Miguel, tendo perdido os sentidos, voltou a si não soube dizer quanto tempo depois.
O passado recente era também a lembrança imediata e por isso levou a mão esquerda ao lado direito.
Encontrou, para a sua tristeza, um ombro e nada mais.
– Até que enfim acordou. Pensamos que fosse dormir até o fim dos tempos. – Por demais ocupado consigo mesmo, só ao ouvir aquela voz calma que se deu conta de que não estava sozinho, deitado em uma cama, com alguém sentado ao seu lado.
O rosto com o qual se deparou a princípio lhe pareceu um mar sem sol; os lençóis estavam manchados de sangue e a madeira do leito rangia.
– Cuidado, é melhor não fazer movimentos bruscos. – Tentou se levantar e o sujeito o deteve. – Tenha calma, afinal passou dois dias desacordado. O meu nome é Lorenzo, mas costumam me chamar mais pelo meu sobrenome, Cavalcanti.
– O seu sobrenome não me é estranho.
– Sou de uma família tradicional de Florença. Mas isso pouco importa, pois somos iguais aos olhos de Deus.
– Acho que uma vez lutei contra um Cavalcanti em um torneio. Só contesto o que disse: não somos iguais, tanto que me falta um braço. – A ironia da vida era amarga.
– Não se revolte contra Deus, porque não vai adiantar nada. A sua vida não vai melhorar com isso.
– Custa-me acreditar que fiquei dois dias inteiros fora de mim; e nem tive sonhos! Parece que levei uma pancada e zás! Não existia mais. Se morrer é assim, talvez não exista nenhuma esperança para os homens. Somos pó e ao pó voltaremos. Talvez nisso sejamos iguais. E não estou inventando, é o que a Bíblia diz. Talvez não haja esperanças e Deus seja cruel.
– Esse pó assume formas distintas, e a partir do barro podemos produzir belas imagens. Um amigo do meu pai, chamado Campanella, não o vi mais, não sei que fim teve, mas era uma presença marcante, disse-me uma vez que Deus não nos deu rosto nem lugar que nos sejam próprios, nem qualquer dom que nos faça únicos, pois como Adão temos que desvelar nosso rosto, descobrir nosso lugar e esculpir nosso dom trabalhando, para que os conquistemos e os possuamos por nós mesmos, não por méritos Dele nem pelos dos outros. Outras espécies podem ter sua natureza definida por leis, mas os humanos não são delimitados por nenhum confim. Nós nos movemos de acordo com o nosso arbítrio, entre as mãos Daquele que nos moldou e nos colocou aqui. Fomos postos no mundo a fim de melhor contemplar o que o mundo contém. Não somos celestes nem terrestres, nem mortais nem imortais, a fim de que nós mesmos, à maneira de bons pintores ou hábeis escultores, desenhemos nossa própria forma e fortuna.
– O discurso do seu amigo é bonito, mas será que pode devolver o meu braço? Quero um pouco de barro para fazer um braço novo. Será que isso Deus pode me dar?
– Incrédulo e ingrato. Está tão preocupado com o seu braço que se esqueceu de agradecer aos que lhe salvaram a vida? Afinal, o que é mais importante, a vida ou um braço? – Despontou na porta do quarto um sacerdote de rosto quadrado e traços pétreos, trajado com uma batina vermelha e com um crucifixo dourado pendurado ao pescoço.
– Deixo meu obrigado a vocês, porém não posso ser grato a Deus. Às vezes suas criaturas são mais justas. Mas, a propósito, quem são vocês, por que me salvaram e onde estou?
– Vamos começar pelo fim, que é mais simples de responder. Você está agora em um vilarejo no interior de Castela, para que se recupere, e nós estamos aqui hospedados para nos prepararmos para a missão sagrada que temos pela frente. Em sua revolta contra Deus e a Cruz, esquece-se de que Ele é a única proteção válida contra os demônios.
– Nós o salvamos simplesmente por ser um filho de Deus e um cristão como nós. Nenhum outro motivo. – Surgiu também um homem pálido e de olhos puxados e melancólicos, além de longos cabelos negros.
– Este é Masamune. Foi ele, um homem da terra onde o Sol nasce, quem o livrou das garras do demônio que estava para encerrar seus dias na Terra. A extraordinária velocidade dele, um dom divino, foi o que propiciou que sua vida fosse salva.
– Acho que começo a compreender. O senhor não me parece um sacerdote qualquer. É um padre vermelho. E esses dois devem ser cruzados – deduziu Miguel.
– Como dizia o amigo Campanella, tudo somos nós que construímos. Você não precisou de todas as nossas respostas. Construiu uma para si e está correta – replicou Cavalcanti.
– Sou Tomás de Torquemada, cardeal da Santa Igreja Romana. Vim para confirmar as notícias sobre práticas de feitiçaria e magia negra difundidas nesta região. – Adiantou-se o ilustre membro da Ordem do Graal. – Como se não bastasse, ainda fui informado que um cruzado possuído também tem agido por aqui. E isso já confirmei. O demônio no corpo desse nosso saudoso companheiro foi justamente o que tentou matá-lo, cavaleiro.
– Agora me lembro. Ele mencionou algo a respeito disso durante o nosso combate. – Miguel passou a mão sobre o rosto.
– É um milagre que ainda esteja vivo. E é por isso que trouxe comigo dois cruzados. Masamune não pôde enfrentá-lo, pois priorizou salvar a sua vida. Mas ele nos preocupa menos do que os rumores sobre a degeneração dos aristocratas deste reino. Em Roma fala-se das práticas do conde Henrique de Toledo. Vim para conhecê-lo e verificar de perto o que ocorre.
– Conheço o conde de Toledo e estava lutando, com meus companheiros, contra o exército de monstros que ele evocou. E pelo que aquele ex-cruzado verde me disse, agora Henrique planeja tomar o reino, e tenho certeza que meus pais estão em grave perigo. Posso lhe contar muitas coisas, Eminência. O meu nome é Miguel e sou o filho do alferes-mor.
– Que feliz coincidência! Ou melhor, decerto a Providência nos favoreceu. Conte-nos, pois, sua história, omitindo os detalhes desnecessários, mas detalhando tudo o que for importante para a nossa compreensão e o êxito deste empreendimento. – Ao que se seguiu a narração de Miguel, que o cardeal escutou com vívido interesse, Cavalcanti com uma atenção tranquila e Masamune, apesar de parecer desinteressado, também ouvia. – Não deveria mesmo estar revoltado contra Deus! – comentou Torquemada ao fim da história. – Afinal, aceitou participar de um desafio tolo e caiu na trama do conde Henrique. Mereceu, por sua vaidade, tudo o que passou.
– O senhor é às vezes muito duro – foi o comentário de Cavalcanti.
– Você é ainda um novato, um cruzado neófito. Com a experiência, compreenderá o que eu disse. Já vi muitos soberbos e pretensiosos que depois se lastimam pelo mal que recebem. São tolos!
– Teremos em breve que marchar para Burgos, portanto. – Masamune levou a mão à espada presa à cintura. – Mas acredito que talvez sejam necessários mais alguns de nossos companheiros. Apenas em dois, será difícil combater uma horda de demônios e mortos-vivos, um mago negro e ainda um possuído, sobretudo se lutarem juntos. Vossa Eminência sabe que não estou com medo, mas é arriscado.
– Sei que não teme nada, o que às vezes é um erro. Contudo, acredito que a solução já esteja diante de nossos olhos: estamos atualmente em dez cruzados oficiais. Há duas vagas. – Miguel arregalou os olhos. Estariam pensando na mesma coisa que ele? – Jovem, poderá recuperar seu braço se quiser. Deus é infinitamente generoso. Porém um braço valerá pelos inúmeros sacrifícios pelos quais terá que passar, pelas provações que enfrentará?
– Fala sobre me tornar um cruzado? – Devido ao que Torquemada dissera, a resposta em forma de indagação não surpreendeu nem Cavalcanti nem Masamune.
– Se aceitar, terá que abdicar de toda e qualquer ineptissima vanitas. Será um caminho não de glória, mas de medo e desconfiança por parte dos ignorantes. Terá que dizer adeus à sua vida mundana. – A imagem de Maria Cristina chispeou em sua mente. – Por outro lado, terá a força de mil ou mais homens, Deus estará vivo e presente ao seu lado, não sentirá mais necessidade de protestar por ser um infante abandonado e sua vida será longa, se não for pecaminosa.
– Ah… – Não conseguiu pronunciar nenhuma palavra após alguns segundos de silêncio.
– Não precisa responder agora. Ser-lhe-á dado um tempo. Enquanto isso, também não iremos nos mover daqui. Caso aceite, Masamune será seu instrutor e Cavalcanti, que é novo neste mister, será seu colega mais experiente. Peço que respeite os dois.
– Isso Vossa Eminência não precisa nem pedir. Já sou grato a ambos.
– Melhor que nos retiremos – falou com os dois cruzados. – Nosso irmão necessita de um tempo para refletir, afinal tem uma esposa e uma vida na corte. Sejamos pacientes.
Miguel foi deixado sozinho. Olhou bem para a mão que lhe restara. Com ela poderia fazer pouco, tanto por si mesmo quanto por seu reino e pela cristandade. E o que lhe ofereciam era muito mais do que um novo braço e outra mão: era uma vida diferente, de não menos mistérios, porém mistérios novos. Nunca fora um amante do conhecimento, mas teria a oportunidade de tornar a ter amor pela vida e por Deus.
Quanto a Maria Cristina? Sabia ser a castidade obrigação dos cruzados, que no fim das contas eram uma Ordem consagrada à Igreja, de ferrenhos inimigos do diabo, devotados aos filhos de Deus e do Homem. Se dissesse sim ao cardeal, precisaria infringir a promessa que fizera a ela.
Era por demais dificultoso optar entre seu amor e Deus! Contudo, se demorasse demais, talvez a encontrasse morta. Antes sua amada pudesse viver, ainda que distante dele, do que perecer nas garras de demônios.
Naquela noite, ao vencer os pensamentos e adormecer, teve um sonho: neste, Henrique e suas tropas entravam em Burgos, o conde atrás, oculto em uma armadura bem fechada para que não pudesse ser reconhecido caso algo desse errado… Mas como poderia dar errado com o cavaleiro verde na condução dos massacres?
A capital de Castela estava em chamas. As mulheres eram violentadas e crianças eram empaladas em estacas, às quais era ateado fogo. Os mendigos tinham seus corpos abertos e assados, serviam de alimento para os monstros; e novas criaturas terríveis, lobos recém-falecidos ressuscitados pela feitiçaria do inimigo, emergiam das florestas. Espíritos infernais haviam tomado posse de seus corpos, cujas barrigas abertas, de entranhas dependuradas, queimavam de fome.
O demônio que possuíra o antigo carrasco das turbas cruéis também estava faminto e só saciava sua garganta verde com muito sangue que pingava de cabeças decapitadas.
Do geral ao particular, viu Maria Cristina em sua sala de banho, friccionando seus cabelos bem tratados com polvilho. Seu escudeiro Diego entrou, derrubando a porta com a ajuda de uma estátua animada.
O choque foi tremendo tanto para ela quanto para Miguel, que tinha a impressão de acompanhar a cena com seu espírito que pairava pouco acima, sem conseguir pousar no chão.
– Diego? O que quer aqui? E o que é essa coisa? Onde está meu marido? – Levou uma mão ao seio, com os olhos arregalados.
– O seu esposinho está morto. – O homem revelou sua traição. – E agora que é viúva, é também uma mulher livre.
– Mas… como pode? O que está acontecendo? – Ele se lançou sobre a esposa do cavaleiro. Agarrou-lhe os mamilos com excessiva força e passou a mordê-los. – Pare, Diego! Pare! – A estátua móvel já se retirara.
– Não me diga que não está gostando, sua cadela! Achou que ficaria simplesmente na cortesia, minha dama inatingível? Você é acessível e feita de carne e osso, como qualquer puta por aí. Não banque a pura, sua miserável!
Diante daquela situação, Miguel tentou descer e, feito um fantasma, apavorar o traidor. Ira, tristeza e indignação turvavam sua face espiritual, que se deformou a tal ponto que lembrava a dos demônios; contudo, foi repelido. Uma aura negra e que queimava como fogo protegia o maldito escudeiro. Talvez a mesma que fazia com que fosse aceito pelos soldados do conde, e que devia proteger o próprio conde, de forma que os monstros não os vissem como comida e sim como corações a dirigi-los. "Esse filho da puta fez um pacto para ter a minha mulher!" Entrementes, não estava acabado: teve outra visão, na qual Henrique entrava no salão do trono e mandava seus servos abomináveis, que já carregavam as cabeças do alferes-mor e de sua digníssima esposa, decapitarem o rei e a rainha de Castela. O trono era seu.
Miguel acordou com o peito dolorido. O coração prestes a saltar para fora; e a dor também era grande onde deveria estar o braço que fora extirpado.
Além de tudo isso, uma forte enxaqueca. Chegou a se ver como mulher, sua carne mordiscada por um homem asqueroso, que só conseguia vulgarizar a feminilidade.
Seu grito ecoou para dentro, mas, ainda assim, foi ouvido por Cavalcanti, que, do lado de fora, hesitava em entrar na casinha que havia sido reservada ao cavaleiro.
– Está precisando de ajuda? – O cruzado apareceu quando ele mais precisava.
Levantou-se da cama e, certo de que não fora um mero sonho e sim a realidade, talvez, esperava, ainda não concretizada, mas que iria se cumprir, decidiu não aguardar mais:
– Quero ser um de vocês – falou no ouvido do florentino, que o abraçou com força; do outro lado, um abraço frouxo com um só braço e lágrimas. – Fui muito ingrato com Deus. Mas esta noite Ele me mandou um aviso. De qualquer forma, ficarei sem a minha mulher. Não sou egoísta a ponto de preferi-la morta a que fique distante de mim.
– Deus soma e não subtrai. Mesmo que tenha que se afastar dela, terá novos irmãos.
– Assim espero. Quero beber o sangue de Cristo e enfrentar meus demônios.
No dia seguinte, recebeu de Torquemada o fluido sagrado. O cardeal o serviu em um cálice de madeira. Tomou-o, deitou-se, e então a cruz de ferro aquecida por Masamune o marcou bem na área do coração. Uma dor tão atroz que desfaleceu. Ficaria de novo inconsciente por dois dias.
Ao voltar a si, a primeira coisa que fez foi levar a mão esquerda ao lado direito do corpo. Desta vez, para seu júbilo, o braço estava ali. Pôde reabraçar Cavalcanti, com intensidade renovada:
– Sou como Adão: após perder o Paraíso, consegui remodelar o meu destino.
– Acredito que agora tenha compreendido as palavras de Campanella. Vamos em breve colocá-las ainda mais em prática.
– Não sei por quê, mas acabei de acordar e me sinto cansado.
– É normal. Eu também, às vezes, sinto um certo cansaço. Masamune me explicou que isso demora alguns meses, até nos acostumarmos com a nossa responsabilidade.
– Faz quanto tempo que se tornou um cruzado?
– Pouco mais de um mês. – Não era muito. Mas ainda era mais do que no caso dele. Tinha, portanto, o que aprender com o veterano.
Deram-se os primeiros treinamentos. O fundamental, mais do que nas técnicas de luta, estava em buscar ser um agente ativo na transubstanciação do próprio corpo, sem aguardar apenas a ação de uma substância externa nem se limitar ao aspecto guerreiro, pois sem o coração toda a raça de bronze pereceria, derretendo ao calor dos raios solares. Os cruzados tinham que ser, ao contrário, sóis para o mundo, estandartes altivos de luminosa esperança, se não quisessem ser rasgados pelos demônios.
Assim que todas as noites, conquanto extenuado, dirigia-se à pequena igreja da aldeia e rezava em voz baixa por si mesmo, pelos entes queridos e pelo mundo para suportar o fardo que começava a carregar.
Com frequência, Cavalcanti ficava ao seu lado. Mas apesar do apoio fornecido pela presença do novo amigo, Miguel preferia orar só em sua mente.
"Peço perdão pela minha lascívia, por ainda pensar em Maria Cristina a despeito de tudo o que recebi. Continuo a nutrir desejo por ela e estou certo de que isso se aplacará somente quando me aproximar do Senhor e me afastar do Mundo. Rezo para que esse distanciamento também me permita sentir menos ódio, porque sei que de nada adianta cultivar esses sentimentos, sendo a justiça divina, de qualquer forma, implacável. Não preciso odiar. O Senhor se encarregará de agir por mim, empregando sua santa ira: quem tiver que pagar, pagará."
– Cristo disse para darmos a outra face. Como posso lidar com esse dilema? – Tentou esclarecer suas dúvidas com Torquemada em uma tarde de céu queimado; o cheiro que pairava no ar era de carvão na fogueira. – Como confrontar minha própria face vingativa? Estou mais receoso com relação a ela do que no que diz respeito àquele demônio verde e ao mago maldito.
– Você não precisa ser vingativo para cumprir a justiça de Deus. Explico-me: você deve, sem dúvida nenhuma, agir, e colocar um fim à vida pérfida desses malfeitores, que não têm recuperação e só continuarão a existir para causar mais males, estimulados pelas hordas do Inferno. Contudo, não é certo fazer isso por vingança pessoal. Vingue o mundo, não a si mesmo. Pense nos inocentes anônimos que eles levaram, não só nos seus companheiros e entes queridos. Nas crianças, nas mulheres, nos camponeses. Não se olvide de ninguém, mesmo que não se lembre ou não saiba quem eram essas pessoas. E não se esqueça que apenas o corpo morre. Você só estará sacramentando a condição em que eles já se encontram, mandando para o Inferno quem se acha em uma condição infernal, mentalmente e nos atos. Dar a outra face é, na verdade, permitir que nos esbofeteiem; mas não podemos permitir que esbofeteiem nossos irmãos. – Apoiou suas mãos nos ombros do cavaleiro.
– Acho que compreendi, Eminência – agradeceu e, a partir daquela resposta, envolto por um novo perfume que passou a pairar pelo ar, foi ficando mais tranquilo.
Um halo dourado crescia à sua volta e a armadura que recebeu, banhada com o sangue de Cristo, de início de coloração comum, assumiu o brilho do ouro.
Ao observá-lo, Masamune ficava a cada dia mais admirado com o potencial do novo companheiro, embora pouco demonstrasse em seu semblante.
"Será que ainda vamos conseguir salvar Maria Cristina, ou aquela experiência que tive, que não sei explicar o que foi, intensa demais para ser um sonho, terá sido uma visão da realidade que já passou?" Miguel rezava para que não, mas, ao chegarem em Burgos montados em seus cavalos, os três guerreiros se depararam com uma cidade em ruínas – morais e físicas – ao cruzarem a ponte do rio Arlanzón.
Ultrapassado o Arco de Santa Maria, revelou-se uma paisagem desolada. Os imensos lobos de pesadelo perambulavam pelo centro da cidade e perseguiam as pessoas, capazes de perfurar ferro e aço com seus dentes, tanto que os cavaleiros do reino não eram páreo para eles.
Soldados descarnados formavam outra parte da força de ataque do inimigo. Incendiavam as residências que saqueavam, inclusive a catedral. "Pode ser que o que vi em sonho esteja acontecendo agora! Talvez ainda haja tempo!" O cavaleiro dourado pensou em disparar para o castelo real, porém ainda não tinha coragem para tanto, receoso de ficar longe de seus companheiros com tantos monstros à solta.
– Vamos dar um jeito nisso. – Masamune desceu do cavalo e passou a girar sua espada a uma velocidade incomparável. Gerou alguns tufões que direcionava de forma sistemática contra o fogo e os adversários, arrebatando-os.
Miguel, ainda um novato, ficou impressionado com aquela demonstração de força.
– Não se preocupe – disse-lhe Cavalcanti, fitando-o com firmeza. – Logo iremos ajudar os seus entes queridos, ainda mais porque é onde eles se encontram que reside o núcleo do ataque. De nada adianta ficar na periferia enquanto a fonte permanece intacta. – Saltou do cavalo e, com suas espadas curtas, abriu as gargantas das feras que se atiraram para mordê-lo.
"No fundo, você quer que ela morra, não é? Afinal, se permanecer viva, não poderá mais ficar com você, que se tornou um “homem de Deus”. Terá que abandoná-la e até quem sabe tolerá-la nos braços de outro. Não é melhor que morra?" O esposo de Maria Cristina escutou uma voz interna irônica que a princípio o assustou e depois fez com que se revoltasse: "Covarde! Quem é você para dizer isso? É algum demônio? Onde está? Você não me conhece."
Obteve uma resposta imediata: "Estou dentro de você e o conheço melhor do que qualquer um."
Levou as mãos à cabeça. Sofria com uma dor e um zumbido fortes. Disparou com seu cavalo na direção do castelo.
– Miguel! – Cavalcanti chamou pelo novo amigo e partiu atrás dele.
O samurai cristão permanecia, destruindo seus adversários sem demonstrar o menor entusiasmo ou preocupação. Seus ventos eram impetuosos e esmagavam e retalhavam as criaturas das trevas, atravessando as pessoas comuns, que passavam incólumes como por uma brisa.
O cavaleiro de armadura dourada parou diante de um grupo de três mulheres apavoradas, que se encolheram e ameaçaram fugir à sua presença. Tentou não assustá-las, já que precisava de informações:
– Esperem! Se eu fosse um inimigo, acham que adiantaria agir dessa maneira? Já as teria matado. O meu nome é Miguel, e já fui um cavaleiro deste reino.
– Miguel, o filho do alferes-mor? – Duas delas pararam, com a que indagara segurando a terceira. – Mas não pode ser! Dom Miguel morreu duelando com o conde de Toledo.
– Isso é o que ele deve ter anunciado. Mas como podem ver, estou vivo.
– É ele mesmo! Eu o vi uma vez durante um torneio. Agora me lembro! – disse a outra que parara. – Perdão pela indelicadeza, senhor! É que estávamos com muito medo.
– Compreendo perfeitamente. – E nessa hora Cavalcanti chegou, parando ao lado do companheiro; as três ficaram receosas. – Não se preocupem. Este é um amigo. Um cruzado.
– Graças a Deus! Nosso Senhor Jesus Cristo atendeu as nossas preces!
– O que está acontecendo nesta cidade? O conde Henrique a invadiu hoje?
– Não, senhor. Hoje não. O ataque teve início há vários dias e o rei e a rainha estão mortos. Assim como os seus pais. – Ao ouvir isso, Miguel se abateu e o toscano pôde sentir a queda emocional. – O alferes-mor e sua esposa… todos foram assassinados. O conde de Toledo assumiu o trono, mas desde aquele dia muitos não aceitaram isso, explícita ou tacitamente, e organizaram uma resistência. Agora, Burgos está assim porque, depois de suprimir a revolta, o maldito Henrique resolveu castigar os cidadãos, que segundo ele ainda não entenderam a quem devem servir e respeitar.
– Isso quer dizer que está tudo perdido. – O cavaleiro ergueu a cabeça e conteve as lágrimas a custo. Pensava em Maria Cristina e em sua família. Não queria chorar na frente daquelas mulheres. "As coisas devem ter se verificado da exata maneira como sonhei. Ou, melhor, como vi. Não foi um sonho, infelizmente."
– Miguel… – Cavalcanti se aproximou.
– Não foi nada. Está tudo sob controle.
– Sei que não está.
Foi então que Masamune passou, mais rápido do que nunca em seu cavalo, deixando para trás seus companheiros e dirigindo-se ao castelo.
– Ele já foi. Não vamos mais perder tempo. Obrigado, senhoras. – O filho do alferes-mor de Castela agradeceu e as damas se inclinaram em reverência. – Escondam-se, por favor. Vamos acabar com esse regime de terror. – Dispararam e eliminaram inúmeras estátuas vivas e armaduras vazias pelo caminho, mas tiveram que parar, pois se depararam com o samurai, que cessara antes com seu trote, às portas do objetivo: diante do trio, postava-se o cavaleiro verde, desarmado e a pé.
– Há quanto tempo… – disse o inimigo, que estava sem capacete.
– Não fale como se fosse Bernlak – replicou Masamune. – Sei que é apenas um monstro que ocupou seu corpo.
– E se lhe disser que o velho Bernlak ainda está aqui?
– Não vou perder tempo conversando com demônios. Miguel, Cavalcanti, vão em frente. Eu luto com este aqui. Não precisam se preocupar comigo.
– Vai lutar sozinho? Ele é muito forte! – A espada do cavaleiro dourado tremia em sua mão.
Cavalcanti, sentindo a força do adversário, pensou em advertir seu mentor, mas logo refletiu que era melhor não interferir, que talvez existissem contas a serem acertadas em particular entre aqueles dois.
– Já enfrentei outros iguais. Sigam em frente.
– Estão me subestimando – ameaçou o inimigo. – Logo irão testemunhar o meu verdadeiro poder.
– Vão logo! – No entanto, após a primeira fala mais enérgica de Masamune, a explosão de uma aura verde derrubou os dois cruzados menos experientes de seus cavalos e o inimigo deu início à sua transformação.
O samurai cristão atacou, mas foi repelido e também derrubado.
Os animais fugiram e o inimigo se tornara um gigante metálico que passava dos quatro metros de altura, o rosto com poucas carnes e os olhos frios, com asas de quinze metros de envergadura em suas costas. Podia esticar seus membros à vontade e usá-los como maças, além de liberar pedaços de seu próprio corpo como projéteis para a seguir reintegrá-los.
Entretanto, Masamune se esquivou de tudo, subiu produzindo ventos com a espada e, ao se aproximar do inimigo, cortou-lhe a cabeça. O monstro despencou e fez a terra tremer.
Miguel ficou boquiaberto. Como era possível que já tivesse acabado, que o samurai tivesse assim tanta força?
Era mesmo cedo para comemorar: o crânio, que se partira ao cair, juntou os próprios pedaços e se reuniu ao resto do corpo.
– Continua teimoso. – O possuído não cederia com facilidade.
Miguel resolveu confiar no companheiro e, com o foco em pegar Henrique, correu para dentro do castelo.
Cavalcanti permaneceu por algum tempo estático, indeciso quanto à atitude a tomar, porém olhos se abriram nas penas das asas do adversário e terminou indo atrás do novo amigo.
Ao mesmo tempo, outros olhos se escancararam no chão, debaixo dos pés de Masamune.
– Vou gravar bem a sua morte. – Aquele demônio sentia prazer ao registrar em suas asas as mortes dos que se revelavam adversários valorosos, conseguindo revivê-las, sempre que arrancasse uma de suas penas e a observasse, não como meras lembranças, e sim como se estivessem ocorrendo naquele exato instante. Nutria ódio e ao mesmo tempo admiração por tais pequenas e arrogantes criaturas. – Assim como será o caso do outro que acabou de passar por mim. Quer dizer que o salvou para transformá-lo em um cruce signatus? Depois será a vez dele. Uma pena ter tido uma trajetória tão breve.
– Por que um monstro do seu nível está a serviço do conde de Toledo?
– No passado fiz alguns trabalhos para ele e nos tornamos amigos. Além disso, ele me paga bem, e um bom cavaleiro precisa se alimentar adequadamente.
– Pare de falar como se fosse Bernlak. – Aquele seu companheiro era dos poucos cruzados que, mesmo depois de se tornar um guerreiro com o sangue de Cristo, continuava a valorizar as iguarias à mesa dos banquetes.
– Apesar de você não querer aceitar isso, ainda sou ele. Mas é uma sensação diferente. Por que não experimenta?
– Todos os demônios mentem. Você quer me sensibilizar para que eu me detenha, pensando estar diante de um antigo companheiro, e assim acabar comigo.
– Pense como quiser. Você poderia ser como eu…
Tentando não dar importância às palavras do inimigo, Masamune tornou a atacar. Sua espada veloz se confrontou com a dureza do corpo do monstro, que disparava estacas em sua direção ou tentava esmagá-lo e cuja única parte mole era o pescoço. Mas de que adiantava se a cabeça era apenas um acessório, se não abrigava o cérebro e os olhos principais estavam nas asas? "E se o que ele estiver dizendo tiver um fundo de verdade? E se Bernlak ainda estiver aí? De qualquer forma, um demônio é um demônio, e é o que ele se tornou."
***
Cavalcanti e Miguel chegaram à frente do trono de Castela, onde encontraram, no lugar do rei ou da rainha, um esqueleto coroado que empunhava um cetro e vestia trajes majestáticos.
– Ele está zombando de nós. Henrique, seu velhaco! Apareça e lute comigo se for um homem de verdade. – O cavaleiro dourado estava com a espada desembainhada, pronta para o combate.
– Quanta ingratidão! Não reconhece quem coloquei no trono? Mesmo sem sangue real, não acha que deu uma bela rainha? – A voz do mago negro se manifestou. Miguel olhou para aquela caveira e não demorou a escutar em sua mente: "O que acha agora? Não é melhor assim? Ela não poderá ficar com mais ninguém, seu egoísta!" Reconheceu no crânio os traços de Maria Cristina. Cavalcanti percebeu que o companheiro ainda não explodira, porém isso estava prestes a acontecer. – Ou por acaso já se esqueceu dela? Ao se tornar um cruzado, já deve ter sido absorvido por Deus e não ter mais nenhum desejo mundano. Mas que nobre cavaleiro de Cristo!
– Ele está ali! – Lorenzo apontou para um espaço vazio e seu novo amigo incendiou a espada e a atirou naquela direção.
A arma despencou, mas a luz emanada pelas labaredas douradas que tinham envolvido a lâmina revelaram o inimigo no interior de um círculo mágico, dando um fim à sua invisibilidade.
– Muito bem! Mas de que adianta poderem me ver se não podem me tocar? – Uma energia pesada se espalhou pelo ambiente, pressionando os guerreiros para levá-los ao chão e fazer com que perdessem a consciência. – Vocês são muito ignorantes. A magia está além da pobre compreensão que mentes tão simplórias podem alcançar.
Contudo, as espadas de Cavalcanti emanaram um brilho prateado e foram lançadas não para dentro do círculo, mas sim se fincaram ao lado da espada de Miguel.
Os dois se concentraram em transmitir suas forças para o chão, tocando-o, e deste para as lâminas, que, por sua vez, devolveram o ataque ao piso com maior intensidade, atravessando a barreira e cortando espiritualmente as letras e símbolos que sustentavam o circuito mágico.
– Até gostaria de ser mais simplório – disse Lorenzo, diante dos olhos arregalados do mago. – Pena eu ser um tanto complicado. Se há boa magia, entretanto, não é pela prepotência da erudição que ela se manifesta.
Miguel, livre da pressão de Henrique, que se desconcentrara, se lançou sobre o conde com as mãos nuas, mas envoltas em um fogo dourado. Seus dedos tocaram a garganta do inimigo e fizeram com que este experimentasse as mais atrozes dores de sua vida.
O círculo se desfez. O cruzado ergueu o adversário pelo pescoço e bradou:
– Por acaso era você quem estava entrando na minha cabeça e me dizendo que agora eu preferiria Maria Cristina morta, só porque tenho a obrigação de ser casto de hoje em diante?
– Não sei do que está falando. – Filetes de saliva escorreram da boca do bruxo.
Cavalcanti cogitou interferir, a fim de moderar os ânimos, mas refletiu bem e concluiu que não tinha esse direito.
– Sabe sim, e muito bem, seu miserável! Onde estão os meus pais?
– Juro que não fui eu. – Conseguiu esboçar um sorriso cínico mesmo com todo o sofrimento físico e diante da iminência da morte. – Está com medo de admitir a verdade, cavaleiro? Você não queria mesmo ela com mais ninguém, ou isso é uma mentira? Talvez fosse um outro eu meu. Ou então seu. Quem pode saber a verdade? Você deveria. – Fitou-o com os olhos em brasa.
– Cuidado! Ele quer assumir o controle da situação outra vez! – Ao sentir que Miguel hesitara, Lorenzo o advertiu.
Um círculo mágico vermelho se formou em volta dos dois.
Contudo, a aura e o fogo do cruzado, de ouro fúlgido, foram mais fortes. Expandiram-se e consumiram o círculo agressivo recém-formado e, junto com este, o corpo do conde, que rugiu ao desaparecer, enquanto o guerreiro permanecia incólume.
Sentia nas suas chamas peculiares um alimento.
– Parece que vou continuar em dúvida e em dívida. – Não quis se voltar outra vez para o trono.
– Não fale assim. Você venceu.
– Ainda não está terminado. – Sua aura não se apagou e correu para fora do salão do trono, rumo aos aposentos do antigo escudeiro.
Cavalcanti não interviria; ficou onde estava.
Olhou para o esqueleto da amada de seu amigo e refletiu com pesar: "Às vezes, tenho a impressão de que seria melhor o mundo inteiro morrer de uma vez. Se é para situações como esta se repetirem, por que existir? E qual a nossa função? Tornar o mundo um pouco menos pior?"
***
Na luta contra o possuído Bernlak, Masamune levara seu corpo e seu espírito ao limite: suas veias saltavam por sua pele; o suor se misturava ao sangue que saía mesmo onde não havia ferimentos. Se continuasse naquele ritmo, ou morreria, ou ficaria vulnerável a uma possessão. Era árduo afastar a ira que buscava se apoderar de seu corpo. Precisava encontrar o ponto fraco daquela criatura… Ou não haveria ponto fraco?
Miguel tinha a lamentar o seu, personificado no ex-escudeiro, cuja porta do quarto derrubou.
Diego tentou golpeá-lo de surpresa, mas o cruzado bloqueou a espada do rival empregando apenas uma mão e derreteu-a com o calor de sua aura:
– Eis que estamos mais uma vez frente a frente! Por que não fugiu?
– Não sou um covarde. – Uma vez desarmado, Diego não parava de tremer.
– Como soube que eu estava vindo?
– Quando vocês entraram na cidade... – balbuciava –, o conde Henrique me avisou. Fiquei pronto para caso o pior acontecesse.
– E o pior para você aconteceu, e Henrique está morto. Mas por que não fugiu?
– Insiste nisso? Já lhe disse que não sou um covarde, Dom Miguel.
– Deixe de ser hipócrita. Não precisa me tratar com respeito. Está pronto para receber a morte?
– O que o senhor se tornou?
– Seu pior pesadelo. – Partiu o golpe do cruzado, que brilhava como um sol.
Diego ergueu as mãos à frente da cabeça: o que, na verdade, de nada adiantaria, pois seriam cortadas com facilidade, ao que se seguiria a decapitação.
Fechou os olhos; no entanto, apesar da dor que se abateu em seu ombro direito, que fora atingido com força, e que o fez desabar no chão, o escudeiro pôde reabrir as pálpebras e não estava no Inferno.
– Desgraçado! Filho da puta!
– Esses são seu verdadeiro palavreado e sua verdadeira opinião sobre mim. – Embainhou a espada e apagou seu halo. – Viva. O seu pesadelo será a sua própria vida.
– O meu braço está dormente!
– Nunca mais poderá usar esse braço, resigne-se a isso. Todo o lado direito do seu corpo irá se paralisar aos poucos e nenhuma medicação poderá curá-lo. Não poderá carregar nenhum escudo; mas continuará vivo. Também está banido de Castela.
– Seria melhor que tivesse me matado. E quem é você para me banir? Não é rei nem príncipe.
– Quer que eu mude de ideia? Vá embora. Rasteje daqui enquanto as suas duas pernas ainda funcionam. – Diego fitou o cavaleiro com ódio e medo, que se transformaram em desespero. Desabou a chorar, e dessa forma saiu do quarto aos tropeções. Nunca mais seria visto naquelas terras. – Perdão, Maria Cristina. – Sozinho, Miguel largou a espada, cerrou os punhos e orou pela alma de sua esposa.
Restava o cavaleiro verde. Cavalcanti chegara para ajudar Masamune e moveu-se com rapidez: atravessou com suas lâminas diversos olhos das asas, às quais até então o samurai não conseguira ter acesso.
Em dois, rodearam o inimigo feito um tufão retalhador e, ao este tentar proteger suas asas de um, o outro as atingia.
Foi após a destruição das asas que o cérebro e o coração do demônio, localizados em suas costas, ficaram acessíveis e puderam ser perfurados pelas espadas e cortados pela katana. O gigante despencou diante dos olhos dos cruzados. Masamune estava ofegante, sua melancolia abalada. O toscano mais estável, porém todo salpicado de sangue.
– Obrigado. Você não é mais um calouro. – O guerreiro da Terra do Sol Nascente agradeceu.
Recebeu um discreto sorriso e teve o ombro do companheiro para se apoiar.
– Ele era mais forte do que você mediu. Percebi isso no começo. Mas não gosto de interferir nos assuntos alheios.
– Tudo tinha que acontecer como aconteceu, de acordo com a vontade de Deus. Da próxima vez, serei mais atento e cuidadoso.
– Não se cobre tanto. O que sei aprendi com você e demos nosso melhor hoje.
– Não posso me permitir erros tão primários. Fui um mau exemplo. Menos mal que não precisa mais de um instrutor, Lorenzo Cavalcanti. Já é seu próprio mestre.
Miguel logo reapareceria para abraçar seus novos amigos, a única família que lhe restara.
Alguns dias depois, um primo do falecido rei seria coroado em Castela.
O cruzado foi convidado para a cerimônia, mas fez questão de não comparecer. O que importava era que, com a morte do conde Henrique, Burgos recobrara a paz e, por um bom tempo, não seria visto nenhum demônio por aquelas bandas.
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