Com dois milhões de habitantes, Nova Persépolis, construída sobre as ruínas da antiga, estava entre as maiores cidades do mundo e apresentava um próspero comércio, como se podia constatar através das centenas de barracas do mercado central, que ao cair da noite encerrava suas atividades.
Um sujeito baixinho e encurvado, que devia ter seus sessenta ou setenta anos, cujos cabelos brancos desalinhados escapavam com rebeldia do gorro vermelho, acabava de comprar o que precisava com uma moeda de prata que apresentava uma efígie do rei Shapur.
Ultrapassou o portal do mercado, decorado com arabescos e encimado pela estátua em mármore de um leão, com em uma mão um saco que continha vidraria de laboratório, um pelicano e crisóis, e a outra que puxava um garoto de cabelos escuros e olhos profundos, que não deixavam escapar nenhum detalhe do cenário, fascinado, sobretudo, com os catafractários de cavalos encouraçados que passavam patrulhando as ruas.
O adulto parecia apressado e desajeitado, arregalados seus grandes olhos azuis. Já o menino, que aparentava contar nove ou dez anos de idade e trazia em seu saco um almofariz, uma balança e um pilão, caminhava ereto, ainda que em andrajos.
Refugiaram-se em uma casa de beco, que dentro era mais ampla do que poderia parecer por fora.
Havia ali livros empilhados no chão perto de dois enxergões surrados, uma cadeira roída, um banquinho sobre o qual estava apoiado um par de óculos e mesas com uns quantos vasos destiladores, cadinhos e vidros diversos, que continham substâncias devidamente rotuladas. No entanto, a maior parte do espaço era ocupada por uma fornalha autorreguladora, que continuava quente sem que fosse preciso cuidar dela graças a um engenhoso sistema de ventilação que mantinha vivas as brasas. Era o laboratório do alquimista e de seu ajudante.
– Veja Saoshyant, você que tem o nome do futuro Cristo dos persas! Está vendo isso? – Aquele era um fugitivo de Flandres conhecido como van Helmont, que escapara para bem longe da ganância do conde local após ter seus experimentos denunciados por invejosos, que haviam espalhado boatos de que conseguia fabricar ouro e prata como um homem comum é capaz de defecar.
Helmont sempre deixava claro "ainda não, ainda não", e precisara fugir para não ser encarcerado como charlatão, pois sabia que os resultados não viriam tão cedo àquela altura.
Retirara-se para a distante Pérsia, onde conhecera o menino. Saoshyant fora abandonado nas ruas de Nova Persépolis e não se lembrava de mais nada além do nome, porém havia marcas de violência em seu corpo. Adotara-o, conviviam havia dois anos e tornara o garoto um auxiliar valioso e um aprendiz dedicado.
– Como poderia me explicar o que está acontecendo, meu jovem discípulo? Como pode a água ficar vermelha pelo mero processo repetido de destilações? Não é maravilhoso? Espero que compreenda as propriedades do enxofre dos sábios! – Gostava de lhe mostrar os resultados de suas experiências, e não só de explicá-las de forma mecânica, tornando-as atraentes para que o menino as compreendesse. – Se eu não conseguir chegar à Pedra, algum dia você a obterá, meu filho. – Tinha fé em seu herdeiro. Mas escutar certas leituras que o mestre fazia em voz alta para que as interpretasse depois ainda era penoso e confuso, sobretudo quando Helmont resolvia fazer comentários como se fosse tudo muito evidente: – Ripley afirma que, após encher o sapo com suco de uva até fazê-lo estourar, deixou o cadáver do animal apodrecendo por oitenta e quatro dias, para então grelhá-lo em fogo suave até que vertesse veneno. Está claro o que ele quis dizer, não é? – O garoto não podia dizer muito… Gostava dos livros ilustrados, como o célebre Mutus Líber.
Deste, o alquimista trouxera de Flandres uma cópia, e com esta as anotações que fizera anos antes.
Silencioso, Saoshyant a abria para fitar e estudar as figuras, que diziam muito, e ler o que o mestre escrevera sobre cada lâmina. Se queria mesmo se tornar um alquimista, precisaria prestar bastante atenção:
"Primeira lâmina: O homem está adormecido na natureza. Por mais que se encontre imerso nela, entre pedras, árvores e folhas, não se dá conta disso, considerando-se um ser à parte. O auxílio do alto (os anjos) vem justamente para despertá-lo. A roseira com muitos espinhos e somente duas flores representa um caminho que proporcionará realizações, porém ao mesmo tempo dificuldades, desafios, abrangendo toda a existência, ficando de fora apenas as estrelas (dez) e a Lua, que talvez precisem de um esforço ainda maior para serem conquistadas. Solve et coagula. Nada se perde; nenhum aspecto deve ser negligenciado. A escada (com onze degraus visíveis) é o caminho da ascensão espiritual e também pode representar nossa própria coluna vertebral, partindo da base (o chão), passando por todos os centros espirituais, que correspondem aproximadamente aos nossos principais órgãos (os degraus), e tendo no topo um anjo que nos encoraja a não desistir com sua trombeta, que representa o chamado de Deus, que não aceita a preguiça. O texto em latim diz: “O livro mudo, no qual se encontra entretanto representada toda a filosofia hermética em figuras simbólicas, por três vezes consagrado ao ótimo e máximo Deus de misericórdia e dedicado exclusivamente aos Filhos da Arte do Sol.”, Altus o autor. As referências bíblicas foram extraídas do Velho Testamento:
(Gênesis 28:11)– E chegou a um lugar onde passou a noite, porque já o sol era posto; e tomou uma das pedras daquele lugar e a pôs por seu travesseiro, e deitou-se naquele lugar.
(Gênesis 28:12)– E sonhou: e eis uma escada posta na terra, cujo topo tocava os céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela.
(Gênesis 27:28)– Assim, pois, te dê Deus do orvalho dos céus, e das gorduras da terra, e abundância de trigo e mosto.
(Gênesis 27:39)– Então respondeu Isaac, seu pai, e disse-lhe: “Eis que tua habitação será nas gorduras da terra e no orvalho dos altos céus.”
(Deuteronômio 33:13)– E de José disse: “Bendita seja a terra do Senhor, com o mais excelente dos céus, com o orvalho e com o abismo que jaz abaixo.”
(Deuteronômio 33:28)– Israel, pois, habitará só, seguro, na terra da fonte de Jacó, na terra de grão e de mosto; e os seus céus gotejarão orvalho.
Na figura que observo, as referências bíblicas se encontram invertidas. Provavelmente para dificultar o entendimento do pesquisador, já que as informações transmitidas são bastante claras. A matéria da Obra ficará ainda mais evidente adiante, porém está claro que tais trechos dos livros de Gênesis e Deuteronômio demonstram que as histórias neles contidas não são meras fábulas, podendo inclusive ser interpretadas como alegorias herméticas, que muitos doutos julgam ser uma filosofia posterior. Não imaginam o quanto desconhecem e continuarão ignorantes, presumindo que tudo pode ser encontrado de mão beijada em livros para crianças.
Segunda lâmina: (14/02/98) Aqui me parece haver um destaque para a harmonização entre os polos masculino e feminino, o Sol e a Lua, que entram em harmonia quando as emoções (o elemento água, representado por Netuno no interior de uma gota segurada por um anjo masculino e outro feminino) não arrastam o indivíduo. Embaixo temos um casal de alquimistas que, enquanto acima tínhamos uma representação de aspectos complementares do espírito, realizam a parte prática da obra, com as cortinas atrás dizendo respeito a mistérios que ainda não foram revelados. O Sol faz referência às influências cósmicas que penetram em nossa matéria.
(16/03) No que diz respeito à parte prática da Obra, percebo que me precipitei ao não relacioná-la também ao que analisei acima, pois Netuno, deus do mar, deve representar um fluido, um líquido, que combine as essências lunar e solar, as duas crianças também contidas na gota. Não que a interpretação mística seja inválida, mas ainda não era o bastante.
(30/04) Mais uma atenta observação e esta lâmina agora me parece dizer respeito ao conjunto da Obra, o Sol cercado de nuvens uma referência óbvia à umidade que se encontra no ar, e basta pensar no cheiro de maresia que encontramos no orvalho destilado. Os anjos, observando-os com atenção, parecem-me agora os mesmos da primeira lâmina e a gota um balão de vidro na verdade, fechado em sua parte superior pelo fogo. A presença de Netuno no interior do vaso é uma clara alusão à presença de uma substância aquosa no interior deste. E tomando-se em consideração as referências bíblicas anteriores, já temos a chave do tipo de líquido que se trata. Um dos anjos dá a impressão de observar o leitor como se dissesse: “veja o que tenho aqui”, enquanto o outro parece olhar como que a perguntar: “Entendeu?”. O piso onde os anjos estão é diferente daquele onde o casal se encontra e observa-se entre as duas partes da figura uma indicação que os anjos e o casal alquímico estão em mundos ou estados diferentes, os dois humanos de joelhos em respeito a Deus.
O vaso antes nas mãos dos anjos se encontra aqui no interior do forno (Henricus, o lento, mencionado por Irineu Filaleto), que é pequeno, como a chama de uma vela, talvez para sugerir que o fogo empregado deve ser brando, e a via apresentada aqui é portanto a úmida. As cortinas, se observarmos melhor, podem querer dizer que o mistério já foi revelado e não se encontra mais oculto.
Terceira lâmina: (14/02/98) O trabalho do alquimista faz com que ele saia da roda do mundo (o que os hindus chamavam de samsara), sublimando-se (o homem sobre a águia) e unindo os dois polos, o Sol e a Lua. No primeiro círculo os céus, no segundo a terra, com animais e o que parecem ser cenas campestres, e no círculo central as águas. Círculos que também podem representar o mental, o físico e o emocional do indivíduo, aperfeiçoados ao longo da Obra. Um entendimento entre as águas da terra e as dos céus deve ser buscado, possivelmente. E qual água vem do céu e cai na terra e depois evapora para voltar ao céu?
(17/05) O rei com seu cetro, o que indica sua nobreza (pode ser também Zeus ou Júpiter), sentado sobre o pássaro, parece ser uma nova alusão às matérias do Sol e da Lua. Na parte exterior da figura é também indicada a umidade do ar, cujo movimento é provocado pela ação do Sol e da Lua sobre o mundo, representado pelos círculos, que agora me dou conta que podem representar o vaso da lâmina anterior. Fazendo o sentido inverso de minha primeira interpretação, no círculo interior observa-se nosso casal alquímico em um barco que flutua nas águas de nosso pequeno mundo tentando pescar algo de bom ou precioso no fundo do mar (água salgada?), mas está sendo impedido por Netuno e por monstros marinhos, o que creio ser uma alusão às impurezas encontradas em nossa água. Novamente do místico passo ao prático! Não é nenhuma surpresa, pois as duas coisas estão interligadas. Noto que o tridente de Netuno está projetado no segundo círculo e na direção da sereia do terceiro círculo, indicando uma progressão do trabalho, no terceiro círculo já com muito menos impurezas.
O segundo círculo é seco, seus seres estão colocados sobre uma matéria seca ou sobre a terra; neste círculo vemos um touro e um carneiro em referência aos meses do ano mais apropriados para o trabalho. De volta para o casal alquímico, a mulher do lado esquerdo da figura segura uma rede que fica suspensa na direção dos pássaros, uma referência a capturar o volátil, e com a outra mão chama a atenção de seu companheiro do lado direito da figura, que por sua vez tem um dedo de sua mão apontado para o círculo interior, enquanto a outra segura uma vara de pescar, cuja ponta da linha puxa ou segura a sereia do terceiro círculo. No ponto mais alto deste círculo vemos uma mulher colhendo flores, que, a meu ver, representam os frutos do trabalho.
No terceiro círculo prevalece o elemento ar, se bem que se pode ver uma certa quantidade de vapor ou água em seu interior. As aves e o pavão aludem a esse aspecto volátil, e observamos que os pássaros estão num total de dez, representando o número de destilações ou sublimações. Voam em direção à rede onde na sequência já há água e nossa sereia foi capturada. Nestas águas, como tinha mencionado, já não se encontram mais tantas impurezas. Seguindo nessa mesma direção, percebo que a água anteriormente condensada toma um aspecto de vapor onde no alto nosso alquimista indica que o processo ou operação é contínuo, e deve ser repetido, talvez pelo número indicado pelas aves, que é o mesmo número de estrelas da primeira lâmina (10).
Quarta lâmina: É a coleta do orvalho (um líquido elementar de muitas propriedades, formado por água e ar e encontrado na terra sólida), acumulado nos panos que os dois alquimistas (o homem e a mulher, a razão e a intuição, o mercúrio e o enxofre, novamente os dois polos) haviam estendido nos campos. O carneiro e o touro aparecem no meio em alusão aos signos dos meses nos quais a coleta é mais propícia. A estação é a primavera. Dos céus descem as influências cósmicas que penetram no orvalho. Por meio desta lâmina, a mais clara de todas, e com as citações bíblicas contidas na primeira, fica mais do que evidente qual é a matéria da Obra. A presença do Sol e da Lua aqui lembra a passagem da Tábua de Esmeralda. Vemos cinco lençóis suspensos por estacas para colher o orvalho; o número cinco refere-se à quintessência.
Quinta lâmina: Nesta o casal de alquimistas ressurge em seu laboratório, colocando o orvalho para ferver. Ao término da operação, após apagarem o fogo, parece-me que ele fica com o mercúrio e ela com o enxofre, que depois entrega a um homem com uma Lua crescente no tórax. Este deve simbolizar uma essência “feminina”, e Filaleto diz no primeiro capítulo de Entrada Aberta ao Palácio Fechado do Rei que “todo Mercúrio vulgar é macho, quer dizer, corporal, específico, morto, ao passo que o nosso é espiritual, feminino, vivo e vivificante.”, o que pode significar que o mercúrio e o enxofre devem ser mesclados novamente para se alcançar uma maior purificação. A rosa deve encontrar a cruz para perder os espinhos, que se tornam parte da coroa. Mas isso não de imediato.
Abaixo o mercúrio é despejado mais uma vez para que seja repetidamente evaporado e condensado. O número 40, embaixo da fornalha, não deve se referir ao número de destilações, que me parece que seriam 10 como indicado pelo número de estrelas da primeira lâmina e pelas aves da terceira. Possivelmente se refere ao número de dias durante os quais o processo de circulação deve se repetir.
Sexta lâmina: Uma vez circulada a matéria pelo tempo necessário, esta é colocada em uma jarra e parece ser posta em banho-maria, sendo obtido um novo resíduo em forma de flor ou estrela, que é depois entregue ao Sol. Podemos extrair daí a informação que se trata de uma essência solar, o que me lembra uma outra passagem de Filaleto, a respeito da estrela: “E tu, assim que vires a tua estrela, segue-a até o seu berço: aí verás um belo infante, separando-o de suas impurezas. Honra esse rebento real, abre o teu tesouro para oferecer-lhe ouro; e, após a sua morte, ele te dará da sua carne e de seu sangue, medicina suprema para os três reinos da terra.”, e depois o casal volta a trabalhar com o enxofre da lâmina anterior, purificando-o.
Sétima lâmina: O mercúrio destilado é combinado com o enxofre, depois mexido e pilado. A mistura é guardada e na sequência os alquimistas a aquecem em um recipiente raso. Depois a mulher retira os resíduos. O que podem indicar as estrelas no recipiente? Talvez o número de vezes que o processo tenha que ser repetido ou o número de horas ou dias que a operação deva durar. A importância do fogo está clara logo abaixo, com um homem com uma criança em seus braços entregue às chamas. Deve simbolizar os resíduos, e uma vez que estejam purificados o alquimista despeja o líquido destilado sobre estes, sendo enfim entregue uma essência lunar, como mostra a figura feminina com o crescente na testa. O homem que a entrega parece o mesmo que esteve no fogo, nunca deixando a criança, talvez dando a entender que na obra nada se perde ou se joga fora, e segura na mão uma espada. Mais uma vez no recipiente as estrelas.
Oitava lâmina: Os anjos aparecem com o que é evidentemente o mercúrio, com as essências lunar e solar debaixo dos seus pés. As aves reapareceram, outra vez em número de dez. Esta lâmina se parece bastante com a segunda, mas com Mercúrio no lugar de Netuno. As nuvens são mais numerosas, mas ao mesmo tempo o Sol dá a impressão de irradiar mais claridade, dando a entender que o orvalho foi purificado, que não é mais tão aquoso como mostrava com Netuno, deus dos mares e da água. As cortinas agora revelam janelas, sinalizando os progressos dos alquimistas, diante dos quais um novo mundo se descortina. Em relação à segunda lâmina, a mulher não usa mais lenço, sinalizando que a matéria está mais livre, mais pura, e o casal mantém sua posição devocional, salientando que o respeito a Deus e a fé não podem faltar.
Nona lâmina: Uma nova coleta é feita, agora com recipientes rasos, como bacias. Mais uma vez os signos do touro e do carneiro sinalizando o período do ano mais propício. A água colhida é oferecida ao deus Mercúrio, indicando que talvez o que foi coletado deva ser misturado ao mercúrio dos filósofos.
Décima lâmina: No alto o casal reúne as essências que haviam sido entregues ao Sol e à Lua, indicadas pela estrela e pela flor, medindo-as em quantidades equivalentes antes de mesclá-las ao que foi coletado na lâmina anterior. A solução é selada em um frasco, depois posto em uma fornalha. O número dez aparece na terra, bem embaixo, ao pé da Lua, a sugerir que o aquecimento deve continuar por dez dias. Nesta parte inferior o Sol e a Lua estão de mãos dadas, sinalizando a combinação das essências, tanto que na cabeça dela os dois astros até se misturam. Na extrema esquerda da parte inferior do painel, ao lado da fornalha, há um círculo envolvendo outro e mais outro, dando a entender, do meu ponto de vista, a unificação das essências solar e lunar.
Décima primeira lâmina: O paralelo com a oitava e a segunda lâminas é bastante evidente. Parece mais clara, simbolizando a proximidade do objetivo; o número de pássaros é o mesmo, as essências solar e lunar estão abaixo de Mercúrio sem terra, o que indica que foram purificadas, e mais embaixo o casal está livre das cortinas, com quatro janelas abertas. A mulher olha para o observador com o que parece ser um sorriso, indicando que a realização está próxima. O homem mantém a seriedade e a devoção para indicar que, apesar do êxito não se encontrar distante, ainda é preciso trabalhar, manter a disciplina e agradecer a Deus.
Décima segunda lâmina: Mais uma coleta é feita, em uma nova primavera, e o líquido outra vez entregue a Mercúrio. Estas imagens praticamente repetem a nona lâmina, indicando os processos repetitivos e a paciência que o que se postula como Adepto deve ter.
Décima terceira lâmina: Os alquimistas combinam porções iguais das essências solar (desta vez representada pelo símbolo do Sol com uma face humana) e lunar, como mostra a balança, com a matéria colhida, sendo tudo selado em um frasco e aquecido mais uma vez na fornalha. Os números aos pés do Sol e da Lua na parte inferior da lâmina devem indicar que o processo precisa ser repetido muitas vezes, sem pressa.
Décima quarta lâmina: Aqui os alquimistas realizam três trabalhos distintos, indicados os números de vezes que devem ser repetidos, respectivamente por seis, duas e dez vezes. No forno continua a purificação das matérias lunar e solar, indefinidamente. Na parte de baixo, os alquimistas selam os próprios lábios, indicando que o Artista não deve sair por aí falando sobre sua obra ou se jactando de seus resultados. O símbolo do mercúrio está embaixo da Lua no frasco e há uma inscrição que exorta nossos artífices a “orar, ler, reler, labutar e descobrir”.
Décima quinta lâmina: Nesta última, a derradeira lâmina do Mutus, os alquimistas ascendem, não há mais espinhos, o trabalho foi um sucesso, a realização alcançada. Estão de mãos dadas, portanto o masculino e o feminino, o solar e o lunar, se acham reunidos. “Provido de olhos, tu partes”: agora podem ver claramente os anjos, há asas ou folhas que se parecem com asas na parte inferior do círculo e a escada foi relegada a um segundo plano, pois não necessitam mais dela para alcançar os Céus. Morto está o que eram, sendo dois novos seres que nascem.
Conclusão: O Mutus Liber não é uma obra qualquer. Foi realizada por Artistas verdadeiros, sinceros, que chegaram ao ápice de seu trabalho e quiseram dividir esse êxito com seus irmãos, sendo claros na medida do que era possível. Mais impossível, tendo em vista a ganância dos príncipes e a ignorância dos povos. Nunca será o ouro o objetivo do alquimista, nunca ele gastará sua Pedra em uma vã multiplicação, e sim no desvendar os segredos da natureza, que não se limitam a este mundo, mas se estendem aos sete Céus. Se com a chave do universo o homem pode seguir para a Lua, para Marte, Vênus, Saturno, Mercúrio ou Júpiter, ou quiçá mais além, por que deveria ele permanecer enclausurado na Terra, tentando distribuir pérolas aos porcos que acreditam que conhecem tudo? Ignorância e soberba são dois males que fazem com que a humanidade não reflita, que se limite a se envaidecer, como se o conhecimento não fosse um chaos altamente volátil. Acreditam os tolos que o conhecimento é uma terra firme, onde podemos pousar os pés. No entanto, a sabedoria não é assim. É mais semelhante a um fogo que não queima, e sim conduz à mors ignea por outro caminho. De todo modo, “non cogitat qui non experitur”, a experiência e o pensamento pareciam-se com um casal de camponeses a cavar um buraco sem fundo para o pobre Saoshyant, que quanto mais estudava, tinha a impressão de que menos sabia.
Desistir, no entanto, enquanto lia e relia com frequência e afinco aquelas e outras anotações daquele que era praticamente seu pai e que não deixava escapar nenhuma obra alquímica que caía entre seus dedos, soava como algo fora de cogitação.
Alcançaria a luz no fundo do abismo, por mais que não pudesse descer por ele com uma simples corda; saber de que pedra eram feitas as bordas do precipício já era uma informação válida para que ali pudesse colocar os pés.