Renata tinha um pouco de vontade de rir analisando Leandro naquela camisa social branca. A roupa parecia certa no comprimento, mas justa demais nos braços musculosos. Ele também não parecia estar muito confortável vestido daquele jeito, mesmo que usasse jeans na parte inferior. Lembrava uma criança vestida pelos pais para sair.
Ela sorveu um gole de vinho, fitando-o com um meio sorriso, de lado. Estavam frente a frente sentados à mesa de um restaurante italiano romântico, com meia-luz e clima intimista. Leandro respondeu sorrindo de volta, um pouco mais relaxado.
— Escolheu? — perguntou ele, enquanto ela analisava o cardápio.
Diante da afirmativa dela, o professor de musculação chamou o garçom e fez os pedidos.
— Então você se formou há vinte anos… — Leandro retomou a conversa. — Se formou cedo. Tinha doze anos, é? Você é algum prodígio?
Ela sorriu, envaidecida.
— Não, Lê… Eu já tinha 21 anos. Realmente foi um pouco cedo, mas é que sempre fui uma ótima aluna e não precisei fazer cursinho. Passei no primeiro vestibular que fiz.
O professor baixou a cabeça, segurando o riso.
— O que foi? Tá duvidando de mim?
Ele pegou a mão dela sobre a mesa e acariciou seu dorso com o polegar.
— De jeito nenhum! É que estou me comparando. Só passei no 4º vestibular que fiz, e fiz cursinho desde o 1º. Parecia que algumas coisas não entravam nessa cachola. — ele, enfim, riu.
Também descontraída, ela virou a mão para entrelaçar os dedos nos dele.
— Não esquenta com isso. Cada um tem seus próprios talentos, já dizia um amigo meu que é artista.
— E o seu é com as palavras, como é de se esperar de uma jornalista. Inclusive falou bonito. — elogiou ele.
Conversaram mais um pouco até que chegassem os pratos, entornando mais algumas taças de vinho. Pediram um tiramisù de sobremesa.
— Hummm… Está uma delícia! — Renata gemeu.
— Não faz assim… — brincou Leandro, lançando-lhe um olhar malicioso.
Ela começou a rir.
— O que foi? — perguntou, para em seguida lamber devagar o doce da colher.
Ele mordeu o lábio e olhou em torno antes de falar.
— Você é uma provocação ambulante, Rê… Parece que você tem uma aura de sensualidade, você emana vibrações que acendem desejos nos homens…
Sorrindo, Renata continuou comendo a sobremesa.
— Mas eu nem faço nada! Não sei do que você está falando…
— Ah, você sabe. Talvez você não faça de propósito, mas você com certeza sente que te querem. Você me faz pensar coisas desde que te vi pela primeira vez.
— Como assim? Que coisas? — ela perguntou sem tirar os olhos dos dele.
A mão de Leandro que estava sobre a mesa desceu para debaixo da toalha que a cobria. Renata tentou disfarçar o pequeno sobressalto quando sentiu que a mão dele deslizava por cima de sua coxa até a beirada do vestido justo e curto.
— Coisas do tipo o que eu faria com você no banheiro da academia se te pegasse lá sozinha… Coisas como entrar no chuveiro com você para te comer no banho…
— Sério? Só isso? — provocou ela, terminando de lamber a colher.
Os olhos dele pousaram nos lábios dela e ele instintivamente umedeceu os seus.
— Não é só isso… Primeiro eu ia te chupar toda e só depois que você já tivesse gozado na minha boca eu te levantaria para te foder encostada na parede.
— Me parece um bom plano. Na sua casa, na minha ou tem que ser agora e vamos para o banheiro deste lugar? — ela sussurrou, cheia de malícia na voz.
— Na minha casa. Vou pedir a conta.
Maio de 2002
Renata ainda sentia o rosto arder pelo sal das lágrimas quando saiu do hospital. Não conseguia esquecer dos olhares julgadores e até mesmo dos gestos bruscos durante seu atendimento. Estava sozinha. A única amiga que sabia de tudo, Carina, estava trabalhando, Renata tinha precisado sair às pressas para procurar auxílio médico e sequer avisara a colega.
Limpou o que restava do choro com as mãos e fungou. Seus olhos vermelhos estampavam o desamparo que sentia. Agarrou a bolsa pequena, transpassada, que levava, e olhou ao seu redor. O ponto de táxi era a poucos metros dali, mas ela não sabia se o dinheiro que tinha chegava para pagar o transporte. Caminhar era contraindicado, talvez ir de ônibus também fosse.
A brisa do fim de tarde nublada esfriava e um ventinho começou a soprar, fazendo-a se arrepiar e abraçar a si mesma, esfregando os braços que o vestido de alças florido deixava à mostra. Queria gritar, queria continuar chorando até esvaziar o peito, queria desaparecer. Mas não faria nada disso. Seguia, em choque, parada em meio à calçada, obrigando os transeuntes a desviar dela, fitando o vazio. Podia sentir a solidão gelando seus ossos. Queria o colo de sua mãe, mas ela não ia entender. Ela jamais entenderia.
Andou até perto da parede do hospital e abriu a bolsa. Contou os trocados na carteira, talvez desse justo pra descer mais ou menos perto da Casa do Estudante e ela pudesse caminhar o restante do caminho, uma quadra ou duas. Mas não podia depender do valor variável do taxímetro.
Aproximou-se do primeiro táxi da fila e negociou um valor fechado. O motorista, percebendo que ela saíra do hospital caminhando devagar, foi sensível e aceitou deixá-la em frente à moradia estudantil. A passageira observava o caminho pela janela como se visse um filme, algo muito, muito distante da sua realidade. A sensação de que aquilo não podia ter acontecido não a deixava. Há pouco mais de uma semana, naquele horário, estaria chegando ao seu quarto, indo para o banho para esperar por Thales. Ele chegaria e os dois gastariam o tempo namorando, entre conversas longas e interessantes, trocando beijos… transando. Baixou os olhos para o próprio colo, para as palmas das mãos vazias voltadas para cima, repousadas sobre as coxas. Carina, sua colega de quarto, havia lhe avisado, Renata não podia dizer que não sabia. Ela apenas não tinha acreditado que Thales pudesse ser tão egoísta e mesquinho, tão aproveitador, tão irresponsável. No fim, ela não o conhecia. A imagem do rapaz que amava havia se apagado como um desenho de giz com apenas uma conversa reveladora, pensou com amargura.
Foi com dificuldade e sentindo um pouco de dor que Renata subiu os três andares que a separavam do dormitório estudantil. Carina não chegara.
A garota caminhou até a cama e deitou-se, tentando se ajeitar de uma maneira mais ou menos confortável. Buscava reduzir o sofrimento físico, pelo menos, já que seu emocional estava abalado de um jeito que ela não sabia se e quando recuperar. Um sonho em hora errada, um sonho pelo ralo. Não conseguia deixar de se acusar de covarde e tentava se justificar para si mesma dizendo que não tinha culpa, que não tivera escolha. Era como se falasse com sua mãe, tão cristã, tão rígida, e ela a condenasse sem direito a defesa.
Eu só preciso descansar, tudo isso vai passar. O que não nos destrói, nos faz mais fortes. E assim ficarei, porque sinto que esse é o pior momento da minha vida. E justo Thales não está aqui. Ele, mais do que ninguém, não devia ter arredado pé do meu lado, mais do que nunca. Não me perdoo por não ter ouvido Carina… Ela sempre disse que não gostava dele, que ele não parecia sincero. Acho que preciso entender que só posso contar comigo mesma. De uma vez por todas.
Dezembro de 2019
Bernardo andava pelo meio da multidão trazendo Vanessa pela mão atrás de si. As pessoas dançavam o pagode ao vivo que tocava na casa noturna, formando as ondas daquele mar de gente. Finalmente chegaram à escada, que subiram, indo para o terraço aberto, onde a música era mais baixa e havia outro pequeno bar cercado por mesinhas.
O lugar estava cheio de casais conversando ou já se pegando. Bernardo não perdeu tempo e logo arrastou Vanessa para uma parede em que batia menos luz, onde ficaram se agarrando. Trocavam beijos intensos, as mãos dele deslizavam pelo corpo bem-feito da bela jovem, coberto por um vestido mínimo vermelho. Ela era uma negra com cabelos longos e cacheados, lábios carnudos e um par de coxas grossas e firmes.
Um pouco mais tímidas, as mãos de Vanessa também andavam nas costas de Bernardo, indo na direção da bunda. O beijo e o agarramento estavam tão avançados que ambos deixavam escapar gemidos e suspiros.
— Seu filho de uma puta! — Bernardo ouviu uma voz conhecida atrás de si e virou-se de repente. — “Vou estudar e dormir cedo, meu amor”, ah, sim! Está “estudando” a língua dessa vagabunda na sua goela? Está “dormindo” as mãos na bunda dessa piranha???
Gabriela usava calça jeans e camiseta, não parecendo arrumada para festa, e trazia duas amigas atrás de si. Tinha mais ou menos a mesma idade da outra. O cabelo loiro não parecia sequer ter sido penteado, como se ela tivesse levantado e saído às pressas.
— Seu espertinho! Sabia que eu não ia sair, não contava que a Aline te visse aqui e me avisasse! Tive que vir ver com meus olhos essa sua sem-vergonhice! Você não tem nenhum respeito pela sua namorada, não é?
Vanessa, que estava assistindo a tudo com a boca entreaberta, surpresa, com o olhar saltando de Bernardo para Gabriela e de volta para ele, se intrometeu:
— Como é que é? Ele ficava com você?
Gabriela fez menção de avançar sobre a outra, sendo discretamente contida pelas amigas.
— “Ficava” é o caralho! Estamos namorando há três meses! — vociferou ela.
Vanessa deu dois tapas fortes no braço de Bernardo, que se encolheu, mudo, se afastando.
— Como ele pode estar namorando com você há três meses, se estamos juntos há dois meses? — retrucou a outra, projetando o peito na direção de Gabriela, com o queixo erguido e a expressão de desprezo no rosto. — E sabe quem é “vagabunda”? Quem é “piranha”? É você, sua puta!
As duas iam se engalfinhar, mas Gabriela foi outra vez segurada pelas amigas que a acompanhavam. Bernardo continha Vanessa pela cintura enquanto ela esperneava tentando alcançar a outra. Os seguranças finalmente intervieram, colocando todos para fora.
Já na calçada, Bernardo recebeu mais alguns tapas, além de algumas unhadas, e precisou fugir e se esconder da fúria das duas jovens enganadas, correndo e entrando em um boteco aberto àquela hora, para chamar um Uber e ir pra casa.
Acho que as coisas realmente saíram do controle. Quando comecei a namorar com Gabriela, pretendia ser correto. Eu estava gostando dela, o sexo pegava fogo, pensei até que era amor. Mas aí conheci a Vanessa e não consegui dizer “não” nem me afastar dela, parar de pensar nela, eu devia deixar a Gabriela para poder ficar com ela, só que… Quando eu estava com a Vanessa, tinha certeza de que estava apaixonado por ela, e quando estava com a Gabriela, era o contrário… Basta, puta que pariu. Se essa merda de amor existe, não é pra mim. Não fui feito pra monogamia. Não preciso viver enganando ninguém, larguei de mão. De agora em diante, Bernardo será mais escorregadio que um peixe ensaboado. Não pretendo me prender nem magoar ninguém mais. Sem promessas, apenas diversão.