Pequena, de renda cor-de-rosa fúcsia. A calcinha que Bernardo usava sob o jeans um pouco largo, modelo baggy, ficava à mostra por exigência de Mateus, que disse ao amigo para baixar o cós da calça uns bons dez centímetros, exibindo parte das nádegas. Era inverno, por isso a blusa e a jaqueta cobriam a cintura. Para pagamento da aposta, portanto, Bernardo precisava levantar a parte de cima da roupa.
O combinado foi: eles se postariam na entrada do prédio da faculdade e o perdedor ergueria a vestimenta para que Mateus pudesse tirar dez fotos. Nesse meio tempo, todos que passassem deveriam ser informados de que ele havia perdido uma aposta.
Um pequeno público de bem-humorados curiosos assistiu ao ensaio, rindo respeitosamente. Bernardo, que de tímido não tinha nada, estava participando da farra e ria junto. Ele posava ora empinando a bunda e com o dedo na boca, sensualizando, ora erguendo os braços, imitando modelos masculinos, exibindo o abdômen trincado e as laterais de renda. De qualquer forma, o divertimento era generalizado.
Mateus disse que não publicaria as fotos por enquanto. Iria guardá-las para poder chantagear o amigo quando necessário. Os dois se xingaram, ainda dando risada, e foram para a aula.

Renata continuou fazendo de tudo para desencontrar Bernardo e estava conseguindo. Os dias foram passando. Já era primeira semana de junho. Chegou em casa cansada do trabalho. As suas pernas amoleceram quando se deu conta de que devia ter menstruado há uma semana, porém nada de descer. Sentiu que ia desmaiar, foi até o quarto e sentou na cama, se caísse, não cairia no chão, pelo menos. Preciso tomar uma atitude. Não posso ser fraca como fui da primeira vez.
Pediu pelo aplicativo o delivery da farmácia. Tentou se tranquilizar, afinal, tinha tomado a pílula, não tinha? Sabia que devia ter tomado imediatamente e que só havia tomado três dias depois, mas ainda havia proteção, não? Consultou o aplicativo de controle do ciclo e aquele sábado fatídico estava em pleno período fértil. Tremia quando recebeu o pacote das mãos do entregador. A Carol disse: tenho mais de quarenta, a chance de engravidar é bem menor. Calma, calma, calma.
Entrou no banheiro com a caixinha, mentalizando as palavras da amiga como se fosse um mantra, entremeando com frases sobre a eficácia da pílula.
Encarou a tira de papel molhado durante os longos cinco minutos que o teste levava para agir. Duas linhas. Duas linhas. DUAS LINHAS.
De uma hora para outra, Renata tinha dezenove anos novamente. Sentia-se desamparada, sozinha, sem saber o que fazer. Pânico. A ideia, aquela ideia, amorfa, sondava sua mente como uma densa neblina. Precisava de juízo, de calma, de reflexão. Por outro lado, ela tinha quarenta e um anos, uma profissão, uma vida segura e confortável. Não dependia de ninguém, era dona de si, não devia satisfações a quem quer que fosse. Alguém podia achar ruim e aí? Foda-se.
Havia, porém, outra pessoa envolvida na situação. Outra pessoa que, talvez, devesse ser informada. “Acho que, talvez, isso não se encaixe na vida que levo. Do jeito que sou… Sei lá.” “E eu teria capacidade de assumir a mãe? De acordo com você, eu não presto e isso é de fábrica, mesmo.”
Puta que pariu, Renata, você deu pra mil homens com idade e capacidade para isso, mas tinha que esquecer a camisinha justo com um menino que nem terminou a faculdade! E, pior ainda, foi tão tonta que ficou pensando no que sente por ele e esqueceu de tomar a pílula imediatamente! Se não fosse a Carol, você sequer lembraria?, ela se recriminava.
Precisava pensar. Baixar a poeira, ver o que fazer. Era uma mulher feita e muitas vezes chegara a pensar nisso, primeiro com Márcio, depois sozinha. Já tinha desistido e era realmente uma surpresa, não podia, no entanto, dizer que não daria conta. Daria, não?
Queria fazer isso sozinha? Precisava pensar. A principal dúvida era: deveria falar com Bernardo?

A semana foi longa tanto para Bernardo quanto para Renata, por motivos diferentes. Ele pensava sem parar em procurá-la para dizer-lhe que gostava dela. Queria ser o mais honesto possível e deixar que ela decidisse o que fazer.
Tinha certeza de que, dessa vez, ia dar certo? Não. Mas, pelo menos, queria tentar com todo o coração. Não queria fazer nenhum mal a Renata, antes de magoá-la, seria sincero. Esse era o pacto que pretendia oferecer-lhe.
Ela, por sua vez, também planejava conversar com ele e contar-lhe a novidade. Depois do que tinha passado, estava preparada para qualquer reação: que duvidasse dela, que sugerisse repetir o que fizera no passado, que simplesmente não se importasse. Até por uma reação positiva um pequeno pedaço dela esperava. Essa partezinha otimista era, todavia, minúscula. De qualquer forma, pretendia cortá-lo da sua vida se fosse necessário.
Na quarta-feira daquela semana, em pleno dia dos namorados, Bernardo completou 22 anos. Comemorou indo para uma boate com Yan, Murilo, Caio, Mateus e Jasmine. Bebeu, dançou, viu várias mulheres bonitas lhe lançando olhares interessados e, mesmo assim, não sentiu impulso de chegar em nenhuma delas.
Havia decidido que só estaria disponível quando Renata lhe dissesse um “não” alto e claro. Ela já o tinha rechaçado antes, mas, para ele, fora em outros termos. Ali era um Bernardo que não pretendia prestar, enquanto agora sabia que gostava dela com mais do que o corpo, que algo dentro dele palpitava por ela — além do seu pau. Ela simplesmente precisava saber disso antes de lhe dar uma resposta.
O sábado amanheceu cinza. Renata abriu as cortinas e olhou pela porta balcão da sacada para o céu pesado. Pareceu-lhe mau agouro. Saiu do banho e vestiu apenas seu roupão de inverno.
Tomava café com torradas quando ouviu batidas na porta. Suspirou e foi atender. Pressentiu que seria Bernardo e não estava errada. Em outro abrigo de moletom, perfumado, ele a fitava com um olhar que ela não compreendia totalmente.
— Bom dia… Preciso falar com você. — ele anunciou, grave.
Renata sentiu o coração na garganta. A urgência do que precisava dizer atropelou em sua mente o interesse pelo que ele diria.
— Bom dia. É uma coincidência, porque eu ia ainda hoje lá ao seu apartamento para falar com você. Entra.
Ela deu espaço e o vizinho entrou, indo para o sofá e sentando-se sem convite. A dona da casa se acomodou ao lado dele. Entreolharam-se. Diante dele, ela começou a se acovardar.
— Fala você primeiro. — pediu ela.
Bernardo estalou os dedos, olhando para as mãos, antes de encará-la de novo e começar.
— Rê… Várias vezes você disse que eu não prestava e eu nunca discordei de você, nunca te corrigi… Mas, na verdade, depois que ficamos, desde a primeira vez, não conseguia esquecer você. É isso, fiquei mesmo muito interessado, confesso.
Ainda com o pensamento preso no que precisava contar, Renata fazia que sim com a cabeça, ansiosa, dispersa.
— Só que continuei achando que não. Não queria enxergar a realidade. Então eu apostei uma coisa com o Mateus.
Ouvir “apostei” subitamente atraiu a atenção de Renata.
— Como assim “apostou”? — perguntou ela, franzindo o cenho.
— Apostei que usaria calcinha na faculdade se me envolvesse com você. Digo, emocionalmente… se surgissem sentimentos… — despejou ele, um pouco atrapalhado.
Renata o encarava, paralisada, com a boca aberta e a mão no ar, como se fosse falar algo que não saía.
— Você…? Você o quê, Bernardo??? — perguntou ela, duvidando e deixando a mão cair no colo.
— Eu… eu… Garanti a ele que não ia… gostar de você. E…
A cabeça de Renata começou a girar. Filho da puta, ele estava brincando o tempo todo! Brincando… como o moleque que ele é! De onde eu tirei a possibilidade do Bernardo levar alguma coisa a sério?
— Bernardo, eu achei que você estava na faculdade e já pensava que era jovem demais, mas você se superou. Você agiu como se estivesse no ensino fundamental, garoto! Ah, como eu me arrependo de ter te dado corda! — disse ela, pulando do sofá e começando a ficar outra vez em pânico, andando pela sala.
— Você não entendeu! O que aconteceu com essa aposta foi que… — Bernardo tentou explicar.
— Uma aposta, Bernardo! A merda de uma aposta, como se você estivesse em uma comédia romântica juvenil dos anos 90! Por acaso você tem alguma noção de que está brincando com coisas sérias, com a vida das pessoas?
Bernardo olhava para Renata já um pouco acuado, como uma criança sofrendo uma reprimenda. Imaginava que ela talvez não gostasse muito da ideia da aposta, a fúria, no entanto, lhe parecia um tanto descabida. Não entendia bem o porquê, mas era como se tivesse feito algo mais grave do que a brincadeira com o amigo.
— Desde o início, em momento algum, eu pretendia te magoar, Rê… Só fiz esse tipo de aposta com ele porque achei que você era tão desapegada quanto eu… Peraí, você tinha algo para me dizer. O que era?
Renata enfiou os dedos pelo meio dos cabelos, desesperada. Cobriu o rosto com as mãos, depois esfregou as faces e deixou os braços caírem ao lado do corpo, inertes.
— Não tinha nada para te dizer, Bernardo, esquece. Nem vem mais ao caso.
Ele se pôs de pé, diante dela, baixando a cabeça para tentar encará-la.
— Claro que tinha, Rê! Diz, eu quero te ouvir.
— Já falei que não era nada, já disse pra esquecer. Achei que podia te dizer, mas você mostrou que não tem maturidade para ouvir.
Bernardo tentou abraçá-la, ela, porém, se desvencilhou.
— Você não pode me perdoar por ter feito essa aposta? Não fiz por mal, juro, Rê! Você sabe o quanto eu sou idiota, que estou sempre de palhaçada e brincando. Não foi sério!
Ela parou na frente dele, olhando em seus olhos firmemente, a expressão transformada em gelo.
— Exatamente. Não foi sério. Nada foi sério. Foi tudo uma grande diversão, como é a sua vida. Um verdadeiro parque de diversões onde não há nenhuma necessidade de ser responsável. Longe de mim estragar essa dinâmica que funcionou tão bem até agora.
Bernardo sentiu-se quebrar pelas palavras dela. Parecia um “não” realmente definitivo.
— Você tem certeza, Rê? Não quer falar? Não podemos conversar, nos entender? — arriscou ele.
Baixando a cabeça e negando, ela andou até a porta e a abriu. Suspirou fundo.
— Preciso ficar sozinha, Bernardo. Preciso que você saia.
Ele foi até a saída, onde voltou-se e fitou-a uma última vez.
— Desculpa, Rê, desculpa. Me perdoa por brincar com algo assim tão sério, sou realmente um idiota, jamais faria pra te machucar.
— Tchau. — disse ela, fechando a porta.
Do lado de fora, Bernardo não se animava a sair do lugar e voltar para seu apartamento. Por mais que quisesse insistir, por mais que doesse aceitar, entendera que Renata não queria. Era simples de entender. Ela não quer.
Do lado de dentro, contra toda a luta interna de Renata, lágrimas transbordaram pelo seu rosto e ela foi para o quarto, onde deitou-se. Por mais que fosse exatamente o contrário do ideal, precisava se conformar. Teria muito trabalho pela frente, seriam desafios depois de desafios por muitos anos — e tudo sozinha. Como sempre, sozinha. Ou melhor não? De qualquer jeito… sozinha.
A lembrança da aposta em um momento como aquele a deixou ainda mais triste. Depois de tentar se proteger por tantos anos, havia balançado por ele, enquanto ele… estava apenas brincando.
