Depois de fondue e vinho, conversando, Renata percebeu que a situação se encaminhava para a hora de acontecer algo entre Leandro e ela. Desde a chegada dele, entretanto, o clima não era o mesmo da primeira vez que tinham ficado. Ele parecia tão interessado quanto e todo galanteador, enquanto ela estava quase… entediada.
— Senti falta de ver você naquela semana em que você faltou à academia… — disse ele, enquanto envolvia um pedaço de pão na ponta do garfo no creme de queijo. — Você foi viajar?
Renata suspirou, lembrando-se de Bernardo. Se ele estivesse ali, com certeza estariam brincando e rindo.
— Não… Na verdade, estive doente.
Leandro cobriu a mão dela com a mão livre.
— Eu não sabia… Teria te ligado, se soubesse, para ver se você precisava de alguma coisa.
Ela apertou os lábios em um quase sorriso.
— Não, que isso… Está tudo bem. Eu me virei bem, sempre me viro. Nem esquenta com isso.
A mão dele apertou a dela e ele olhou em seus olhos.
— Essa sua independência é muito atraente. Você tem um jeito de mulher que não precisa de ninguém…
Renata devolveu o olhar, de repente, sem nada para dizer. Perguntou a si mesma por que havia aceitado o convite para encontrar-se com Leandro e por que, ainda por cima, o tinha chamado para sua casa. Ele não combinava com a decoração. Ele não combinava com nada ali. Sentiu-se um pouco sufocada.
— Falando nisso, Leandro, não sei se estou bem curada. — desculpou-se. — De vez em quando sinto muita dor de cabeça, coceira na garganta. Agora mesmo estou começando a sentir dor. Talvez seja da bebida, talvez ainda esteja doente, não sei.
Leandro ergueu a taça de vinho e deu um gole.
— O que você tinha? — perguntou, despreocupado.
— Influenza. — mentiu ela, fingindo que fungava e esfregando o nariz com as costas da mão.
O visitante pareceu um tanto alarmado.
— Mas isso não é contagioso? — indagou, arregalando os olhos.
Renata virou-se rapidamente, fingindo um espirro seguido de breve tosse.
— Bastante. — respondeu, novamente coçando o nariz, que já estava ficando avermelhado pelo atrito.
Leandro levantou-se.
— É uma pena… mas acho que está ficando tarde. Preciso acordar cedo amanhã, você sabe, é sexta e chego às 8h na academia.
Ela assentiu, também parando de pé.
— Ahhhh… Tão cedo! O vinho que você trouxe está quase no fim, mas eu tenho outro na cozinha. Certeza que não quer ficar? — fingiu ela.
Andando de lado para a porta, Leandro mantinha uma distância segura de Renata, que o acompanhava indo na mesma direção. Chegando lá, ele estendeu a mão, depois puxou-a e deu algumas batidinhas no ombro dela.
— Vou lá, Rê, nos falamos amanhã à noite, se você estiver bem para ir à academia. Qualquer coisa que precisar, me avisa, posso mandar um entregador te trazer. — disse ele, girando a chave e depois a maçaneta.
Assim que viu a porta do elevador se fechar, Renata entrou em casa e teve um ataque de riso. A cara do cagão! Vou guardar na manga essa técnica de dispensar os caras quando eu não estiver mais a fim. Foi ficando séria aos poucos, quase sem ar, indo para a sala de jantar tirar a mesa. O que pode ter acontecido desde a primeira vez que fiquei com Leandro que esgotou meu interesse nele? Tinha medo de se perguntar sobre isso. Guardou tudo na cozinha, lavou a louça e deixou no escorredor.
Já deitada na cama, séria, um pouco triste, pegou o celular e leu a troca de piadinhas com Bernardo. Tudo terminara naquele sábado… Naquele sábado no qual não havia resistido, quando se entregou a ele de uma maneira que não lembrava de ter se entregado antes…
Renata tentava esquecer, mas sua memória, teimosa, reproduzia as sensações da boca dele, a visão de seus olhos enquanto a saboreava, o contato de seus corpos quando ele se movia sobre ela com intensidade, mas sem pressa. Existia um carinho naqueles movimentos que lembravam ondas do mar, pesadas, fortes, capazes de fazê-la submergir naquele prazer e se perder. Caiu em si. Outra vez sua intimidade pulsava, úmida, sedenta por ele. Entenda aqui, boceta, você não vai mais ver o Bernardo, ok? Pare de fantasiar com isso e sossega. Você poderia estar com o Leandro agora, tá, eu sei, culpa minha tê-lo mandado embora sem consultar você. Sabemos que ele faz a coisa direitinho, não tô dizendo que não. Mas é que… perdi o tesão nele. Isso não libera você pra ficar aí, toda animadinha, latejando pelo Bernardo. Essa é uma porta fechada permanentemente, ouviu? Pode te acalmar porque hoje não tem siririca.
Virou-se para o lado vazio na cama. Irritada, jogou o outro travesseiro longe e acomodou o seu no centro da cama, se espalhando no colchão. Adormeceu ainda contrariada.

Como vou dizer para o Mateus que transei com a Renata de novo e que não sinto nada por ela?, finalmente Bernardo conseguiu formular a questão em sua cabeça. Por que isso o deixava ansioso…?
Dirigia para a faculdade na sexta pela manhã, depois de ver a vizinha entrando em casa com Leandro na noite anterior. Seus sentimentos começavam a ficar claros para ele: tudo indicava que perderia a aposta. Mas isso não significava que sabia perfeitamente o que fazer diante da constatação.
Ainda tinha medo de magoar Renata, caso ela correspondesse ao que sentia. Podia fazer promessas, como no sonho que tivera? Entrou com o carro no estacionamento da faculdade. Precisava pensar mais sobre o assunto. Enquanto isso, deveria dizer o que sentia a Mateus? Era tão esquisito se abrir sobre coisas do coração com o amigo! Melhor esperar um pouco antes de falar.
Na hora do almoço, foram para o Restaurante Universitário. Bernardo estava, anormalmente, um pouco calado.
Serviram-se e foram se sentar. Mateus analisou o amigo por alguns minutos, enquanto ele comia distraído, um tanto desanimado, sem o interesse pela comida que costumava demonstrar.
— Cansado, cara? — perguntou, antes de beber um gole de refresco.
Bernardo suspirou.
— Sim, um pouco.
O outro continuou observando o silêncio do amigo.
— É bem incomum te ver assim, quieto. — observou Mateus. — Aconteceu alguma coisa? Posso te ajudar em algo?
Negando com a cabeça, Bernardo seguiu comendo.
— Você está triste porque perdeu a aposta, né? Fala aí! A Renata não quis mais dar pra você.
A frase remexeu em lembranças doloridas na mente de Bernardo. De repente, parecia que não era mais capaz de segurar o que sentia dentro de si.
— Não, Mateus. Estava evitando falar com você sobre isso, mas… aconteceram coisas entre nós.
O outro franziu o cenho e descansou os talheres.
— “Coisas”?
Bernardo voltou a suspirar, impaciente.
— Juro pra você que pretendia só comer a Renata e te provar que ninguém me fisga. Fui ao apê dela pensando em maneiras de me aproximar para conseguir isso, mas, quando cheguei lá, a encontrei mal.
O amigo abriu a boca, surpreso.
— Mal?
— Doente, Mateus. Ela estava com febre e não queria ajuda de ninguém. Na hora aquilo me partiu o coração. Deixar alguém que nós conhecemos, mesmo que com pouca intimidade, sofrer sozinho desse jeito é desumano. Imagina alguém que… bom… por quem a gente… enfim. Imagina deixá-la lá, sem ninguém que cuidasse dela?
Petrificado, com a comida esquecida no prato, Mateus acompanhava a narrativa do colega.
— E você? — perguntou, incrédulo.
— Comprovei que estava com febre, a levei ao médico, fiz umas comidas mais leves para ela, que mal podia se levantar. — explicou Bernardo.
— O que ela tinha?
Bernardo voltou a comer. Depois continuou a conversa.
— Dengue.
Mateus ainda olhava aparvalhado para o amigo.
— Mas dengue leva no mínimo uma semana pra melhorar. Você…?
Bernardo assentiu.
— Você cuidou dela a semana toda? — indagou Mateus, boquiaberto.
— Sim. E, com isso, passamos tempo juntos. Assistimos a filmes, comemos, dormi lá várias vezes, conversamos horas a fio.
A testa de Mateus ainda estava franzida e ele balançava a cabeça negativamente.
— Bernardo, não me diz que vocês transaram num momento como esse? Sei que você é metido a fodão, mas isso seria baixaria até pra você! A mulher em seu momento mais delicado e você ali, se aproveitando disso?
Bernardo fechou a cara e largou os talheres para encarar Mateus.
— Porra, cara, que merda de pessoa você acha que eu sou? Jamais ia me aproveitar de mulher nenhuma que não estivesse em plenas condições de consentir! Mesmo se ela quisesse algo comigo nesses momentos, podia ser por estar sensível, carente, me sentiria mal numa situação assim. Foi até difícil quando ela simplesmente tirava a roupa na minha frente, como se eu fosse só uma amiga dela, mas é óbvio que eu não fiz nada!
— Então vocês não transaram mais. — concluiu Mateus, voltando a comer sem deixar de olhar o amigo.
Bernardo o mirava de volta, sério e silencioso.
— Vocês transaram? — questionou Mateus, confuso.
— Pois é aí que está… — começou Bernardo. — Depois que ela se recuperou, foi assistir a um filme lá em casa, ficou para jantar e…
Mateus esfregou o rosto com as mãos.
— Ok, então você ganhou, é isso?
Bernardo baixou os olhos, respirou fundo, voltou a fitar o amigo.
— Poderia mentir pra você, se quisesse ver essa sua bunda horrorosa em uma calcinha de rendinha…
Outra vez, Mateus o encarou, erguendo uma sobrancelha, duvidando.
— Eu tinha razão e você se apaixonou? — perguntou, desconcertado.
— Não sei se posso dizer isso, cara, mas, com certeza, não posso dizer que não sinto nada por ela.
— Você acha que, com esse papo furado, vai se livrar da calcinha fio-dental? — provocou Mateus.
Bernardo fez que não com a cabeça, entregando os pontos.
— Não acho. Não tô afirmando que estou apaixonado, mas eu gosto da Renata, Mateus. Não foi só sexo como é sempre por aí. Eu gosto dela. Eu visto a calcinha e mordo minha língua. Você tinha razão, seu filho da puta.
A gargalhada de Mateus chamou a atenção das pessoas em volta. Bernardo apoiou os cotovelos na mesa e escondeu o rosto nas mãos. O que é vestir uma calcinha perto do que sinto quando vejo a calcinha minúscula da Renata?, pensou.