Bernardo e Mateus saíram do prédio de aulas da faculdade e atravessavam o campus em direção ao Restaurante Universitário. Embora o primeiro pudesse pagar o almoço mais caro, sempre acompanhava o amigo bolsista na opção mais barata.
— Então foi isso. Eu já não tinha entendido o que estava acontecendo no domingo, mas depois de encontrar com ela ontem, cheguei à conclusão de que agora somos vizinhos. Só pode. — falou Bernardo, com o olhar distante.
Mateus respirou fundo.
— É, parece que sim. E quem diria… A volta da única mulher a passar a perna no cara mais escorregadio que eu conheço! — ele deu risada.
Bernardo tentou disfarçar a cara contrariada.
— Ela não me passou a perna.
— Ah, passou, sim! — insistiu Mateus. — Você tanto me encheu o saco dizendo que eu levei um bocetaço da Jasmine e quando é com você, fica fingindo que nada aconteceu. A verdade é que você está acostumado com as meninas novinhas e não aguentou a pressão de um mulherão pra valer. Ficou caidinho.
O outro ainda tentava aparentar descaso.
— Nada a ver. Primeiro que eu aguentei a pressão: a Renata saiu plenamente satisfeita. E depois que eu nem sou de me envolver mesmo, o que tem de mais não ficar com ela outra vez?
Estavam chegando ao restaurante e entraram na fila do buffet.
— É o que eu te pergunto. Por que você queria contato com ela uma semana depois de terem ficado, se você nem é assim? — Mateus perguntou enquanto ia se servindo.
— Sexo, Mateus. Sexo. — Bernardo respondeu também escolhendo a comida para pôr no prato. — Eu te disse que a Renata não tinha frescura na cama, que nos acertamos bem. Deu vontade. Só isso. Nem todo mundo é abobado romântico como você. Eu só quero foder. E vocês, quando vão casar?
Os dois escolheram uma mesa e sentaram.
— Já comprei os anéis. Vou pedir no dia que completa um ano da nossa primeira transa, semana que vem.
Bernardo simulou ânsia de vômito.
— Desculpa, vocês são nojentos. Quem é que casa hoje em dia? Tá, ok, é a cara dos dois. Fofinhos, igreja, casinha, bebês, essas merdas. — debochou.
Mateus comeu uma garfada de comida antes de retrucar.
— Cala essa boca, Bernardo, você não sabe o dia de amanhã. Quando vê você se apaixona e vai acabar mordendo essa sua língua de trapo. Aí quem vai estar no meu lugar é você.
O outro fez uma careta de dúvida e ergueu uma sobrancelha.
— Muito me admira que você não me conheça depois de anos de amizade. — resmungou. — Tem coisas que não são pra mim, Teteu. Já te disse que tentei essas besteiras de namorar desde a época de escola e nunca deu certo. Quando eu menos esperava, estava no meio das pernas de outra garota. Se você duvida, posso te levar até as minhas ex e elas vão te explicar tintim por tintim por que eu não sirvo para isso. Magoei muitas delas.
— Se você diz… Ah, e “Teteu” é meu pau. — Mateus mantinha o ar de riso.
— Sempre me pergunto se a Jasmine chama seu pau de “Teteu” mesmo. — riu Bernardo, antes de beber o refrigerante.
— Vai te foder, Bernardo. E não muda de assunto. Ok, a famosa Renata que te deu um perdido é sua vizinha. Se você não está nem aí para isso, por que veio contar?
O outro cortou o bife calmamente.
— Foi só uma observação, nada de mais. É que ela fica exibindo aquela bunda dela, aí fica difícil não dar nenhuma atenção…
— Acontece que ela não está “exibindo aquela bunda”, cara. Ela está apenas levando a bunda que tem de um lado para o outro, ou você queria que ela deixasse a bunda em casa quando saísse?
— Ah, sim… Mas precisava virar aquele rabão pra cima na beira da piscina? Enfiar um fio dental tão fundo que certamente teve que usar uma pinça para remover em casa? Era só uma aula de yoga, era mesmo necessário? — respondeu ele, despeitado.
Mateus espetou alguns legumes no garfo e comeu olhando para o amigo, ainda prestes a rir.
— Olha… sim. Precisava, toda mulher vira de bunda para cima na beira da piscina. E você, um cara que se orgulha de ser 100% da putaria, está mesmo fiscalizando o tamanho da calcinha dela? Em outros tempos, no máximo isso inspiraria umas punhetas.
— Esquece, Mateus, esquece. Só comentei.
— Aham… — o outro concordou, incrédulo e risonho.
Bernardo se distraiu por instantes lembrando das mãos do homem deslizando nas nádegas de Renata, depois do sorriso dela para o professor de musculação. Filhos da puta, xingou mentalmente.
Renata colocou os cogumelos no carrinho do supermercado. Conferiu o que já tinha pegado da receita: arroz arbóreo, manteiga, caldo de legumes. Vinho branco e queijo parmesão, acrescentou em pensamento, já se dirigindo ao corredor das bebidas. Já vou levar um vinho para beber.
Outra vez foi enumerando as compras, para se assegurar de não ter esquecido nenhum item. Passou no caixa, carregou as sacolas até o carro.
Chegando em casa, deixou o carro na garagem do prédio, no subsolo, e entrou no elevador. Tinha ido direto do jornal para o mercado, era sexta-feira, 19h. Estava sozinha quando as portas metálicas se abriram no térreo e ela se viu cara a cara com Bernardo, que ia entrar e ficou alguns segundos paralisado olhando para ela. Ele hesitou, Renata foi para o canto, liberando mais espaço onde ele já cabia perfeitamente e com folga.
Assim que o elevador começou a subir, ele cumprimentou com um boa-noite desajeitado, que Renata respondeu também constrangida.
— Deixa eu te ajudar com as sacolas. — ele se ofereceu, estendendo as mãos.
— Não precisa, obrigada. Já estamos chegando ao 7º. — ela negou e agradeceu.
— 7º? — ele repetiu.
— Sim, estou morando no 701.
— E eu moro no 705. — ele falou consigo mesmo em voz alta.
Renata ouviu e virou para ele na hora.
— 705? — ela ecoou na hora em que as portas abriram.
— Certeza de que não quer ajuda? — ele insistiu, saindo.
Renata deu a volta em Bernardo, que estava do lado de fora da porta.
— Obrigada mesmo, não precisa.
Ela andou na direção de seu apartamento, acompanhada pelos olhos dele. Sexta à noite e ela está sozinha…, Bernardo pensou, nada daquele armário da piscina, nem do filho da puta da academia.
Renata abriu a porta e entrou em casa. Bernardo virou devagar e foi para o seu apartamento.
Cortando os ingredientes do risoto, Renata falava com Carolina pelo viva-voz.
— Sim, amiga, exatamente. O baby boy do carnaval passado. Esse mesmo, o das tatuagens. Meu vizinho, acredita?
“— E aí, Rê, não deu aquela coceirinha lá embaixo?” — riu a outra.
Renata exibiu um meio sorriso safado.
— Não! Tá, um pouquinho. Ele continua gostoooooso…! Mas também continua 19 anos mais novo que eu, Carol, sem a menor condição.
“— Ah, qual a importância disso? Se rolar um clima, deixa essa bobagem pra lá. Rolou?”
Mexendo a panela, a jornalista suspirou.
— Não deu nem tempo de rolar clima nenhum, amore. Ficamos dois minutos dentro do elevador. Ele parecia estar vindo da academia, mas não estava fedendo a suor, estava com um cheiro maravilhoso!
“— Isso é cheiro de bebê.” — implicou Carolina, dando risada.
Renata revirou os olhos.
— Viu só, você mesma concorda comigo. O limite é 30, Carolzita, abaixo disso é pedofilia.
“— Minha querida amiga gostosa, não reduza tanto o seu público. Rapazes com 29, 27, 25 e até 22 querem o direito de te comer.” — a amiga ainda ria.
— Como se me comer fosse um direito! Aqui, ó, Carol: me comer é um privilégio. Não digo que para poucos, mas apenas para os merecedores. — ela brincou provando a comida na palma da mão.
“— E, pelo que você contou da sua noite de carnaval com o garotinho, ele é um merecedor e tanto.”
— Ok, ok. É. Nunca disse o contrário. Só disse que não pretendo me envolver, muito menos com uma criança.
“— O tipo de coisa que vocês fizeram não se faz com criança, Rê.”
— O Marcelo não chegou ainda? Vai cuidar da sua vida. Vai tomar um banho e te perfumar porque esse homem vai te jogar na parede e te chamar de lagartixa. Me deixa. Beijos, minha flor.
“— Ah, ele vai, sim. Aquele homem é um tesão! E você… Se der aquela vontade de sentar, só ir ao 705.”
— Cala a boca, Carol. Te amo, beijos.
“— Te amo, Rê, tchau, beijos.”
Renata montou o prato com carinho, arrumando o risoto como se não fosse comer sozinha, decorando com uma folhinha de manjericão. Serviu o vinho branco e foi para a mesa de jantar.
— Hummmm! — deixou escapar ao provar a comida. — Ficou divino. Renata, você tem muitos talentos, parabéns.
Levantou a taça e ficou observando a luz brincando no líquido dourado dentro dela. Enquanto bebia, lembrou do perfume de Bernardo no elevador: era exatamente o mesmo que ele usava quando se conheceram. Recordava-se de cheirar o pescoço dele enquanto ele a fodia com vigor. Observava a cena pelo espelho do teto… o corpo dele era todo lindo e só de vê-lo, envolto pelas pernas dela, ficava ainda mais excitada. Já tinha alcançado o êxtase, mas ele não cansava, continuava, acariciava seu clitóris, ao mesmo tempo metendo firme e com a cara mais safada do mundo. Ela gozou de novo e sentiu que aquele Satã a estava levando ao céu. Pena que é um menino… Se eu tivesse dez anos a menos, ou se ele tivesse dez anos a mais…, lamentou em pensamento.
Terminou de jantar e levou a louça para a cozinha, onde lavou tudo e deixou no escorredor. Foi para o banho.
Mateus era o melhor amigo de Bernardo. Desde que havia começado a namorar, no entanto, o colega nem sempre estava disponível para sair. Na verdade, mesmo antes de conhecer Jasmine, Mateus tinha o temperamento bem diferente do de Bernardo e nem sempre se acertavam nessas ocasiões.
Naquela sexta, Bernardo tinha combinado de sair com seus amigos do tempo de escola: Yan, Murilo e Caio. Se encontrariam na festa e ele estava se arrumando para isso.
Camisa preta com os primeiros botões abertos, mangas dobradas, calça jeans, tênis. Perfume, cabelo despenteado com cuidado. Saiu do apartamento e parou diante do elevador. Ficava quase em frente ao 701. Deu dois passos atrás, depois olhou para a porta de Renata.
Lembrou do encontro com ela mais cedo. Era início da noite e ela provavelmente vinha do trabalho. Usava um vestido com meia manga e que ia quase até o joelho, soltinho, azul-marinho. Podia sentir o perfume dela naquele espaço pequeno: floral e fresco, como se estivesse recém-saída do banho. Imediatamente pensou em aspirar o cheiro mais de perto, de preferência, encostando o nariz em seu pescoço.
Estava perdido nesses pensamentos e nem percebeu que tinha dado alguns passos na direção do 701. Levou a mão à campainha. Quando escutou o barulho da chave virando, sentiu o coração disparar de nervoso. O que eu tô fazendo?, se perguntou, tendo um princípio de pânico.
Renata apareceu na porta vestindo um robe curto de seda preta, estampado com rosas vermelhas. Os cabelos estavam soltos e a expressão era de surpresa.
— Sim? — perguntou ela.
Bernardo queria ser engolido pelo chão. Ao mesmo tempo, estava sem fôlego de vê-la coberta apenas por aquele tecido fino e macio, que marcava os seios mostrando a ausência de sutiã.
— Eu vim te perguntar se você tem… Vim te pedir emprestado… — ele olhou para o interior do apartamento, por trás dela, e viu uma garrafa de vinho sobre a mesa. — Saca-rolhas. Estava abrindo um vinho agora e o meu quebrou. Se você tiver um para me emprestar…
Renata analisou Bernardo dos pés à cabeça. Estranhou, já que ele parecia bastante arrumado para quem estava em casa. Claro que podia estar vestido para receber uma visita… Ela ergueu uma sobrancelha e fez um biquinho de dúvida, depois se virou e entrou, deixando a porta entreaberta. O rapaz a viu sumir na porta da cozinha e deu alguns passos para dentro, ficando perto da entrada. Ele escutou barulho de coisas remexidas em uma gaveta. A mulher voltou com o utensílio na mão e pareceu se surpreender outra vez por ele tê-la seguido. Parou diante do vizinho e estendeu-lhe o objeto solicitado.
— Eu… — ele ainda estava completamente sem jeito. — … bem… obrigado. E você…?
Renata fez que não com a cabeça, confusa. Ele não dizia coisa com coisa.
— Eu o quê? — indagou.
— Você… quer tomar um vinho comigo lá em casa? — convidou Bernardo, sem nenhum planejamento prévio.
Ela inspirou de repente e fitou as mãos dele que seguravam o saca-rolhas.
— Bem… eu… acho melhor não. Já bebi minha dose diária, muito obrigada. Quem sabe outro dia? Não precisa me entregar hoje, tá? — ela segurou a mão dele com uma mão, dando uns tapinhas com a outra. — Fica à vontade e me traz outro dia. Tenho dois.
Eles se encaminharam para a saída. Bernardo voltou-se de repente, menos inseguro, e ficaram cara a cara.
— Sabe… Eu te liguei. — ele falou olhando nos olhos dela.
Renata fingiu naturalidade.
— Ué, não lembro… Será que você ligou certo?
Ela não sabe fingir, pensou Bernardo. Acariciou o queixo dela com as pontas dos dedos.
— Não. Não liguei certo. Liguei para o número que você me deu. Aquele… lembra? O número errado.
O olhar de Renata se desviou do dele rapidamente.
— Que estranho! Eu devia estar muito bêbada… — desconversou.
Ele se abaixou e sussurrou bem próximo ao ouvido dela:
— Ou estava querendo fugir de mim, mesmo. Do que você tem medo, Renata? — enfim com um sorriso confiante, Bernardo foi até o batente, onde parou. — Obrigada pelo saca-rolhas. Quando quiser beber o vinho, o convite estará de pé. E não só o convite.
Assim que ele saiu, Renata fechou a porta e ficou ali, encostada, também com um meio sorriso malicioso nos lábios. “Do que você tem medo, Renata?”, o desaforo! É um poço de presunção, esse menino. E de gostosura, confesso…! E o convite não é a única coisa que estará de pé! Ela riu. Não digo “dessa água não beberei”... Posso estar morrendo de sede dia desses e ele parece um verdadeiro oásis.
Bernardo foi obrigado a passar em casa para deixar o saca-rolhas antes de ir para a festa. Ficou satisfeito por ter inventado um elo com Renata, um motivo para procurá-la. E estava aliviado por ter-lhe dito que sabia sobre o número errado que ela lhe dera. Ah, se ela viesse aqui tomar o vinho… Não ia prestar. Mulher gostosa do caralho!