Já era noite e a lua alta desenhava clarões prateados no chão do quintal onde crescemos. As estrelas pareciam mais próximas, como se ouvissem os sussurros que trocávamos à roda da mesa, enquanto mainha, ora atenta ora distraída, escutava nossas confissões já adultas. Um a um, íamos abrindo o baú dos segredos: as traquinagens escondidas, as pequenas desobediências, o mundo inteiro que inventamos na sua ausência — agora contado às gargalhadas, como se toda ausência se dissolvesse sob a cumplicidade do reencontro.
Sorrisos largos colidiam sob o céu estrelado e havia, naquele instante, a leveza dos verões esquecidos.
A cadeira vazia da vovó já não doía tanto, a cadeira estava vazia porque, agora, a vovó morava em nós. Estava diluída na luz da lua cheia, no cheiro do arroz recém-feito, no eco das canções antigas, no silêncio entre uma lembrança e outra, nas festas sob o céu estrelado, no calor dos nossos reencontros.
Por fim, Dona Idalina guardou nossos segredos, abrigou nossas histórias, e transformou seu silêncio em cobertor invisível para a infância inteira.
Todas essas memórias, guardadas como pedras de rio roladas pelo tempo, se renovam — feito água fresca — em cada riso da Maria, em cada relato despachado da Patrícia, no abraço largo da Deise, no jeito brincalhão do Estevinho, em cada chamado de mainha ou de painho, em cada volta para casa. Olhava ao redor e sentia, em toda a pele, o quanto fomos e ainda somos felizes: as árvores altas, cúmplices silenciosas, testemunhas das brincadeiras, dos tombos, dos pactos sussurrados entre folhas e terra molhada.
Foram tantos os momentos que a infância nos deu — noites de acampamento à beira do rio, sorrisos e choros misturados, desafios escondidos debaixo da lua nova. São memórias tão abundantes que nenhuma página conteria. Valeu cada cicatriz, cada susto, cada abraço apertado, cada história gravada a fogo: a dor e o riso foram matéria dos dias, tijolo e argamassa no que me tornei.
Contudo, sempre haverá uma criança dentro de mim que sente saudade das risadas dos irmãos e das travessuras. Essa criança fica feliz ao lembrar do jogo de domingo e da deliciosa comida da mãe. Já sou adulta, mas ainda consigo sentir aqueles dias de verão impregnados de felicidade, sol, vegetação e inquietação. Esta adulta aqui chora de saudade do beijo da avó e das brincadeiras de pega-pega e esconde-esconde. Ah! A adulta que sou sente tanto orgulho da criança que fui — e que ainda sou. E, ainda com o coração de criança, desejo que nossas crianças tenham essa mesma felicidade, que brinquem e vejam o mundo sem telas, pulem na lama, corram na chuva — e, se forem usar filtro, que seja o solar. Esta adulta, que agora chora enquanto escreve, carrega no coração lembranças leves que possuem um imenso valor.