À medida que eu crescia, sentia a cumplicidade dos meus irmãos, todos tão amáveis e afetuosos. Éramos cinco crianças, cinco infâncias entrelaçadas numa vontade intensa de viver — sem medo dos arranhões, sem ligar para roupas gastas ou pés desnudos, existindo do modo mais simples e inocente possível. O mato era nosso domínio encantado e, nele, dividíamos não só brinquedos, mas também nossas pequenas loucuras.
O sol já pesava alto sobre nossas cabeças, estendendo suas mãos quentes para além das poucas sombras que resistiam no quintal. A terra cheirava a seco, e nós, chorávamos juntos a dor do temido fim: ali, encaramos a morte pela primeira vez, debruçados sobre o pequeno corpo do gafanhotinho verde. Ele estava imóvel na casca de madeira, a respiração do seu pequeno coraçãozinho já silenciada. Cada lágrima que escorria de nossos olhos lavava não só o rosto sujo de infância, mas também um bocado de inocência. Ali, naquele instante sob os pés de mandioca da vovó, aprendemos o que era perda—e o quanto o luto pode ser tão grande mesmo para coisas tão pequenas.
Patrícia, de olhos atentos e voz embargada, foi quem primeiro percebeu:
— Ele está machucado...
Deise, sempre movida pelo impulso de cuidar, logo sugeriu:
— Vamos ajudar, a gente precisa salvar ele!
Juntamos folhas frescas, improvisamos uma caminha de gravetos e ficamos ali, horas, vigiando aquela esperança miúda enquanto o vento arrastava poeira e lembranças.
Quando, afinal, o gafanhoto se foi, fizemos seu enterro como manda o respeito: cavamos um buraco manso na terra vermelha, depositamos seu corpinho e cobrimos tudo com as mãos. Mariquinhas de capim formaram uma pequena cruz, símbolo do nosso breve, mas intenso, luto infantil. Chovia, só dentro de nós, o pesar.
Mas a infância, caprichosa e veloz, nunca demora no mesmo sentimento. Foi quando ouvimos, cortando o ar, os gritos animados de Maria e Estevinho:
— Meninas, venham logo, depressa!
Deixamos o gafanhoto em seu repouso final, corremos para onde as vozes vibravam novidade. Lá, estava o milagre inesperado e barulhento da vida: Baleia, nossa cachorra de pêlo amarelado, estava cercada por um fiapo de filhotes, recém-nascidos, todos de olhos ainda fechados, alguns branquíssimos, outros com manchas cor de café.
— A Baleia teve filhotinhos, olha! — Maria apontava, com o rosto tão iluminado quanto o próprio sol. — Oh, quero um só pra mim! — Eu também! — Aquele cor de caramelo é meu! — Maria já proclamava, cheia de certeza.
Senti um calor novo no peito, assistindo Baleia amamentar. Entre os filhotes, um branquinho, pequeno demais, me chamou atenção.
— Esse cachorrinho é meu — declarei, já pensando em segredo, nomes e afetos futuros.
— É fêmea, Letícia — avisou Estevinho, sempre de olho em tudo.
Mal tínhamos tempo de nos apaixonar, e logo ouvimos passos chegando: nossos pais. Corremos, todos falando ao mesmo tempo, vozes ansiosas, olhos suplicantes:
— Painho, podemos ficar com eles?
Ele, com seu jeito de terra firme, sorriu de um canto e respondeu sem pestanejar:
— Pergunta pra sua mãe.
Mainha já vinha armada com seu olhar firme e coração mole: — Mais cachorro? Já temos Vitamina, a Piaba, o Tubarão, a Baleia e agora sete filhotes... Bom, Estevinho, Maria e Letícia podem escolher um, já são grandes e vão ajudar a cuidar. Deise e Patrícia esperam só mais um pouco. Vamos ficar com três filhotinhos — os outros, a gente vai doar.
Ficamos o resto do dia comentando sobre os cachorrinhos e escolhendo o nome deles. O meu se chamaria Nike, o da Maria Foguinho, e o Estevinho escolheu Bel.
Bel, Nike e Foguinho, todos três bonitinhos — cantávamos enquanto caminhávamos em direção à casa.
É amanhã que vamos à cidade! Tomem banho direito — mainha dizia enquanto entrávamos na sala. Peguei do armário algumas roupas já gastas e uma escova velha: a tarefa era arrancar dali toda a poeira do mato e do quintal, deixando os pés limpos para visitar a cidade. Fomos nos banhar no riacho, onde a água gelada estremecia os corpos e atiçava ainda mais a alegria. — Amanhã a gente vai… vai pra rua! — comentou Maria, contente. Morávamos a uns dezesseis quilômetros do município mais próximo, a famosa Santa Luzia, terra da amizade. Os dias de ida aquela localidade pareciam tirar nosso sono. Já em casa, depois do banho, deitamos para dormir, ansiosos, comentando sobre nossa ida no dia seguinte. Depois de muito tempo lutando com entusiasmo, adormecemos. Ainda de madrugada, fui acordada pela voz de mainha:
— Levanta, já está na hora!
A casa ainda escura, só o aroma forte de café circulando no ar. A vontade de ficar na cama competia com o desejo profundo e a vontade de viajar. Abri meus olhos pesados de sono e avistei Patrícia já de pé ao lado da mainha, com um semblante luminoso.
— Oi, bença mainha — disse enquanto coçava a cabeça. — Deus te abençoe! Toma café, Letícia.
Avisto os biscoitos quadrados alinhados na mesa, aqueles meus preferidos — mas, naquela manhã, a empolgação pelo desconhecido podava qualquer fome. Mainha movia-se no ímpeto da aurora, mãos ágeis: vestia um, ajeitava outro, gritava o nome do terceiro, e, ainda assim, dava conta de tudo, tecendo com afeto apressado a rotina de uma casa rural.
— Vamos — disse ela, abrindo com decisão a porta da casa e permitindo ao vento frio da aurora tocar nossos rostos sonolentos.
O ar cortava a pele.
— Que frio… — reclamou Estevinho, encolhendo os ombros.
Mainha seguia na frente, lanterna firme na mão, desenhando uma trilha de luz frágil na escuridão adormecida que engolia o terreiro. Apressamos o passo, tentando não perder o ritmo de seus passos largos: a estrada diante de nós era longa; seriam dez quilômetros a caminhar até a rodovia onde passava o velho ônibus da cidade.
No breu, surgiam pequenos pontos de luz dourada — pulsações vivas na penumbra.
— Uau! Tá vendo, Patrícia? — sussurrei, maravilhada.
— Mainha, o que é isso? — quis saber Deise, os olhos grandes de susto e encantamento. — São vagalumes — respondeu ela, sempre apressada, voz entrecortada pelo ritmo acelerado. — Anda depressa, senão não vamos conseguir pegar o ônibus.
Seguimos. O céu desbotava lentamente, a escuridão recuava diante do sol nascente, tingindo de ouro pálido o caminho vermelho e poeirento. O silêncio era quebrado apenas pelo rangido dos calçados e nossos suspiros ofegantes.
Quando, enfim, o destino se descortinou à nossa frente — um simples ponto de ônibus à beira da estrada —, os pés latejavam, mas o coração batia forte de expectativa. — Vamos esperar aqui — anunciou mainha.
Ao redor, a vida começava a acordar, mas naquele pedaço de chão, só o silêncio e nossos corpos cansados testemunhavam a grandeza de cada pequeno esforço, a força silenciosa das manhãs de quem escolhe, a passos miúdos, escrever o próprio futuro.
Não demorou muito e já avistávamos, ao longe, a silhueta do ônibus cortando o horizonte empoeirado. Mainha ergueu a mão, sinal seguro, e entramos todos na grande barriga do veículo, a alegria saltando dos nossos passos. Mal ocupamos os bancos, olhares curiosos de passageiros pousaram sobre nós, como pássaros atentos.
— São todos seus filhos, senhora? — perguntou o cobrador, com os olhos arregalados pela surpresa. Mainha sorriu, aquele sorriso sereno de quem conhece o peso e a bênção de sua história. — Sim, são — respondeu, com a dignidade das mães de muitos. — Essas são gêmeas? — ele insistiu, o olhar perscrutando minha semelhança com Patrícia. — Não, não. Elas não são gêmeas.
Sorri para Patrícia, cúmplice de tantas brincadeiras e segredos.
— As pessoas acham que a gente é gêmea, né? — comentou Patrícia, rindo baixinho, enquanto eu pensava nos nossos gostos iguais e nas diferenças de traço, tão visíveis para mim, invisíveis para os outros.
O cobrador seguiu seu caminho após recolher as passagens, mas a curiosidade era um perfume que pairava no ar:
— Nossa, eles têm qual idade? — quis saber uma senhora de mãos cansadas. — O mais velho tem oito, e a mais nova, quatro — explicou mainha. — Minha nossa! Uma fileirinha de cinco — ela riu, o riso se espalhando pelo ônibus como vento fresco.
O veículo prosseguiu seu trajeto, sacudindo nossas histórias pelas ruas, até que chegamos ao nosso destino. Mainha desceu primeiro, e seguimos apressados atrás dela, com aquele medo antigo de ficarmos perdidos em outro mundo. Logo estávamos diante da casa da tia Leu. Mainha nos deixou, partindo em busca das compras, e o quintal se encheu de promessas de brincadeira.
— O que vamos brincar? — perguntamos às primas Kassy e Bianca, o desejo de aventura pulando no peito. — Vamos tocar a campainha e sair correndo! — sugeriram, olhos brilhando de travessura.
Maria, ágil como nunca, foi a primeira a apertar. — Ding-dong! — e, como se o mundo inteiro fosse feito só de fuga e descoberta, disparávamos rua afora, entre risos e gritos, a manhã transformada em dança.
Ao longe, vimos mainha, braços cheios de novidades, voltando para nós. Corremos, e ela anunciou: — Eu comprei o material escolar de vocês. A euforia era imediata, cada passo encharcado de expectativa. — Que legal! — Mas não é para abrir agora — advertiu mainha, voz firme, convite ao suspense das pequenas alegrias.
Pouco depois, painho chegou, e foi ele quem nos reuniu novamente: — Vamos — chamou, seu timbre a senha para novas jornadas.
Nos despedimos das primas, a alegria retida no abraço, e seguimos juntos, de mãos dadas, até o mercado, onde acompanhar nossos pais nas compras era ritual de descoberta. Cada alimento, cada pacote, era motivo para comemoração se fosse coisa de que gostávamos. Depois, pegamos um carro e seguimos pela rodovia, até encontrar nossa velha mula: companheira fiel encarregada de transportar o mundo das compras até o porto seguro da fazenda.
O caminho de volta era mistura de felicidade e cansaço, cada passo bordado de histórias novas.
Ao chegar, a fazenda nos recebeu aberta, e corremos até a vovó, a notícia ardendo nas línguas: — Compramos coisas gostosas, vovó!
Conversamos, então, e partimos para ver nossos cachorrinhos recém-nascidos, atentos à vida brotando ao nosso redor.