisomem alfa da alcateia de Christian. Agora, enquanto ela ligava os pontos, percebeu que havia muito mais na história de Christian do que ele deixava transparecer. O peso dessas revelações pendia no ar entre eles, mas, ao invés de afastá-los, parecia criar um laço ainda mais forte. A promessa de algo novo — e talvez perigoso — estava diante deles, e, de algum modo, ambos estavam prontos para enfrentá-lo juntos. "Me conte mais sobre esse seu desejo, Christian," pediu Catarine, sua voz carregada de curiosidade e ceticismo. Christian suspirou fundo antes de começar.
"Eros é o Lorde Rei dos vampiros, e Demétrio, como você já sabe, é o primeiro lobisomem, o alfa da minha alcateia. Eles são amigos de infância, irmãos que o destino separou. Nossa amizade foi desgastada ao longo dos anos, sufocada pela rivalidade entre nossas espécies. Depois de incontáveis guerras, nossa conexão apenas se distanciou mais. Mas o que eu mais desejo é que eles encontrem um equilíbrio entre seus mundos e suas espécies." Catarine franziu a testa, o ceticismo evidente em seus olhos. "Um mundo onde vampiros, lobisomens e humanos convivem em paz? Christian, isso parece... ambicioso demais. Quase impossível. As diferenças entre vocês são profundas demais. Como você pode acreditar que isso realmente pode acontecer?" Christian soltou um suspiro pesado, sentindo o peso da realidade sobre seus ombros. "Eu sei que parece distante, quase inalcançável. Mas não consigo abandonar essa esperança. Eros e Demétrio sempre acreditaram que a reconciliação era possível, e eu me recuso a deixar que essa chama se apague. A paz entre nossas espécies é a única maneira de evitarmos mais sangue derramado." Catarine balançou a cabeça, sua incredulidade transparecendo em cada palavra. "Mas estamos falando de raças que historicamente se odeiam. Vampiros, lobisomens e humanos... Fomos criados para temer uns aos outros. A maioria de nós foi ensinada a odiar, a destruir quem é diferente. Eu cresci ouvindo que deveríamos matar vampiros e lobisomens sem hesitação."
"Eu entendo sua perspectiva," respondeu Christian, o olhar firme, mas cheio de compaixão. "Mas é exatamente por isso que precisamos tentar. Precisamos mudar a narrativa, mostrar que não somos tão diferentes assim. Há mais coisas que nos conectam do que imaginamos." Ela balançou a cabeça, a amargura ainda presente. "Os lobisomens mataram minha mãe, Christian," disse Catarine, a dor em sua voz clara, como se as feridas do passado nunca tivessem cicatrizado completamente. Christian a olhou com gentileza e compreensão, um pequeno sorriso brincando em seus lábios. "E no entanto, aqui estamos nós, sentados... comendo cerejas." Sua voz tinha um tom de esperança que fez o coração de Catarine vacilar, como se por um momento as barreiras que ela construiu começassem a se desfazer. Catarine ponderou as palavras dele, lutando entre as sombras do passado e a conexão que sentia no presente. Ele estava certo. Apesar de todo o ódio que carregava pelos lobisomens, ali estava ela, ao lado de um deles, partilhando uma amizade inesperada. Christian era exatamente da mesma raça e clã dos lobos que tiraram sua mãe, e, mesmo assim, ele estava ali, ao lado dela, oferecendo uma nova visão, uma nova esperança. "Isso não apaga o que aconteceu," ela murmurou, ainda com um toque de amargura. "Como posso confiar na sua espécie depois de tudo o que me tiraram?"
"Eu entendo o quanto isso é difícil," Christian disse, sua expressão séria, mas sua voz repleta de uma gentileza profunda. "Mas estou aqui para te mostrar que nem todos os lobisomens são como aqueles que a feriram. Eu sou seu amigo, Catarine. E meu desejo é que possamos construir algo novo, algo onde rivalidades e ódio não sejam o que define quem somos." Catarine sentiu uma batalha interna crescendo dentro dela. As memórias de sua mãe, as histórias sobre os horrores dos lobos que ouviu a vida inteira, eram como uma barreira intransponível. Mas ali, naquela manhã, algo começou a mudar. Ela viu a sinceridade nos olhos de Christian, e percebeu que, de alguma forma, ele era diferente. Ele era mais do que a sombra do passado; ele era alguém que queria construir um futuro ao lado dela. Um futuro onde o ódio não precisava prevalecer.
"Você vai comigo ao festival?" Catarine perguntou, mudando de assunto abruptamente. Christian, ainda mergulhado nos pensamentos sobre suas próprias palavras, respondeu de maneira firme. "Sim, eu irei." Ele observou seu rosto delicado se voltar para o pôr do sol novamente, como se ela estivesse em busca de algo nas cores vibrantes que se espalhavam pelo céu. "Talvez eu consiga mudar meu destino com a ajuda do seu amigo Eros," disse ela calmamente, quase em um sussurro. Essas palavras atingiram Christian como um soco no estômago. Ele se sobressaltou, o coração acelerando. "O que você quer dizer com isso?" A preocupação já tingia sua voz antes mesmo de ela responder. Catarine suspirou, ainda encarando o horizonte. "Ele me ofereceu... uma chance. Uma oportunidade de me livrar do destino que meu pai me impôs. Mas... eu ainda não sei direito o que ele quer em troca." "NÃO!" A palavra saiu de Christian com uma força inesperada, e antes que pudesse se controlar, ele agarrou as mãos de Catarine com firmeza. "Fique longe de Eros, Cate. Ele é perigoso. Eu o conheço há séculos. Sei do que ele é capaz." Sua voz estava carregada de urgência e medo. "Ele é um manipulador, um mestre das sombras. Ele promete um mundo de sonhos, mas o preço, no final, sempre é maior do que você pode imaginar." Catarine ficou em silêncio, absorvendo a intensidade das palavras de Christian. A força com que ele a segurava refletia o pânico que ela nunca havia visto nele antes. Eros, aquele ser misterioso que a havia abordado, agora parecia ainda mais enigmático e ameaçador. "Christian..." ela começou, sua voz suave, mas determinada. "Nada poderia ser pior do que perder a minha liberdade. Viver acorrentada a um destino que eu nunca escolhi... isso já é um preço alto demais."
Christian a encarou, o olhar em seus olhos pedindo para que ela entendesse a gravidade do que ele estava tentando transmitir. "Eu sei que você quer se livrar desse fardo, e eu respeito isso. Mas Eros... ele é implacável. Ele só pensa em si mesmo. Não importa o que ele prometa, no fim, você vai se arrepender." Ela tocou o rosto dele suavemente, os dedos delicados acalmando um pouco da tensão que dominava seu corpo. "Eu vou ficar bem, Christian. Eu sou mais forte do que você pensa." Seu tom era gentil, mas firme, como se estivesse tentando acalmar o medo que via em seus olhos. Christian soltou um suspiro profundo, mas o alarme em seu coração não se apagava. "Por favor, Catarine," ele sussurrou, "prometa que não vai aceitar nada dele sem me consultar primeiro." Catarine hesitou por um momento, seus olhos cor de mel penetrando nos dele. "Eu prometo que terei cuidado." Ela finalmente disse, sem dar a garantia completa que ele queria ouvir. Christian sabia que ela ainda estava tentada pela oferta de Eros. E isso o preocupava mais do que qualquer guerra entre espécies.
Catarine, percebendo a tensão nos olhos de Christian, mudou de assunto novamente, suavizando o momento. "Mas não se esqueça," disse com um sorriso, "você prometeu ir comigo ao festival." Ela começou a se afastar, pronta para retornar para casa, deixando para trás o peso da conversa sobre Eros. O sorriso brincava em seus lábios, e a leveza em seu andar parecia dissipar qualquer resquício de preocupação. Christian, por sua vez, suspirou, sentindo a tensão lentamente deixar seu corpo. "Está bem, Catarine," ele disse, resignado, mas com um toque de humor. "Eu vou ao festival." Ao pronunciar as palavras, um misto de excitação e nervosismo o envolveu. O que inicialmente parecia uma promessa casual agora se transformava em algo mais profundo. Ele não podia ignorar a sensação de que aquele evento seria um marco, uma espécie de divisor de águas entre eles. Talvez o festival fosse o cenário de uma nova descoberta, uma chance de mudar a dinâmica que já começava a evoluir entre eles. "Ótimo!" Catarine exclamou, os olhos brilhando com a expectativa. "Você não vai se arrepender, eu prometo." Seu entusiasmo era contagiante, e por um breve momento, Christian se viu imaginando o que realmente o esperava naquela noite sob as estrelas. O calor da intimidade entre eles crescia, palpável no ar. Havia um entendimento silencioso, como se ambos soubessem que, embora ele fosse um lobo solitário e ela uma guerreira com o coração ferido, juntos poderiam explorar novas camadas de suas almas. Eles haviam se aproximado mais do que jamais imaginaram, e a promessa de uma noite no festival agora parecia uma metáfora para algo maior. Enquanto a brisa suave da tarde passava por eles, Catarine sentiu que a conexão entre eles estava prestes a se aprofundar ainda mais. No festival, talvez, as máscaras do preconceito e do medo poderiam ser deixadas de lado, permitindo que um novo começo florescesse, algo que se assemelhava perigosamente ao amor. Ela acenou uma última vez antes de se virar completamente, e enquanto Christian a observava partir, ele sabia que algo em seu mundo estava prestes a mudar para sempre.