Christian olhou para ela, o desgosto se misturando com o amor, desejando desesperadamente que ela olhasse para ele com os olhos que conhecia, que o reconhecesse, que o chamasse de volta. Mas enquanto os instintos dela a guiavam, ele se viu impotente, um espectador da perda de sua mulher, e da inocência de uma criança, engolidos pela escuridão que parecia não ter fim. Ele ficou ali parado, assistindo impotente enquanto sua esposa roía até os ossos do pequeno cadáver, cada mastigada uma facada em seu coração. A cena era grotesca e surreal, e o lamento de Christian ecoava em sua mente como um grito silencioso, incapaz de escapar de seus lábios. O instinto de preservação gritava para que ele se afastasse, mas a necessidade de compreender o que havia acontecido com Catarine o mantinha ancorado no lugar.
Quando finalmente ela terminou, suas patas negras estavam manchadas de sangue e os restos da criança estavam dispersos ao seu redor, como um macabro testemunho do horror que acabara de ocorrer. Catarine lambeu suas patas, o ato tão primitivo e quase ritualístico, como se desejasse mais, e Christian sentiu seu estômago se revirar. A frieza do momento o envolvia, e ele mal podia acreditar no que acabara de testemunhar. Ele a encarou incrédulo, um mar de emoções turbulentas se agitando dentro dele. O desespero misturava-se com a raiva, e a dor se transformava em um grito interno de “Por quê?” Mas, apesar da repulsão, uma voz interior o empurrou para mais perto, e finalmente, ele encontrou a coragem que precisava para se aproximar. A distância entre eles parecia tanto física quanto emocional, mas ele não podia mais se permitir ficar parado, assistindo sua esposa se perder. “Cate…” Sua voz era um sussurro, mas carregava o peso de um amor devastado. Christian hesitou, mas as patas o moveram, cada passo se tornando mais difícil à medida que o terror e a tristeza se entrelaçavam. “Por favor, olhe para mim.” Catarine virou a cabeça em sua direção, e por um breve momento, Christian viu uma centelha de reconhecimento nos olhos âmbar que reluziam sob a luz da lua cheia. Mas ela rapidamente se desviou, e a ferocidade que antes havia dominado a envolveu novamente como um manto pesado. Ela rosnou suavemente, um aviso que ele não poderia ignorar. “Você não precisa fazer isso…” ele implorou, suas palavras quase sufocadas pela dor. “Largue isso. Você não é esse monstro.”
Mas, à medida que ele se aproximava mais, suas emoções misturadas em um turbilhão, a lembrança do que ela havia se tornado o impediu de avançar completamente. O amor e o medo se entrelaçavam, e Christian percebeu que estava frente a frente com a mulher que amava e com a besta que a havia capturado. Ele queria salvar Catarine, mas como se faz isso quando a própria alma dela estava consumida pela escuridão? “Cate…” Ele se atreveu a dar mais um passo, o seu instinto de proteção superando o medo. “Você ainda está aqui, eu sei que você está.” O momento se arrastou, e Christian respirou profundamente, seu coração batendo forte contra seu peito. Ele queria que ela fosse capaz de ouvir o apelo dentro de sua voz, o amor incondicional que ainda permanecia. Se houvesse alguma chance de trazer sua esposa de volta, ele estava disposto a lutar por ela, mesmo que isso significasse confrontar a própria escuridão que a dominava. Por um momento, tudo que Christian conseguia sentir era remorso e culpa, um peso esmagador que quase o sufocava. Isso era culpa dele? Ele se perguntou, a mente girando em um ciclo de autoacusação. Afinal, foi ele quem a havia convidado para essa vida, quem havia implorado para que ela se transformasse em lobisomem, para que pudessem viver juntos, lado a lado. Ele tinha visto outros membros de sua alcateia sucumbirem à bestialidade, mas nada, absolutamente nada, se comparava ao horror que agora se desenrolava diante de seus olhos.
“Cate, pelo amor dos deuses... olhe para mim.” Sua voz tremia, uma mistura de desespero e amor que ecoava na clareira silenciosa. Cada passo em direção a ela era como atravessar um campo de minas, com a expectativa de que, a qualquer momento, poderia detonar a fúria que a dominava. Catarine rosnou, um som primal que reverberou nas árvores ao redor. “Se afaste de mim.” A agressividade em sua voz era inconfundível, um claro sinal de que ela se sentia ameaçada, e cada instinto de Christian gritava para que ele recuasse. Mas ele não poderia. Não agora. “Não, eu não vou me afastar,” disse ele, sua voz agora firme, desafiando a escuridão que envolvia sua esposa. “Eu te amo, porra! Então, é isso, era essa merda que você estava escondendo de mim?” A frustração explodiu em suas palavras, um clamor por respostas que parecia ecoar no ar pesado da noite. Catarine hesitou por um breve momento, e naquele silêncio, Christian sentiu um pequeno fio de esperança. Mas logo se dissipou quando ela se virou, os olhos brilhando com uma fúria incontrolável. A conexão que costumavam ter, tão pura e profunda, parecia agora uma lembrança distante, perdida em meio à neblina da transformação. “Você não entende!” ela rosnou, mas a ferocidade em sua voz não era apenas direcionada a ele. Era um grito de dor, uma batalha interna que ela lutava em silêncio. “Você não sabe o que é isso! Eu... eu não consigo controlar!”
Christian sentiu o coração apertar. “Mas você ainda é você, Cate! Por favor, volte para mim!” Ele queria quebrar aquela barreira, queria que ela visse que, apesar da monstruosidade à sua volta, ainda havia um caminho de volta. Mas enquanto o olhar dela se endurecia, Christian percebeu que precisava agir. Ele não poderia apenas esperar que ela reconhecesse a si mesma. Ele precisava entrar na escuridão com ela, enfrentá-la e trazer a luz que ainda existia em seu interior. “Cate, eu não vou desistir de você,” ele disse, a sinceridade transparecendo em cada palavra. “Nós somos mais fortes do que isso. Você é mais forte do que isso.” Ele deu mais um passo, sua determinação sólida como a rocha sob seus pés. “Se você tiver que lutar contra essa besta, então eu lutarei ao seu lado. Não importa o quão sombria a noite se torne. Eu vou estar aqui, e você não vai enfrentar isso sozinha.” O rosnado de Catarine começou a murchar, e em seu olhar, Christian viu uma fraqueza. Era um pequeno fio de esperança, mas o suficiente para que ele soubesse que ainda havia uma chance.
Christian, movido pela determinação e pelo amor inabalável que sentia por ela, avançou mais alguns passos, seu corpo tenso, mas o coração aberto. Ele estendeu o focinho e o encostou suavemente no dela, como se tocasse uma alma ferida. Sentiu o tremor que ainda percorria o corpo de Catarine, o rastro da brutalidade que ela não conseguia controlar, mas também sentiu a vulnerabilidade, a fragilidade escondida sob toda aquela fúria. E então, algo se quebrou dentro dela. Catarine deixou escapar um uivo baixo, um som carregado de dor, como se finalmente estivesse liberando toda a angústia e culpa que havia trancado dentro de si. A melodia do uivo era um lamento primal, cru e sincero, e Christian sentiu o impacto daquela dor como se fosse sua. Ele envolveu o focinho dela com o seu, oferecendo o calor da presença dele, o amparo que ela precisava, sem qualquer julgamento. Catarine deixou-se afundar naquele conforto, uivando em pequenos soluços de lobo, cada som sussurrando uma nova ferida, cada lamento uma nova verdade.
Naquela clareira, sob a luz fria da lua cheia, eles se abraçaram em sua forma lupina, as pelagens contrastantes — o branco de Christian, o negro de Catarine — mesclando-se numa união que transcendia o peso de qualquer maldição. Ele manteve o focinho próximo ao dela, suas cabeças encostadas enquanto ambos se entregavam àquele momento, em silêncio, apenas respirando, enquanto o mundo ao redor parecia diminuir até desaparecer. A noite passou em lentos minutos que se transformaram em horas, e, quando o céu começou a clarear no horizonte, o corpo de Catarine tremeu, dando os primeiros sinais de que a transformação estava cedendo. A luz da lua foi substituída por um suave toque de aurora, e com a primeira luz do dia, suas formas humanas começaram a emergir novamente. Christian continuou ali, seus braços substituindo as patas, envolvendo-a com um abraço firme, prometendo sem palavras que ela não estaria sozinha, independentemente da escuridão que a rodeasse. E quando o sol finalmente despontou, dissipando os últimos resquícios da noite, Christian segurou Catarine em seus braços, sem soltar, o olhar firme, certo de que, juntos, encontrariam um caminho de volta.
Christian caminhava pela trilha deserta da floresta, o peso de Catarine nos braços era um contraste doloroso ao que ele carregava no peito. Ela dormia profundamente, exausta da transformação e das monstruosidades que, naquela noite, haviam finalmente desmoronado sobre ele. O rosto de Catarine, sereno no sono, lembrava-lhe a mulher pela qual se apaixonara, mas a imagem da loba negra e sanguinária não saía de sua mente. Enquanto caminhava, seus pensamentos se enredavam em sentimentos confusos e devastadores. Ele a olhava dormindo e via uma mistura de amor e ódio, cada qual lutando por espaço no coração que já havia dado a ela sem hesitar. Uma angústia silenciosa corroía sua alma. E, sob tudo isso, um medo denso, terrível — o que mais ela estaria escondendo? Em que ela havia se tornado? Chegando em casa, Christian empurrou a porta e, cuidadosamente, deitou Catarine na cama, puxando as cobertas sobre seu corpo adormecido. Por um momento, ele observou a quietude que se assentava sobre ela, a aparência quase angelical que agora parecia ser uma cruel ironia. Sem saber como extravasar a dor e a frustração, ele arrastou uma cadeira até a beira da cama, deixando-se cair sobre ela, as mãos ainda trêmulas.
"Por que ela escondeu uma merda assim de mim?" murmurou, a voz baixa carregada de incredulidade. Ele fechou os olhos, tentando afastar a imagem de Catarine rosnando, protegendo o corpo indefeso daquela criança como se fosse uma presa qualquer. Era ela mesma? Era uma outra parte dela que ele nunca conheceu? Ele não sabia. Levantou as mãos, esfregando as têmporas com força, como se pudesse arrancar a dor e a raiva ali alojadas. Esperaria que ela acordasse, pacientemente, mas sabia que as palavras precisariam vir à tona, que agora não havia mais volta. Catarine acordou aos poucos, as pálpebras pesadas pelo cansaço, a luz da manhã filtrando-se pelo quarto. Quando seus olhos focaram em Christian, parado ali à sua frente, ela congelou. Ele a encarava com uma intensidade implacável, o rosto marcado pela raiva, pela dor — pelo desgosto. Ela quis desviar o olhar, esconder-se, e puxou a coberta sobre o rosto, tentando proteger-se da devastação que causara. Mas Christian não permitiria mais evasivas. Com um movimento brusco, ele arrancou a coberta das mãos dela. "NÃO!", gritou, a voz firme, mas com um tom quebrado, os olhos cheios de uma fúria contida e desesperada. “Você vai me explicar que merda está acontecendo AGORA! Sem mentiras, Catarine!” Ela abriu a boca, mas nenhuma palavra saía; a vergonha e o medo apertavam-lhe a garganta. Tentou se esconder de novo, mas ele não desviou o olhar.
"Ontem... eu vi a mulher que eu amava devorando uma criança com a idade do nosso filho, Caleb!", ele disse, a voz quase um sussurro desesperado. "Catarine, aquela criança poderia ter sido nosso filho!" O peso de suas palavras caiu sobre ela como uma tempestade. O que poderia dizer? Como explicar os meses de segredos, de sangue e de culpa? Ela sentiu o rosto queimar de vergonha e angústia, as lágrimas lhe brotando nos olhos. "Christian..." começou, mas a voz saiu um sussurro fraco. "Eu... eu não sei por onde começar..." Ele a interrompeu, a voz trêmula de frustração e medo. "Então começa do começo. Eu só quero a verdade, por mais cruel que seja." Catarine olhou para ele, a profundidade de sua dor refletida nos olhos dele. A garganta dela parecia fechada, mas ela sabia que não podia mais fugir. Respirou fundo, sentindo um peso indescritível em cada palavra que precisava dizer. "Foi... Eros. Ele me transformou, mas não foi apenas a licantropia que ele me deu. Ele impôs... uma fome, uma escuridão que eu não consigo controlar." Ela baixou o olhar, engolindo a vergonha. "Eu tentei lutar contra isso. No começo, era algo pequeno, um sussurro... mas agora... é como se ele tivesse me feito um monstro."
Christian cerrou os punhos, o rosto endurecendo enquanto ela falava, mas ele não interrompeu. "Eu pensei que poderia esconder de você. Que talvez eu conseguisse encontrar uma cura, uma maneira de me livrar dessa... dessa maldição sem que você precisasse saber." As palavras saíam aos tropeços, e o olhar dela estava perdido em algum lugar entre arrependimento e uma raiva que nunca deixava de arder. "Então, você me usou, Catarine. Usou o nosso amor para me enganar." A voz de Christian estava carregada de ressentimento. "Enquanto eu estava dormindo, acreditando que estávamos juntos em tudo, você estava lá fora, assassinando crianças... como se fosse uma fera sem alma!" Ela sentiu cada palavra como uma faca cravada no peito, mas assentiu, os olhos turvos de lágrimas. "Eu não queria, Christian! Você acha que eu queria isso?" A voz dela quebrou, quase como um pedido de perdão. "Eu me odeio por isso, odeio cada instante dessa... maldição! Mas eu não podia te dizer... tinha medo de te perder, de que você me odiasse." Christian ficou em silêncio, respirando fundo, tentando conter a tempestade dentro de si. Ele a amava profundamente, mas agora o horror da verdade estava ali, à sua frente.
"Eu não sei se posso te perdoar por isso, Catarine." A voz dele foi baixa, mas firme. "Mas uma coisa é certa: você precisa escolher. Porque se essa escuridão continuar... eu não vou colocar Caleb em perigo. E eu não vou assistir você se perder nisso sem lutar." Ela encarou Christian, e pela primeira vez em meses, permitiu que toda a dor e culpa fluíssem em lágrimas silenciosas. Nos dias seguintes, a casa que antes era um refúgio de amor e tranquilidade tornou-se palco de confrontos e tensões inescapáveis. Cada palavra trocada entre Christian e Catarine parecia um grito de desespero, uma tentativa frustrada de alcançar o outro por entre a escuridão que agora os separava. A presença constante de Caleb, pequeno e confuso, observando os pais aos prantos e em brigas, apenas intensificava o peso das discussões. Ele se encolhia em um canto, os olhos arregalados e assustados, incapaz de entender por que o lar tão seguro de antes estava se transformando em um pesadelo.
Uma noite, a tensão explodiu de vez. Christian encarou Catarine com os olhos avermelhados e a voz carregada de ira. "Você fugiu essa maldita noite de novo para devorar mais crianças?" A voz ecoou pela casa, encharcada de frustração e desespero. Caleb se encolheu ao ouvir o grito, as pequenas mãos cobrindo os ouvidos. "Eu não consigo, Christian, eu não consigo parar!" Catarine respondeu com um tom quase de súplica, mas misturado com uma raiva latente, como se lutasse contra algo dentro de si. "Não consegue, ou não quer, Catarine?" A pergunta saiu como um veneno dos lábios de Christian, amargo e carregado de dor. Ela o olhou por um longo momento, tentando formar uma resposta, mas a culpa e o desespero em seu coração a deixavam em silêncio. Ela sabia que Christian a via, cada vez mais, como uma estranha, como um perigo — e, o que era pior, ela temia que ele pudesse estar certo. No silêncio pesado que se seguiu, Caleb desceu do canto onde estava e se aproximou da mãe, puxando a barra de seu vestido, os olhos inocentes buscando alguma explicação. Sem saber o que fazer, Catarine se abaixou e o abraçou, lágrimas silenciosas rolando pelo rosto. Christian observava a cena, dividido entre a vontade de protegê-la e o medo crescente do que ela estava se tornando.
A descoberta da segunda gravidez, algo que em outra época teria sido recebido com uma alegria imensa, trouxe para o lar uma atmosfera ainda mais sombria e carregada de tensão. Christian ficou atordoado ao ouvir a notícia, a expressão dele congelada entre a felicidade impossível e o medo arrebatador. A sombra do que acontecera durante as últimas luas cheias agora pesava de forma insuportável sobre o futuro da nova criança. Ele temia o que aquela transformação sombria dentro de Catarine significaria para o bebê. A cada dia, um peso novo parecia se acumular sobre o peito de ambos. Catarine, dividida entre a alegria de carregar uma nova vida e a culpa imensa por suas ações, lutava para acreditar que poderia ser a mãe que seus filhos precisavam. Mas a escuridão que se enraizava em seu coração a enchia de incerteza e desespero. Ela sabia que Christian estava ficando cada vez mais distante; o olhar dele, antes tão amoroso, agora era uma mistura de cautela e medo. O som constante das brigas, que ela sabia que Caleb não conseguia deixar de ouvir, tornava insuportável cada dia e cada noite naquela casa.
"Nós não podemos fazer isso," Christian murmurou certa noite, a voz áspera e quase inaudível, como se estivesse falando consigo mesmo. "Não enquanto você continuar... assim." Catarine o olhou com uma expressão vazia, a mão instintivamente repousando sobre o ventre onde a nova vida crescia. "Você acha que eu quero isso? Que eu não... luto para não ser assim?" Sua voz tremia, misturando raiva e dor, e cada palavra soava mais frágil, mais desesperada. "Então lute mais, Catarine!" ele explodiu, a voz saindo muito mais alta do que pretendia, fazendo Caleb sobressaltar-se no quarto ao lado. "Se você ainda me ama, se ama nosso filho, nossa família... então lute contra essa coisa. Por todos nós." Mas, enquanto os gritos ecoavam pelo lar, o que restava de carinho parecia desmoronar ainda mais. A gravidez, que antes teria unido os dois em celebração, agora tornava-se uma nova ferida, uma lembrança constante do abismo que se ampliava entre eles. Caleb, sensível ao sofrimento dos pais, começou a andar pela casa em silêncio, evitando os olhares dos dois, e sentindo o medo crescente de um irmãozinho que, desde já, parecia carregar o fardo de toda a escuridão que ameaçava consumi-los.
A manhã amanheceu cinzenta e pesada, os primeiros raios de sol atravessando as janelas da cabana em um contraste cruel com a tensão que fervia dentro dela. Catarine tinha voltado para casa com os vestígios do horror ainda pairando sobre seu semblante, a sombra de suas ações mais sombrias refletida no olhar distante. Christian, que a havia seguido na noite anterior, estava destroçado, mas também tomado por uma raiva que nunca sentira antes. Ele mal conseguia olhar para ela sem que uma tempestade de emoções explodisse em seu peito. “Mais três crianças, Catarine?!” ele vociferou, sua voz reverberando pelas paredes como um trovão. “Quantas mais você vai matar até perceber o que está fazendo? Até perceber que não pode continuar assim!” Ela baixou o rosto, a vergonha e a culpa escurecendo seu olhar. “Eu... eu não consigo controlar isso, Christian. Eu tentei, juro que tentei, mas é como se algo mais forte estivesse me puxando para a escuridão. Eu...”
“Chega de desculpas!” ele interrompeu, a mão tremendo de frustração e raiva contida. “Eu te dei a chance de me contar, de me deixar ajudar, mas você me escondeu isso! Você me fez assistir a cada atrocidade e me deixou impotente para impedir!” “Eu não queria te envolver nisso, eu...” ela começou a falar, mas foi interrompida novamente, com um misto de desespero e raiva nos olhos. “Você já me envolveu, Catarine!” ele gritou, avançando um passo em sua direção, a voz carregada de mágoa e fúria. “Se você matar mais uma criança… mais uma sequer… eu juro, eu vou arrebentar você!”
Antes que pudesse controlar o impulso, a mão de Christian ergueu-se e atingiu-lhe o rosto com força. O estalo do tapa ecoou pelo silêncio da cabana, chocando ambos com a brutalidade daquele momento. Catarine cambaleou, levando a mão ao rosto enquanto uma lágrima escorria pela sua face, mas ela não reagiu. O olhar dela encontrou o dele, cheio de um misto de dor e descrença. Christian, ainda tomado pela fúria, sentiu a realidade daquele gesto pesar em seu corpo. A mão que a atingiu agora tremia não só de raiva, mas de arrependimento, de algo que ele jamais imaginou que pudesse fazer. “Cate… eu…” Ele tentou se explicar, mas a própria voz falhou diante do abismo que agora se abria entre eles. Catarine afastou-se um passo, o olhar cheio de uma ferida que jamais seria curada, e uma tristeza profunda tomou conta do ambiente, como se ambos tivessem perdido algo irreparável naquele instante.
No instante seguinte ao tapa, enquanto o eco do som ainda pairava pela sala, Christian sentiu um arrepio atravessar sua espinha. Ele virou a cabeça, e seu coração quase parou ao ver Caleb parado no batente da porta, os olhinhos arregalados, petrificados de medo e confusão. A mãozinha do garoto segurava um lobo de madeira, um brinquedo de Catarine havia feito com tanto amor para ele e que agora, o garoto o agarrava com força, como se agarrasse ao único pedaço de segurança que lhe restava naquele ambiente que antes era um lar, mas agora parecia um campo de batalha. Caleb não disse nada. Seu pequeno rosto estava congelado em um misto de medo e descrença, e era claro que ele não entendia tudo o que acontecia — mas ele entendera o suficiente. Ele acabara de ver o pai que sempre admirara, o homem forte e protetor, levantando a mão contra a mãe, que ainda trazia o peso de outro filho em seu ventre. Christian sentiu-se pequeno, afogado pela culpa. A expressão de Caleb pesava mais que qualquer acusação, mais do que qualquer palavra que Catarine pudesse dizer. Ele tentou se aproximar do filho, sua mão estendida em um gesto de desespero. “Caleb... meu filho... eu... isso...” Caleb deu um passo para trás, apertando o lobo contra o peito, a confusão estampada nos olhos, como se estivesse tentando entender por que o pai — seu herói — faria algo tão terrível. A realidade daquela distância recém-criada entre eles despedaçava Christian por dentro. Ele tentava engolir as palavras, mas elas morriam na garganta, afogadas por um mar de arrependimento e vergonha. “Não... não é o que parece, filho. Eu... eu só...”
Mas não havia como explicar, não havia como suavizar o que Caleb acabara de testemunhar. Catarine, ainda com o rosto marcado pelo tapa, olhou para Christian com uma dor que parecia mil vezes mais profunda agora. Ela se aproximou de Caleb, abaixando-se para abraçá-lo, como se quisesse protegê-lo da presença de Christian, mesmo que só naquele momento. E, enquanto Caleb abraçava a mãe de volta, Christian sentiu uma ruptura que ele temia ser irreparável. O lar que antes era seu porto seguro agora desmoronava, e ele via nos olhos de seu filho e de sua esposa a fratura que ele, naquele momento, ajudara a causar. Catarine tentou racionalizar, buscando nos cantos mais escuros de sua mente uma justificativa, algo que diminuísse a dor que pulsava muito além da pele marcada pelo tapa. A sociedade, afinal, lhe ensinara que isso era parte da vida de muitas mulheres; ela vira isso em sua própria mãe e crescera ouvindo os sons abafados de sua mãe chorando após cada agressão. Mas aquilo ali, naquela manhã fria e silenciosa, era diferente.
O rosto de Christian não era o do seu pai, mas, por um instante, o olhar furioso dele sobre ela havia sido o mesmo. Era como se todas as cicatrizes que ela lutara tanto para esquecer tivessem sido arrancadas à força, abertas novamente com uma brutalidade que ela nunca esperaria daquele homem. Ela sempre acreditara que Christian era diferente, que o amor dele era maior, capaz de quebrar o ciclo de violência que assombrava sua própria família. Mas agora… agora ela não conseguia deixar de sentir que, talvez, estivesse enganada. E essa dor — a dor de ser ferida não só fisicamente, mas emocionalmente, por alguém que prometera protegê-la — era insuportável. Enquanto Caleb a abraçava com força, buscando segurança, ela o acolheu de volta, lutando contra o nó que apertava sua garganta. Estava tão exausta, cansada da maldição e da culpa, e a ideia de expor seu filho a tudo aquilo a destruía. Christian ficou parado, imóvel, observando, enquanto a culpa e o arrependimento tomavam conta dele. Ele via a distância crescer entre eles a cada segundo, e, embora quisesse se aproximar e pedir desculpas, sabia que qualquer palavra seria insuficiente para curar a ferida que ele mesmo causara.
O nascimento do segundo filho do casal ocorreu em um momento de intensa tensão, mas, desta vez, Christian não estava presente. A distância entre eles se tornara tão grande que ele nem se aproximou da cabana no dia do parto. Enquanto Catarine lutava contra a dor e a ansiedade, o marechal do clã, Caspian, um velho amigo de ambos, estava ao seu lado, ajudando-a. Christian permaneceu do lado de fora, rodeado pelos membros da alcateia que cercavam a casa de Catarine, ansiosos pelo nascimento do segundo filho. Sentado ao lado de Demétrio, seu alfa, Christian parecia perdido em seus próprios pensamentos, preocupado com os conflitos que o cercavam. "Ontem eu vi duas mulheres sendo queimadas na fogueira," começou Demétrio, a frustração evidente em sua voz. Christian, no entanto, parecia distante, alheio ao que seu alfa dizia. "Motivo? Acusadas de bruxaria. Provas? Nenhuma." Demétrio cruzou os braços, incrédulo com a crescente agressividade dos humanos, mas Christian estava completamente fora de sintonia, absorvido por sua própria angústia. "Christian? Ei! Está me ouvindo?" Demétrio insistiu, mas Christian continuava imerso em seus pensamentos. A voz de seu alfa parecia abafada, como se estivesse em outra dimensão, até que um choro agudo rompeu o ar, trazendo-o de volta à realidade. "Christian! O caralho! Você me ouviu? Eu disse que seu filho nasceu!" Demétrio exclamou, e, finalmente, Christian despertou do transe, o coração acelerando ao compreender a profundidade daquele momento.
Christian levantou a cabeça lentamente, voltando seus olhos para a cabana de onde vinha o choro estridente de seu recém-nascido. Aquela vozinha frágil, o som que ele conhecia bem da chegada de Caleb, despertou nele um misto de sentimentos: orgulho, culpa, e uma tristeza esmagadora. Demétrio o chamava com insistência, tentando puxá-lo de volta à realidade. “Christian, seu filho nasceu,” repetiu o alfa, quase com raiva agora, ao perceber o quanto o amigo estava perdido em pensamentos. “Está entendendo o que eu estou dizendo?” Christian assentiu vagamente, mas o peso que sentia nos ombros o mantinha imóvel. Não era apenas a criança ali dentro; era todo o passado de brigas, as mágoas acumuladas, a desconfiança. Ele queria sentir alegria, mas o ressentimento e a distância que construíra entre ele e Catarine pareciam um muro intransponível. O som dos lobos da alcateia se aproximando para parabenizá-lo e celebrar a chegada do bebê começou a invadir o espaço. Christian percebeu olhares curiosos e até sussurros em torno dele, se perguntando por que ele ainda não tinha entrado. Alguns o parabenizavam de longe, mas a sensação de isolamento apenas se acentuava. Enquanto isso, a voz de Demétrio retomou sua intensidade. “Christian, entenda algo,” disse o alfa, firmando a mão no ombro dele, “filho é um presente. Um novo começo, mesmo que pequeno. Se não entrar agora, vai se arrepender.” Mas Christian não se mexia. Por um instante, ele teve uma visão do passado, quando Caleb nascera, e ele havia segurado aquele menino em seus braços, emocionado, cheio de planos e promessas. Agora, o som do novo bebê parecia um lembrete silencioso de tudo o que havia se perdido entre ele e Catarine. Finalmente, ele soltou um suspiro profundo, mas não deu um passo. Demétrio, vendo a hesitação persistente, recuou, permitindo que ele tomasse a decisão por conta própria. Christian, então, fechou os olhos, ouvindo o choro de seu filho ecoar, e ficou ali, parado, com um vazio que ele não sabia como preencher.
Dentro da cabana, a atmosfera estava carregada de emoção, mas Catarine parecia estar em um estado de transe. Caspian, com a delicadeza de um velho amigo, secava a criança que agora estava em seus braços. O pequeno tinha os mesmos olhos cor de mel de sua mãe e o cabelo castanho, um reflexo perfeito de Catarine. "É um menino, Catarine!" ele anunciou com um sorriso, mas a alegria do momento parecia distante. O choro do garoto ecoava na sala, mas, para Catarine, tudo soava como um eco distante, como se ela estivesse observando tudo de fora. Caspian envolveu a criança em um pano e, ao entregá-la a Catarine, um sorriso ainda hesitante se formou em seu rosto. Quando ela finalmente segurou o menino em seus braços, algo dentro dela despertou. O pequeno começou a se acalmar, como se sentisse o amor materno que o envolvia, mesmo em meio à tensão que permeava a casa. Caspian, percebendo que o momento precisava de um pouco de espaço, saiu da cabana. Ele se dirigiu a Christian, que ainda estava do lado de fora, cercado pelos outros membros da alcateia. "Ei, Chris, seu filho nasceu, cara, é um menino!" Caspian anunciou, a alegria em sua voz contrastando com a expressão ausente de Christian.
Christian levantou a cabeça, mas a frustração ainda dominava seu olhar. "Eu já tentei chamar ele várias vezes. Ele está fora de órbita," Demétrio comentou, revirando os olhos em desaprovação. Caspian balançou a cabeça, compreendendo a complexidade da situação. "O que está acontecendo com você, amigo? O seu filho precisa de você agora," disse ele, tentando trazer Christian de volta ao presente. Mas Christian permaneceu em silêncio, os pensamentos e as emoções tumultuados dentro dele, enquanto a realidade do novo filho continuava a se desenrolar ao seu redor. Dentro da cabana, a luz suave filtrava-se pelas fendas das paredes de madeira, criando um ambiente acolhedor, mas ainda carregado de tensão. Catarine estava sentada em um canto, com o pequeno Derik em seus braços, enquanto Caleb observava tudo com curiosidade e um brilho de amor nos olhos. Ele se aproximou da mãe, seu rosto ainda cheio de inocência, e olhou para o irmão recém-nascido. "Como ele vai se chamar, mamãe?" Caleb perguntou, a voz suave e cheia de expectativa.
Catarine hesitou por um momento, a pergunta ressoando em sua mente. Ela não queria dar um nome que pudesse carregar o peso da escuridão que agora a cercava. Mas, naquele instante, um nome familiar veio à sua mente, um nome que refletia tanto esperança quanto a dor do passado. "Derik..." ela respondeu, a palavra saindo de seus lábios sem entusiasmo, como se fosse uma obrigação mais do que uma escolha. "Derik?" Caleb repetiu, um sorriso tímido surgindo em seu rosto. "Meu irmãozinho vai se chamar Derik, mamãe?" "Sim, Derik Sastre," ela confirmou, olhando para o pequeno nos braços, uma mistura de amor e tristeza em seu olhar. A escolha do nome parecia carregada de significados, um tributo ao que poderia ter sido e ao que ainda poderia ser. Mas a alegria do momento não se igualava à ansiedade que se formava em seu coração. Enquanto Caleb olhava para o irmão com admiração, Catarine lutava contra os próprios demônios que a assombravam, questionando se conseguiria ser a mãe que Derik merecia, especialmente quando seus próprios instintos pareciam tão distantes da bondade que ela desejava transmitir. A cabana estava envolta em um silêncio quase sagrado, onde a esperança e a dor dançavam juntas, criando uma tensão palpável no ar.
Catarine observava o pequeno Derik em seus braços, mas sua mente estava longe, preenchida pela ausência de Christian. A cabana, que deveria ser um refúgio de alegria e amor, sentia-se opressivamente vazia sem a presença dele. O choro do bebê ecoava no espaço, mas a felicidade que deveria acompanhá-lo parecia distante. Ela olhou pela janela, buscando uma visão dele, mas apenas viu a silhueta de Caspian lá fora, gesticulando freneticamente. "Seja um maldito homem e pai e vá até lá agora mesmo!" Caspian gritava, sua voz cortando o ar com a urgência de alguém que percebe a fragilidade da situação. As palavras dele reverberaram na mente de Catarine. Ela queria que Christian estivesse ali, que visse Derik, que sentisse a conexão que um novo nascimento trazia. A angústia em seu coração crescia ao pensar em como eles se distanciaram, como suas brigas e desentendimentos construíram uma barreira entre eles que parecia intransponível.
Ela olhou para o pequeno nos braços, os mesmos olhos cor de mel que ela reconhecia, e a dor da ausência de Christian se intensificou. Ele deveria estar ali, participando daquele momento tão importante, compartilhando a alegria e a responsabilidade da paternidade. Mas, ao invés disso, ele permanecia do lado de fora, perdido em seus próprios pensamentos, incapaz de enfrentar a realidade que os cercava. “Christian...” ela murmurou, a esperança se misturando com a tristeza. O que tinha se tornado de sua família? O que tinha acontecido com o amor que antes os unia? Enquanto a voz de Caspian continuava a soar lá fora, Catarine fechou os olhos por um momento, desejando que tudo fosse diferente, desejando que ele estivesse ao seu lado, que eles pudessem superar as sombras que os assombravam juntos. Mas a realidade era dura, e o peso da ausência dele parecia sufocante. Catarine respirou fundo, tentando acalmar o turbilhão de emoções que a consumia. Ela olhou novamente para Derik, agora dormindo tranquilamente em seus braços, e sentiu uma onda de amor maternal inundar seu coração. "Você é meu milagre", sussurrou, acariciando a pequena cabeça do bebê, seus dedos se perdendo nos cachos castanhos. Mas mesmo esse momento de ternura não conseguia apagar a dor da solidão.
Do lado de fora, a tensão aumentava. Caspian estava impaciente, sua preocupação se transformando em frustração. "Christian, você precisa ir! Esse é o seu filho! Ele precisa de você!", gritou novamente, sua voz ecoando na clareira. Demétrio, ao seu lado, observava a cena com um olhar preocupado. Ele sabia que Christian estava lidando com muito mais do que a simples ansiedade de se tornar pai novamente; havia medos profundos e feridas que pareciam nunca sarar. Finalmente, Christian começou a se mover, seus pés pesados enquanto ele se aproximava da cabana. A mente dele estava em conflito. O que ele deveria dizer a Catarine? Como ele poderia confrontar a realidade de que, apesar de todos os problemas, eles acabaram de trazer uma nova vida ao mundo? Ele se sentiu como um espectador em sua própria vida, preso entre o desejo de estar presente e o medo do que poderia acontecer se ele estivesse. Assim que entrou na cabana, a atmosfera mudou. Catarine olhou para ele, seu rosto marcado pela vulnerabilidade e pelo medo. Christian hesitou, os olhos se encontraram, e em um instante, tudo parecia fazer sentido. Mas esse entendimento foi rapidamente ofuscado pela tensão acumulada entre eles. O silêncio se estendeu, pesado e palpável, enquanto ambos tentavam encontrar as palavras certas.
"Eu... eu estou aqui", Christian finalmente disse, sua voz baixa, quase um sussurro. Ele olhou para Derik, seu coração batendo mais rápido ao perceber que a criança que estava diante dele era, de fato, seu filho. "É um menino." As palavras saíram como um reconhecimento da realidade, mas seu tom ainda estava repleto de incerteza. Catarine olhou para o bebê, depois voltou seu olhar para Christian. "Ele se chama Derik", disse, sua voz um pouco hesitante. "Eu queria que você estivesse aqui para isso." A frustração que antes dominava Christian se dissipou um pouco, substituída por uma nova onda de emoção. "Eu também queria. Eu deveria ter estado. Desculpe por não ter vindo antes", admitiu, o peso da culpa se acumulando sobre seus ombros. Ele queria saber como seria ser pai daquela nova vida, mas a sombra do que acontecerá antes ainda pairava entre eles como um fantasma. Catarine respirou fundo, tentando conter as lágrimas que ameaçavam escapar. "Eu só... eu não sei como lidar com tudo isso, Christian. Eu não sou a mesma pessoa que eu era antes." A sinceridade em suas palavras cortou ainda mais a distância entre eles. Christian se aproximou, um passo de cada vez, até que finalmente ficou ao lado dela, olhando para o pequeno Derik em seus braços. "Eu sei. E eu não espero que você tenha todas as respostas agora. Mas estamos juntos nessa. Eu prometo que vou tentar."
Por um momento, tudo parecia possível. No entanto, a dor das brigas e da violência ainda pairava no ar, como um lembrete sombrio de que a recuperação não seria fácil. Mesmo assim, ao olhar para Derik, ambos sentiram um pequeno fio de esperança começar a se formar entre eles, como um fio de luz em meio à escuridão. "Vamos tentar, pelo nosso filho", disse Christian, estendendo a mão para acariciar a cabeça do bebê. Catarine assentiu lentamente, um pequeno sorriso se formando em seus lábios enquanto ela observava a conexão se formar entre os dois. Era apenas o começo, mas pela primeira vez em muito tempo, havia uma sensação de possibilidade. A estrada à frente seria difícil, mas estavam determinados a dar um passo de cada vez, juntos. Naquela noite, a cabana estava envolta em um silêncio suave, interrompido apenas pelo sussurro da brisa e o som suave da respiração tranquila de Caleb, que dormia ao lado deles. Christian estava deitado ao lado de Catarine, seu corpo próximo ao dela, a segurança e o calor que emanavam dela proporcionando um alívio temporário da tempestade emocional que ainda se agigantava em seu peito. Derik, o novo membro da família, aninhava-se nos braços dela, e a imagem era um retrato de ternura.
Catarine começou a cantar uma canção de ninar, sua voz suave e melódica preenchendo o ambiente. As palavras eram um eco de amor e esperança, um lembrete de tudo o que uma vez acreditaram. Christian fechou os olhos, deixando-se levar pela música. Cada nota que ela entoava parecia curar um pedaço de seu coração, mas ao mesmo tempo, lembrava-o do abismo que se abria entre eles, causado pelas dores e desafios que haviam enfrentado. Quando a canção chegou ao fim, o silêncio que se seguiu foi carregado de emoção. Christian, não conseguindo conter o impulso, puxou Catarine mais para perto, envolvendo-a em seus braços. Ele a segurou com força, como se temesse que ela pudesse se dissipar, como um sonho que se desfaz ao acordar. “Me perdoe... Cate”, murmurou, a voz embargada. Catarine virou-se para encará-lo, os olhos cheios de confusão e tristeza, mas também com um brilho de esperança. “Christian, eu…” Ela hesitou, buscando as palavras que pareciam sempre escapar no momento em que mais precisavam ser ditas. “Eu não sei como fazer isso direito”, ele continuou, a sinceridade em seu tom era palpável. “Eu não sei como lidar com o que aconteceu, mas eu quero tentar. Eu não quero perder você novamente. Não com nossos filhos aqui.” Catarine suspirou, seu coração apertando-se ao ouvir a dor e a vulnerabilidade na voz dele. “Eu também não quero perder você. Mas eu estou assustada, Christian. Medo de não ser a mãe que Derik e Caleb merecem, de ser quem eu sou… quem eu me tornei.” A honestidade em suas palavras era um fardo pesado, mas também um passo em direção à cura. “Você é uma mãe incrível, Cate”, ele disse, a determinação em sua voz se fortalecendo. “Olhe para ele. Ele já é tão amado. E não importa o que aconteça, sempre estaremos juntos nisso. Precisamos ser uma equipe, como antes. Por Derik e por Caleb.” Ela olhou para o pequeno em seus braços, o rosto inocente e tranquilo do bebê parecendo tão sereno sob a luz suave da lua que entrava pela janela. Aquela criança, aquele pequeno ser, era a prova viva de que ainda havia esperança. “E se eu não conseguir me controlar? E se eu machucar vocês de novo?”
Christian balançou a cabeça, suas mãos acariciando o braço dela de maneira protetora. “Não podemos viver com o que poderia acontecer, Catarine. Precisamos enfrentar isso juntos. A escuridão pode nos perseguir, mas juntos podemos encontrar a luz.” As palavras dele penetraram em seu coração, e, por um instante, a sombra que pairava sobre eles pareceu dissipar-se um pouco. Com um gesto delicado, ela colocou a mão sobre a bochecha de Christian, seus olhos se encontrando em uma conexão profunda. “Eu quero acreditar nisso.” “Então acredite”, ele respondeu, e ela viu a sinceridade em seus olhos. “Estamos juntos, não importa o que aconteça. Vamos fazer isso juntos. Eu estou aqui, e estarei sempre.” Com isso, ela se aproximou e o beijou suavemente, um gesto simples, mas carregado de significado. O toque de seus lábios era um lembrete de que, apesar de todos os desafios e dores, havia amor entre eles. E assim, naquela noite, enquanto Caleb e Derik dormiam pacificamente ao seu lado, eles se permitiram sonhar novamente, a esperança renascendo entre os pedaços quebrados de suas almas. Era o início de um novo capítulo, e, apesar de todas as incertezas que ainda aguardavam, a determinação de se reconectar os envolveu como um manto, aquecendo-os em meio à escuridão.