Renata identificou-se com a digital na catraca que dava acesso ao prédio do jornal em que trabalhava e entrou. Subiu pelo elevador, chegou à redação. Cumprimentou os colegas que ia encontrando e foi até sua mesa. Ligou o computador e logou-se. Abriu a matéria que estava escrevendo para o caderno dominical de comportamento, voltado ao público feminino principalmente.
“Mães solo: a nova cara de um velho fenômeno” era o nome do texto. Nele, Renata abordava a mudança no modo da sociedade encarar as mães que criam seus filhos sozinhas. Antes conhecidas como “mães solteiras”, a jornalista chamava a atenção para uma percepção social de que estado civil não tinha a ver com maternidade. E tinha entrevistado duas mães nessa situação — uma que havia decidido por uma produção independente e outra que não tivera escolha, sua amiga Carolina. Dona de uma lojinha de produtos esotéricos, Carolina havia criado os três filhos sem a presença do pai, que “tinha se separado dos filhos e não só da esposa”. Renata sentia uma imensa admiração pela amiga e estivera presente em grande parte da história, por isso havia procurado por ela, pedindo para entrevistá-la. A matéria estava quase pronta, ela já tinha as respostas de ambas as entrevistas em mãos, só estava redigindo. Além das próprias mães solo, Renata havia procurado uma advogada de família e uma psicóloga.
Carla, sua colega, deslizou sobre as rodinhas de sua cadeira giratória até o lado de Renata.
— E você, Rê? — Carla indagou.
— Eu o que, miga? — Renata perguntou de volta sem tirar os olhos da tela e digitando rapidamente.
— Nunca quis ser mãe?
Renata virou-se para Carla e parou de escrever.
— Não, né, Carla. Nem me casei.
Carla deu uma gargalhada e a colega a encarou, perplexa.
— O que foi?
— Ai, amiga. Você mesma está escrevendo uma matéria sobre mães solo e vem com essa de “casar”. — a outra respondeu.
Renata espreguiçou-se e cruzou as mãos atrás da cabeça, recostando-se na cadeira.
— Carlinha, amore, ser mãe solo não é pra qualquer uma. Não sei se teria a força necessária para matar no peito as responsabilidades. Confesso que até me passou pela cabeça ali quando eu tinha 35… Quando pensei que a idade limite estava chegando. Depois acho que fiquei velha demais para isso.
Carla fez que não com veemência.
— Mulher, não! Você não está velha para nada, olha só para você!
Renata exibiu um sorrisinho.
— Muito gentil da sua parte, mas a natureza não concorda com você, minha flor. E a sua matéria, como está?
— Ah, estou terminando a pesquisa sobre as tendências do outono/inverno. Você que é fanática devia dar uma conferida nos sapatos, estão lindos!
A outra voltou a atenção para o computador da colega.
— Com certeza vou. Preciso comprar uns para essa estação. Preciso de mais um coturno e talvez uma bota de cano curto. Lindos mesmo! Queria umas solas tratoradas assim. E adoro metalizados.
— “Preciso”... — brincou Carla. — Você não “precisa”, mas com certeza quer muito, né, amiga? Não julgo. Gosto de sapatos, não tanto quanto você, porém gosto. Talvez seja porque não tenho esses pés lindos que você tem.
Renata sorriu.
— Confesso que sou feliz com meus pés.
— E os podólatras também!
Elas riram.
— Bom, preciso terminar aqui. — explicou Renata.
Carla deslizou com a cadeira para perto de seu computador novamente.
— Eu também, Rê! Depois falamos.
Renata conseguiu finalizar a primeira versão do texto perto do horário do almoço. Às vezes, quando estava mais sociável, aproveitava esse tempo para confraternizar com os colegas, conversar. Outras, preferia ficar sozinha. Gostava de sua própria companhia e estava acostumada a viver só.
Naquele dia ela estava mais com o espírito solitário. Ajeitou-se, pegou a bolsa e saiu para almoçar. Por perto do jornal não havia muitas opções, então ela costumava se deslocar até um shopping próximo à orla, em cuja praça de alimentação havia um restaurante natural do qual gostava muito. Escolheu um prato com salmão grelhado, molho de limão siciliano e ceviche de manga. Para beber, um suco verde.
Enquanto comia, observava as pessoas indo e vindo. Uma mulher com duas crianças na mesa em frente lhe chamou a atenção. Ficou se perguntando se estava diante de uma mãe solo. O menor estava em um carrinho de bebê, devia ter um ano. O maior tinha menos de cinco, certamente, e estava sentado ao lado da mãe, um pouco inquieto. Ela tentava se dividir dando atenção para ambos e não parecia estar tendo muito sucesso.
A jornalista voltou a olhar para o prato, mexendo na comida com o garfo e divagando. Lembrou-se do tempo em que acreditava em homens e na bobagem toda do amor. Namoro na faculdade, outras tentativas depois… Já tinha quase trinta anos quando enfim desistiu e decidiu fechar essa porta. Tinha passado por várias traições e pela falta de apoio nos momentos mais críticos de sua vida… Dali em diante, ia apenas se divertir. E, desde então, se divertia como nunca.
Adorava sair com amigas, flertar. O jogo todo da paquera tinha um encanto especial para ela. E a falta de fé em algo que passasse disso a fazia ir desanimando à medida que se aproximasse demais do cara com quem estivesse ficando. Os “relacionamentos” que mantinha eram sempre intermitentes. Podia ficar perto o suficiente para ter todo o prazer que conseguia extrair do contato, mas assim que aparecia qualquer risco de envolvimento, deixava claro seus limites para o ficante. Por isso vinha funcionando bem com Fernando. Era exatamente o que ele queria também.
Entretanto havia surgido uma pequena pedra em seu caminho. Há pouco mais de um ano, Renata conhecera Bernardo naquela noite de carnaval. Tinha ficado um tanto dividida, sentiu-se encantada por ele como há tempos não sentia. Desde que se apresentaram, ela tentava manter firme na mente a disparidade etária entre eles, um motivo a mais para não pensar em nenhum envolvimento, na verdade, talvez a desculpa perfeita para evitá-lo. A química entre eles, no entanto, fazia desaparecer a diferença: em cima daquela cama, eram apenas um homem e uma mulher dispostos a tudo para satisfazer um ao outro. E como Bernardo era bom nisso…! Parecia que seus gestos, seus toques tinham sido feitos para ela… Ele era novo, sim, mas devia ter uma boa experiência, porque sabia exatamente como deixá-la louca.
Preciso parar de pensar nisso, disse a si mesma, são dezenove anos. Dezenove! Quando ele nasceu, eu já estava na faculdade… Namorava. Namorava aquele traste que me deixou quando eu mais precisava… Não gosto nem de lembrar dele, daquilo tudo… Mas, enfim. Eu era uma mulher feita. Bernardo era um bebê menor que aquele ali no carrinho. Eu podia ser mãe dele.
Terminou de comer e se ajeitou para voltar ao trabalho.
Bernardo e Mateus iam até o estacionamento da faculdade discutindo, como sempre. Mateus tinha estágio em uma empresa de telefonia à tarde; no mesmo horário, seria o primeiro dia de estágio de Bernardo, porém no setor de tecnologia. Cada uma das empresas ficava em uma cidade diferente da Região Metropolitana, não muito longe uma da outra.
— Vamos, Mateus, posso, no mínimo, te deixar na metade do caminho. Você é muito cabeça-dura, achei que estando com a Jasmine ia deixar de ser orgulhoso desse jeito. — insistia Bernardo, direcionando-se ao carro.
— Você faz uma volta maior para me deixar na metade do caminho. E não quero, de jeito nenhum, atrapalhar seu primeiro dia no estágio. Esses momentos marcam, cara, você não pode atrasar. — argumentou Mateus.
O outro deu de ombros.
— Desisto. Se você quer assim, “Teteu”... — debochou abrindo a porta do veículo.
— “Teteu” é meu… — retrucou o amigo.
— … seu pau, sei, sei. — interrompeu Bernardo. — Vai lá para o seu estágio de busão que eu estou indo para o meu. Não vou me atrasar. Você tem uma imagem errada de mim. Não é porque sou “playboy”, nas suas palavras, que sou irresponsável. Quando é necessário, sei perfeitamente agir como um adulto.
— Como se ser adulto com quase 22 anos no lombo fosse algum mérito! — provocou Mateus.
— Vai tomar no seu cu, antes que eu me esqueça. Falou! — eles apertaram as mãos e Bernardo já foi sentando no banco do motorista de seu SUV cinza.
— Falou! — o outro se despediu já caminhando. — Boa sorte lá!
— Valeu! — respondeu o amigo, colocando o carro em movimento.
Bernardo não queria assumir, estava, no entanto, um pouco nervoso com o estágio. Sua vida de estudante em tempo integral estava dando lugar a uma nova rotina, que pedia muito mais responsabilidade do que ele de fato estava acostumado.
Apesar disso, percebeu chegando à empresa que não havia muito o que temer. Foi bem recebido. Sua principal tarefa era auxiliar no desenvolvimento de produtos eletrônicos, ele tinha todo o espaço para aprender na sua função e existia oportunidade de receber mais atribuições — e até de ganhar mais — conforme demonstrasse evolução no seu trabalho. Seus superiores se colocaram à disposição para tirar qualquer dúvida que surgisse.
Saiu de lá cansado. Seu corpo, que aguentava tantas horas de festa ou muito treino na academia, não estava habituado ao esforço oposto: exercer atividades que exigiam mais da mente e que mantinham os movimentos mais ou menos restritos, ou seja, trabalhar sentado a maior parte do tempo. Apesar disso, havia decidido que manteria o compromisso com o exercício físico e, depois de tanto tempo, até gostava mesmo. Sentia falta quando não fazia.
Passou em casa e tomou um banho para se animar um pouco. Depois foi para a academia. Tentava negar para si mesmo, estava, entretanto, meio ansioso para ver Renata outra vez nesse ambiente. Conforme esperado, ela apareceu. Vestindo um macacão colado, de um roxo berinjela que tinha um leve brilho cintilante, Renata entrou novamente sem vê-lo. Bernardo, em um aparelho para tríceps, estava outra vez de frente para a parede de vidro. Faltavam cinco minutos para as 19h, a aula de yoga já ia começar.
Com o olhar perdido em Renata, Bernardo fazia um esforço duplo no exercício. Fisicamente trabalhava os músculos, mentalmente tentava focar em não errar na contagem das repetições e das séries, temendo parecer um otário distraído babando pela mulher na sala em frente. Ela não o tinha visto ao entrar, fora direto para o recinto de sua aula. Ela andava tão segura, não se importava com nada ao seu redor… Era como se fosse superior a todos eles. Não por se “achar” melhor, mas simplesmente por não estar nem aí para ninguém.
Bernardo, que agora exercitava os bíceps sem tirar os olhos dela, se perdia em seus pensamentos. Será possível que Renata não o tivesse visto nem de canto em momento algum? Ou ela fingiria não vê-lo? Eles passariam a se cruzar toda hora no prédio e na vizinhança sempre se ignorando mutuamente? Até que se tornassem completos estranhos?
Terminou outra série e começou a pausa, pegando a garrafa de inox do chão e bebendo a água ainda gelada. Começou a se lembrar… Naquela madrugada de carnaval, houve um momento em que sentiram sono e até cochilaram nus… Ele tinha acordado antes. Renata estava de costas para ele, deitada de lado, as pernas flexionadas. Conseguia ser ainda mais linda relaxada. Seu corpo curvilíneo parecia pequeno quando em repouso. Bernardo não resistiu e contornou as formas dela com a mão quase sem encostar, apenas o suficiente para arrepiá-la, começando do ombro, descendo pela cintura, até o quadril. Ao mesmo tempo, aproximou-se e encaixou o corpo no dela, acomodando o membro que já enrijecia entre suas nádegas e o rosto entre o pescoço e o ombro dela. Agarrou-a exatamente onde se destacava o osso do flanco, e começou a distribuir beijos perto da sua orelha, acordando-a.
Na academia, o universitário forçou-se a se concentrar. Faltava mais uma série. Voltou ao exercício. Do outro lado da parede transparente, Renata passava lentamente pelas posturas do guerreiro I para o guerreiro II, depois para o guerreiro III. Bernardo sentia que podia babar e até ficar duro se prestasse muita atenção aos músculos tensionados nas coxas e na bunda de Renata. Que mulher perfeita…!
Foi quando os olhos dela, que vagavam sem direção certa, focaram nele. Ela pareceu se perder por um segundo, em seguida, no entanto, voltou a imitar cada um dos movimentos da professora, já olhando para outro lado. Claro que ele ia fazer academia perto de casa! Manter aquele corpo deve dar trabalho…, pensou Renata, umedecendo os lábios discretamente e espiando de canto onde Bernardo estava. Mais um lugar para trombar com ele. Analisou com o rabo do olho os braços tatuados descobertos pela regata que ele usava. Ele era tão forte… Recordava-se de quando transaram com ele de pé e ela envolvendo seus quadris com as pernas… Aquelas mãos grandes e lindas em sua bunda, mantendo-a suspensa com facilidade enquanto arremetia para dentro dela beijando seu pescoço, seus ombros…
O corpo de Renata mudava de posição sem que ela desse por isso, absorta em lembranças. Já cheguei à conclusão que isso não tem nada a ver naquela noite mesmo. Por que pensar nisso agora?, perguntou-se, tentando afastar os pensamentos intrusivos.
Terminou sua aula, pegou suas coisas no armário e foi para a casa a pé. Chegando lá, ao entrar no elevador, percebeu que Bernardo vinha praticamente no seu encalço. Ele segurou a porta metálica que se fechava e entrou com ela naquele espaço exíguo.
— Boa noite. — cumprimentou ele, se encostando no espelho do fundo do elevador.
— Boa noite. — ela respondeu.
— Além de vizinhos, frequentamos a mesma academia, não é? — ele perguntou, puxando conversa, mantendo o olhar nos números que iam mudando no visor da parede.
— Sim, te vi hoje. Mas você estava longe, eu estava na aula de yoga.
— Ah, pode ter certeza que eu percebi que você estava na aula de yoga. Impossível não ver. — disse ele, com um leve tom de ironia na voz, analisando-a dos pés à cabeça de um jeito que a fez sentir-se nua.
Renata franziu o cenho.
— Do que você está falando, garoto?
Assim que o número sete apareceu na pequena tela negra, a porta se abriu. Ambos saíram lado a lado, mas em seguida viraram-se de frente um para o outro.
— “Garoto”, Renata? Achei que depois daquela foda fodástica você tivesse se convencido de que eu sou um homem.
Ela se calou. Entreolharam-se.
— Ou estou errado? — a voz de Bernardo ficou mais baixa e ele se aproximou de Renata, que ergueu o rosto para encará-lo. — Se você fingiu, eu realmente sou um menino, porque me enganou direitinho. Todos aqueles gemidos, seu corpo se contraindo, tremendo nos meus braços, sua boceta apertando meus dedos, meu pau… Não eram orgasmos verdadeiros?
O peito de Renata subia e descia mais rápido denunciando a respiração que se descontrolava com a proximidade dele. Sentiu que ficava molhada.
— Não… digo… não estava mentindo, eu nem sei fingir, sou contra fingir, o que eu ganharia fingindo? Um foda ruim e um cara se achando o bom?
Conforme ele se acercava, ela andava para trás na direção da porta do 701.
— E é isso que eu sou? A foda ruim? Estou “me achando o bom”, sem ser? — ele perguntou num sussurro, levando uma mão à cintura dela. — Se você vai dizer isso, sinto te informar, mas seu corpo não concorda com você.
Inconscientemente, Renata baixou os olhos para os lábios de Bernardo, mordendo seu próprio lábio inferior.
— Não é essa a questão. — ela falou baixinho, olhando para ambos os lados do corredor, com medo que chegasse alguém. — Nunca foi. Foi bom, Bernardo. Só isso. “Foi bom”, observe, “foi” é passado. Não precisa se repetir apenas porque foi uma “foda fodástica”. Você acha que é o único cara que sabe foder na Terra, é? Talvez essa sua insistência seja coisa de garoto mesmo.
Bem devagar e sem tirar o olhar do dela, Bernardo colou seus corpos. Ela se encostou na porta. Foi impossível para Renata não perceber que o pau dele estava pronto para entrar em ação. Então ele roçou também lentamente os lábios por sua face, indo até o cantinho da boca.
— Ok… talvez você tenha razão. — murmurou, apertando a cintura dela com a mão que pousara ali. — Mas, se sou um garoto, sou um garoto louco pra te comer.
A calcinha de Renata inundou-se de vez e ela começava a cerrar os olhos, entreabrindo os lábios, quando Bernardo, exibindo um sorriso sacana, deu dois passos atrás soltando-a.
— Não diga que não te informei a respeito. Como eu tinha dito sobre o vinho… Me avise se mudar de ideia.
Ele piscou e andou até o 705 da forma mais convencida possível, cheio de si.
Filho da puta, xingou Renata em pensamento. Agora preciso de um banho frio. Esse rapazinho me tirou do sério só se encostando em mim! Já fui mais forte, hein? Estou perdendo o jeito.
Entrou no apartamento, largou a mochila no sofá. Foi para o chuveiro, onde deixou a imaginação fluir com a água, enquanto as mãos exploravam o corpo. E só tinha espaço em sua mente para Bernardo.