Os dias iam se escoando, lentos e pesados, e a dor da saudade — paciente e silenciosa — aninhava-se em mim. Ainda assim, eu conseguia conter as lágrimas, mantendo-as atrás dos olhos. Bastava, porém, que uma música ecoasse ou que um prato de comida trouxesse o aroma antigo, e as lembranças se erguiam, vívidas, desfazendo os diques do controle. Às vezes, chorava em silêncio; em outras, ria — havia instantes em que riso e choro se entrelaçavam num mesmo sopro, tornando-se um só corpo de emoção.
Assim, passaram-se dez meses: um compasso de ausência até que, enfim, parti para rever meus pais e irmãos, que ainda moravam na Bahia. Mainha e minhas irmãs se repartiam entre a cidade e a zona rural, transitando entre mundos. Ao chegar, abracei Patrícia com a força de quem tenta colar os cacos do tempo. Nenhuma palavra sobre a vovó — compartilhamos, no silêncio do abraço, a densidade da perda, o segredo do luto dividido sem som.
Segui até a roça, respirei fundo o cheiro de terra e fui até o lugar onde era a casinha dela, agora vazia, guardiã dos ecos. Chorei, mansa e sozinha, pendurando as lágrimas no silêncio. Minhas mãos tocaram a parede marcada com meu nome — relíquia de outra existência — e o esquadrinhar dos dedos fez a janela encolher diante de mim: era menor, talvez por causa do tempo, talvez pela ausência dela. Quando éramos crianças, ficávamos pendurados ali, tentando insistir que os cachorrinhos dormissem conosco, escondidos de mainha.
O barulho repentino do carro cortou a solidão da memória: vinham meus irmãos. — Já está aqui, Letícia? — perguntou Deise, desmontando da moto com painho. Um a um, todos se reuniram. Maria, com entusiasmo pueril, anunciou: — Estamos todos juntos agora!
Ali, por um breve instante, o reencontro.
Enquanto as vozes se perdiam na casa, conduzi Deise por entre sombras e memórias até o quintal vazio da antiga morada da vovó. Desde a despedida, nunca ouvi sua voz descrever os últimos instantes—ela e Patrícia foram as guardiãs daquele dia, e, naquele presente tão silencioso, implorei: conta.
De cabeça baixa, olhos perdidos na distância, Deise começou, e, a cada palavra, eu sentia a cena se desenhando entre nós, quase palpável:
— Era uma manhã de sábado. O sol filtrava suas primeiras luzes, mas dentro da casa o tempo parecia suspenso, como se pedisse cuidado e reverência. Eu e Patrícia, nervosas e ternas, preparamos tudo para dar banho na vovó. Os gestos cotidianos, agora pesados de urgência e oração, eram súplicas em movimento—um pedido mudo a Deus por cura e acalanto. Vovó estava frágil, corpo e voz já cedendo espaço para o cansaço antigo. Tudo naquele dia parecia mais denso, como se cada minuto se cravasse, insistente, na memória.
Ao chegar ao banheiro, o inevitável enfim se revelou: vovó desfaleceu em nossos braços. Olhei em seus olhos, vi a vida fugindo devagar, ouvi Patrícia gritar, a voz ecoando clara:
— Não morre, vovó! Não morre, vovó!
Havia o peso do desespero, a pressa de agarrar o que se esgarçava diante dos olhos. O médico nos deixara instruídas: caso algo acontecesse, colocar o remédio sob a língua dela. Corri ao quarto, mãos trêmulas, repeti o ritual, quase crendo que a esperança se escondia sob cada gesto. Engoli o grito, segurei as lágrimas—precisei me conter para acalmar Patrícia, tentar, em vão, devolver fogo àquela existência.
Uma ligação apressada para painho, a chegada dele ofegante, a troca apressada de roupas, o depositar cuidadoso da vovó em sua cama, como quem devolve um tesouro ao seu relicário. O médico não tardou: trouxe o silêncio definitivo, a palavra que cala o mundo de vez. Vovó partira. Recordar fere e, sei agora—ferirá para sempre.
Abracei minha irmã em soluços mudos, agradeci por sua coragem, por ter sido abrigo para vovó quando mais se fez necessário. Ali, entre lágrimas e memórias, senti: o amor nunca deixa de doer, mas também jamais se apaga.