— Garota, você sabe que horas são? — Cassie resmunga, sonolenta, do outro lado do celular. Pela chamada de vídeo, consigo ver que ela já estava dormindo profundamente, com parte do rosto amassada pelo travesseiro e o cabelo preso em um coque desgrenhado.
Solto um riso da cena enquanto Sarah, fazendo as unhas, tenta ajeitar o celular em uma posição que não a atrapalhe.
— Como foi o jantar? — Ela pergunta, enquanto lixa as unhas. Aparentemente, não recebeu o meu recado.
Levanto os olhos para o teto do meu quarto, tentando encontrar o adjetivo que melhor descreva essa noite. Tenebroso. Horripilante. Traumático.
— Foi... desconfortável. — Falo, sucinta.
— Como assim? — Sarah questiona, parando de pintar as unhas por um segundo para olhar a tela do celular e tentar ler a minha expressão facial, em vão.
— A mãe dele é um amor, mas... o pai dele é... estranho.
Sarah arqueia as sobrancelhas, mas não torna a olhar para a câmera. Está concentrada demais em passar camadas de esmalte preto em suas unhas, tentando fazer o mínimo de sujeira possível.
— Bom, pelo menos ele tem pai. — Zomba.
Cassie revira os olhos.
— Sarah! — Exclamamos em uníssono.
— O que foi? Eu estou brincando. Tenho licença para fazer esse tipo de piada.
Balanço a cabeça.
— Você é ridícula.
— Lizzie, o que quer dizer com "estranho", exatamente? — Cassie pergunta, sentando-se em sua cama. Seu cérebro parece estar despertando agora.
Curvo os lábios para baixo, confusa.
— Isso importa?
Ela esfrega o rosto. Ao que tudo indica, não removeu a maquiagem antes de dormir, porque seus olhos ficam manchados por um resquício de rímel presente em seus cílios.
— Acho que sim. Tem o estranho inofensivo e o estranho... você sabe...
— Ofensivo? — Sugere Sarah.
Cassie fecha os olhos e sorri.
— É, isso serve. Obrigada, Sarah. — Concorda, embora obviamente esse não fosse o termo que ela estava procurando.
Dou de ombros.
— Bom, eu sei lá. Ele é meio indiscreto. Arrogante. Claramente tem preferência por um dos filhos e não tem vergonha de demonstrar isso. Ele parece sempre disposto e pronto para deixar as pessoas ao redor desconfortáveis de alguma forma, só por diversão, e tudo o que ele diz parece sempre ter um fundo de... intenção maliciosa. Não sei bem como descrever.
Sarah faz uma careta.
— Ai, que nojo.
— Não desse jeito! — Exclamo, supondo que ela entendeu a coisa toda de um modo diferente.
— Mesmo assim! — Ela rebate.
— Bom, sim, é bem desagradável. — Concordo. — Acho que ele não gostou muito de mim.
Ela e Cassie parecem analisar as circunstâncias.
— Acho que se uma pessoa babaca não gosta de você, é sempre um bom sinal. — Argumenta Cassie.
Sorrio.
— É, eu pensei o mesmo. — Admito.
Cassie franze o cenho, intrigada.
— Então não foi isso o que te incomodou? — Questiona.
— Eu não iria tão longe. Foi bem incômodo, sim. Só não foi o pior. — Respondo.
Ela arqueia as sobrancelhas, surpresa.
— Minha nossa.
— O que mais aconteceu? — Sarah pergunta, passando a segunda camada de esmalte nas unhas. Apesar de estar concentrada em outra coisa, parece estar bem atenta à nossa conversa também.
— É que... Noah não pareceu muito incomodado com nada disso durante o jantar. — Revelo.
— Uh-oh. — Cassie resmunga, como se já soubesse o que isso significa.
— Quer dizer, ele até chamou a atenção dos pais vez ou outra, quando o tópico se tornava inconveniente para ele, mas... ele não discordou do pai tanto quanto achei que discordaria. Não pareceu se incomodar quando ele foi indiscreto comigo ou com Theo, o que me fez questionar se, no fundo, Noah pensa da mesma forma que ele sobre a maioria das coisas, ou tudo.
Cassie balança a cabeça.
— Deixa eu adivinhar: Noah é o filho preferido? — Supõe.
— É. — Afirmo. — Surpresa?
— Nem um pouco.
— E então? — Sarah pergunta, parecendo estar bem envolvida na história a essa altura.
— Depois do jantar nós subimos para o quarto dele e...
— Hum... — Elas zombam, de um jeito quase musical.
— Nada disso. — Interrompo-as, antes que as ideias malucas sobre isso comecem a surgir. — Nós só vimos um filme.
— Qual filme?
— 10 coisas que odeio em você. — Respondo, sem saber porquê isso parece relevante para elas.
Sarah arqueia as sobrancelhas, com um risinho malicioso nos lábios.
— É sério? O que você fez para ele concordar em assistir esse filme? — Insinua.
Dou risada, envergonhada, mesmo sabendo que nada disso é verdade.
— Parem com isso, está bem? Não fizemos nada. Nós só assistimos ao filme mesmo. Noah dormiu na metade do filme, então eu vim embora para a casa.
— Sozinha? — Estranha Sarah.
Comprimo os lábios, ciente do que ela vai achar sobre a minha resposta.
— Não. Theo me trouxe até em casa. — Revelo.
Sarah fica estática do outro lado da tela, como se fosse incapaz de reagir a isso.
— Espere, o irmão do Noah? Estou perdendo alguma coisa aqui? — Indaga Cassie, perdida em meio à conversa.
Sarah solta um riso debochado.
— Você não sabia? Liz está pensando em trocar de Thompson. — Zomba.
— O quê?! — Cassie grita do outro lado da linha, perplexa.
Reviro os olhos.
— Não! Pare com isso, Sarah! — Exclamo, zangada. — Ele só estava acordado e me ofereceu carona, só isso. Theo e eu somos só amigos.
Consigo sentir seu olhar reprovador me atingir através da tela do celular.
— Mas você se lembra que um dia você e Noah também foram "só amigos", não é?
Cassie permanece boquiaberta por algum tempo, digerindo a notícia.
— Nossa. Por quanto tempo ficou naquela enfermaria para se tornarem amigos tão rápido? — Pergunta, e ela e Sarah riem.
— Meninas, parem, por favor. — Peço, massageando as têmporas. — Isso não tem graça.
— Está bem, está bem. Mas falando sério, Lizzie, sabe que nós te amamos, mas você não acha isso tudo um pouco estranho? — Cassie diz. Tem um jeitinho mais sútil do que Sarah de manifestar sua opinião sobre as coisas, mas sempre encontra um modo de fazê-lo.
Suspiro. Para ser honesta, esse nem era o principal ponto desta conversa e não tenho mais energia para discutir isso com mais profundidade. Não é como se importasse, de qualquer forma. Poderia citar uma lista inteira de razões bem plausíveis pelas quais Theodore e eu jamais poderíamos nos tornar algo além de apenas amigos.
— É, talvez seja um pouco estranho. — Admito. — Mas não tão estranho quanto isso. — Falo, tirando da bolsa a identidade falsa que encontrei no quarto de Noah, e torcendo para que isso seja o suficiente para mudarmos de assunto.
As duas parecem confusas, aproximando os rostos da tela do celular para enxergar melhor o item que estou segurando em minhas mãos.
— O que é isso aí? — Pergunta Cassie, apertando os olhos. — Quem é Jake Romanov?
Retiro o polegar de cima da foto, e as duas soltam um ruído de perturbação.
— Liz, o que é isso?
— Não é óbvio? Uma identidade falsa. — Explico.
— Acha que isso significa alguma coisa? Quer dizer, nós também temos...
— Ele não estava usando isso para comprar bebida, Sarah. — Interrompo, antes que ela termine a frase. Retiro a chave e o recibo do depósito da parte de trás do documento, mostrando a elas, que ficam perplexas, como era de se esperar.
— O que acha que ele guarda lá? — Indaga Cassie, receosa sobre supor algo tão terrível sobre alguém tão importante para mim. Mas a essa altura, já não tenho otimismo algum sobre essa situação.
— O que você acha? — Retruco. Todas nós estamos pensando a mesma coisa: o corpo de Dylan está desaparecido há semanas, e, se não foi Colin o responsável por dar um fim nele, só poderia ser outra pessoa que sabia exatamente onde encontrá-lo antes mesmo da polícia. Alguém que estava conosco naquela floresta, mesmo sem percebermos. A mesma pessoa que não queria que voltássemos lá. A mesma pessoa que não me julgou quando contei o que aconteceu naquela noite, talvez por saber que era capaz de fazer muito pior do que nós fizemos.
Sarah suspira, esfregando o espaço entre as sobrancelhas como se isso a ajudasse a raciocinar melhor.
— Precisamos ir até lá. — Fala, por fim.
Cassie arregala os olhos, nervosa.
— Acho que já concluímos que isso nunca dá certo. — Argumenta.
Sarah franze o cenho, como se não fizesse ideia do que ela está falando.
— Por quê não?
— Bom, da última vez que tentamos bancar as detetives, Liz terminou a noite na enfermaria de uma universidade com sete pontos na perna.
— Mas também descobrimos que foi Colin quem enviou a foto para ela.
— E que não foi ele quem tirou o corpo da cova. — Completo.
— Acha que ele estava falando a verdade quando disse todas aquelas coisas sobre Noah? — Indaga Sarah.
Suspiro, sentindo o peso da desesperança em meu peito.
— Eu não sei. Talvez. Não acredito que estou mesmo dando algum crédito a algo que saiu da boca de Colin, mas... não acho que reste muitas opções para nós a essa altura.
— No pior dos casos, talvez a gente descubra que ele tem um depósito para colecionar gnomos de jardim. — Sarah diz, e Cassie solta uma gargalhada.
— Isso ainda seria estranho e assustador. De um jeito completamente diferente, mas seria. — Falo, rindo enquanto tento imaginar a cena de uma centena de gnomos de jardim olhando para nós assim que abríssemos o depósito.
Sarah ri.
— Só quero dizer que, de uma forma ou de outra, certamente não será em vão.
Sei o que ela está fazendo. Está tentando me consolar com antecedência, porque, no fundo, também espera o pior. Está tentando amenizar o impacto da queda do meu coração contra o chão, para reduzir os danos.
— Podemos ir amanhã depois da escola. — Sugere Cassie. — Até lá, Liz, acha que consegue agir normalmente com Noah para que ele não desconfie de nada?
Oof. Essa parece ser uma missão complicada na qual eu já reprovei inúmeras vezes. Não sou boa em esconder o que sinto, especialmente com Noah. Até onde sei, ele tem uma habilidade impressionante de ler minhas ações e expressões. Tive sorte de escapar sem levantar suspeitas hoje, o que talvez só tenha acontecido graças ao seu desejo de super-compensar a explosão que teve durante a nossa conversa.
— E-eu não sei, acho que sim. — Respondo no automático quando ouço batidas na janela do meu quarto e viro o rosto em sua direção para me certificar de que foi apenas um galho da árvore, mas, para a minha surpresa, não foi.
Meu coração dispara de susto quando o vejo em minha janela, utilizando-se dos galhos da árvore para ficar na altura do meu quarto, feito um maluco. Arregalo os olhos diante da cena.
— Não se preocupem, vou dar um jeito. Tenho que ir. — Digo às pressas, tentando evitar o escândalo que minhas amigas fariam se soubessem quem está na minha janela a essa hora, como se fosse uma coisa normal de se fazer.
As duas concordam em encerrar a conversa por aqui sem questionar, provavelmente por causa do horário. Acabo de me dar conta de que já são 01h47 da manhã.
— Está bem. Boa noite, suas malucas. Sonhem com o Leo.
Cassie franze o cenho, confusa.
— Sarah, quem é Leo?
— Leo DiCaprio! — Ela exclama, como se devesse ser óbvio para nós.
— Sabe que só pode se dar esse luxo até os seus vinte e quatro anos, não é? Aos vinte e cinco, você se torna velha demais para ele. — Zomba Cassie.
Ela revira os olhos.
— Tenho só dezoito. Ainda tenho muita lenha para queimar.
— Você é lunática. — Cassie comenta, rindo.
— Beijinhos. — Ela se despede, e desligamos a ligação.
Por fim, corro até a janela e arrasto o vidro até o topo, abrindo o suficiente para que eu consiga colocar o rosto para fora, aproximando-me dele para que consiga enxergar a confusão em meu rosto.
Fico o observando boquiaberta por alguns segundos, sem saber direito o que perguntar primeiro.
— O que você está fazendo aqui?
Ele sorri.
— Será que eu posso entrar antes de te responder? Esse galho é forte, mas acho que ouvi um estalo.
Solto um riso e dou alguns passos para o lado, abrindo espaço para que ele acesse o meu quarto através da janela. Theo se esforça para se espremer e rastejar para o lado de dentro, acabando estirado sobre o carpete, quase sem fôlego, enquanto eu permaneço de pé ao seu lado, o assistindo de braços cruzados e esperando por uma explicação.
— Admito que achei que isso seria mais fácil. — Ele fala, colocando-se de pé, mas ainda parece relativamente orgulhoso de suas habilidades terem sido suficientes para fazer com que ele esteja aqui, do lado de dentro.
— Fale baixo! Se o meu pai te encontrar aqui, vai te matar. E depois, me matar. — Peço em um sussurro, cobrindo sua boca com as mãos.
Sob a minha palma, os lábios de Theodore se curvam para cima, formando um sorriso.
— Sim, senhora. — Sussurra de volta.
Então me afasto novamente, permitindo que ele explore o meu quarto por alguns minutos, porque ele olha ao redor como se houvesse algo de especial em estar aqui, como se de repente tivesse ganhado acesso a uma parte secreta de mim e pudesse observar um pouco de tudo o que me compõe enquanto olha para as paredes amarelas e as pilhas de livros espalhados por toda a minha escrivaninha.
— Quarto legal. — Sussurra, parado diante dos livros. Parece entretido como uma criança visitando o cenário de um filme que já assistiu milhões de vezes, e fosse tão mágico quanto ele esperava que fosse.
Arqueio as sobrancelhas.
— Mas você não veio até aqui só para bisbilhotar o meu quarto, não é?
Ele sorri de lado, segurando uma cópia de Noites brancas, de Dostoiévski.
— Não, não vim. — Afirma. Por alguma razão, não estou surpresa.
— Então o que você quer, Theo?
Ele dá de ombros, deixando o livro de lado e voltando-se na minha direção.
— Bom, eu ia embora para a casa depois de te deixar aqui, mas... não pude. — Diz, mas paralisa de repente ao colocar os olhos em mim, como se tivesse perdido o fôlego ou a coragem, ou então as duas coisas.
Olho para ele, intrigada, esperando que continue. Então ele enfia as mãos nos bolsos da calça e abaixa a cabeça, afastando os olhos do meu rosto, como se não fosse capaz de me encarar enquanto fala.
— Vai terminar com ele? — Pergunta, baixinho.
Franzo o cenho, incerta sobre ter escutado direito.
— Como é?
— Você me ouviu, Liz. Vai terminar com Noah? — Repete, mais determinado dessa vez.
Pisco algumas vezes, processando. Não é como se eu estivesse pensando em me casar com Noah e construir uma família, a essa altura. Mas o confronto repentino vindo de Theodore me deixa tão sem reação que nem sei direito como responder a isso.
— Isso não é... — começo a dizer, meio tonta — por que isso te importa, afinal?
— Porque gosto de você, Liz! Muito. — Ele dispara, sério.
Minha boca se abre sozinha, manifestando o meu choque.
Theo engole em seco por um segundo, percebendo que agora não pode retirar o que já foi dito, mas se mantém firme em sua afirmação, sem tentar moldá-la de alguma forma para torná-la menos intensa. Apenas a deixa pairando no ar, em meio a nossas respirações ofegantes e os olhares profundos.
— O que exatamente... quer dizer com isso? — Balbucio, com dificuldade em colocar as palavras para fora.
— Sabe o que eu quero dizer com isso. — Ele afirma, aproximando-se de mim até ficarmos cara a cara. — Estou apaixonado por você, Liz.
Tenho a sensação de que todo o ar se esvai dos meus pulmões. Fico paralizada, com os olhos fixos sobre, sem saber como agir diante dessa situação.
— Theo... — Sussurro com certo pesar, mas ele me interrompe balançando a cabeça, como quem diz que já imagina o que vou dizer, mas não dá a mínima para isso no momento.
— Olha, Liz, há alguns dias, ou até mesmo algumas horas atrás, eu achei que jamais teria a chance de te dizer essas coisas, e estava conformado com isso. Estava conformado com o fato de que estou apaixonado pela namorada do meu irmão, e que sou a pior pessoa do mundo por isso. — Revela, meio eufórico. — E você nunca saberia de nada disso, então eu passaria o resto da minha vida sofrendo em silêncio, porque há algumas horas, você e Noah ainda eram um casal perfeito, com uma história romântica e um futuro promissor pela frente. — Ele fala, mordendo a parte interna da boca. — Para ser honesto, acho que a única coisa que tornava esse fato minimamente aceitável para mim, era saber que ao menos, você estava feliz. Mas depois de hoje a noite... me diga, Liz, você está feliz? — Indaga, olhando no fundo dos meus olhos, quase como se me desafiasse a tentar mentir.
Engulo em seco, desviando o olhar para longe. Não é necessário que eu diga que nunca estive tão infeliz ao lado de Noah, e que nada nunca mais será o mesmo entre nós. Theodore já sabe da verdade. Ele estava lá no momento em que isso se tornou verdade. Não há sentido em tentar mentir.
Ele assente, compreendendo minha resposta sem que eu diga uma palavra.
— Foi o que eu pensei. — Murmura, com o rosto próximo ao meu. — Então, que se dane. — Declara. — Eu só preciso que você saiba... que gosto de você desde que você foi àquela festa e passou a maior parte da nossa conversa me encarando com seus olhinhos julgadores, e eu sabia que merecia aquilo, está bem? E sim, eu sei que sou uma pessoa terrível por me apaixonar por você quando você está com o Noah, ainda que ele tenha se provado como o maior imbecil do universo, e sim, não existem desculpas para mim, eu sou o pior ser humano que já existiu. E você merece alguém bom. Alguém decente, que jamais faria o que estou fazendo agora. — Ele admite, ofegante e com certo pesar em seus olhos.
Sinto o meu coração acelerar e, por um instante, me esqueço até de como se respira. Ainda estou absorvendo suas palavras anteriores quando ele torna a falar:
— Mas eu não consigo parar de pensar em você, Liz, e eu me sinto terrível. Não consigo parar de ouvir sua risada, eu sonho com ela quase todas as noites e eu acordo extasiado, desejando poder abrir os meus olhos e ver você ali. Eu não consigo parar de pensar no seu cabelo curto e de me perguntar qual deve ser a droga do shampoo que você usa, porque tem cheiro de chocolate, e por alguma razão parece ter ficado no meu travesseiro desde a única noite em que você esteve no meu quarto, o que é maluquice! — Ele faz uma pausa, aproximando-se ainda mais de mim. Não recuo. Talvez esteja perplexa demais para conseguir mover os meus pés, ou talvez, bem lá no fundo, nas partes mais escuras e inacessíveis da minha mente, eu entenda exatamente o que ele está dizendo por sentir o mesmo. Seja lá qual for o real motivo, permaneço imóvel, com o coração acelerado, sentindo-me incapaz de identificar todas as emoções que estão se espalhando pelo meu corpo nesse momento. — Eu gosto de tudo em você. Gosto da sua teimosia, do seu nome, do seu senso de humor, e da sua companhia. Eu gosto do fato de que você é genuinamente gentil, doce e inteligente. E gosto da sua voz. Gosto de te ouvir falar, e até mesmo de quando grita comigo porque eu disse ou fiz algo estúpido, e por alguma razão eu realmente desejo ser melhor quando você me mostra que estou sendo estúpido, e eu nunca senti isso antes por ninguém, o que é assustador e tremendamente inconveniente, porque... você não é minha. — Ele diz, suspirando.
Theo segura gentilmente o meu rosto em suas mãos, as pontas dos dedos acariciando minha pele como se eu fosse feita de vidro. Ele me olha nos olhos com uma intensidade penetrante, como se quisesse ter certeza de que estou prestando atenção em cada palavra que ele está dizendo, porque talvez nunca mais possa dizê-las novamente.
— Eu juro que não planejei isso, Liz. Mas acho que preciso encarar o fato de que... eu gosto muito de você. Para ser sincero, eu até acho que eu...
— Por favor, não diga isso. — Peço, interrompendo-o, antes que seja tarde demais, e o "eu te amo" fica pendente no ar por alguns segundos, mesmo sem ter sido dito.
Ele cerra o maxilar, esforçando-se para acatar ao meu pedido de manter aquelas palavras dentro de sua boca, mas me olha como se eu estivesse lhe pedindo algo quase impossível a essa altura.
— Só preciso dizer uma vez. — Fala. — Só preciso que me escute dizer. Por favor, Liz, me deixe dizer. — Theo praticamente implora.
Meus olhos percorrem seu rosto por um instante, tomado por um tipo de urgência agonizante. É quase como se sentisse que esse é o seu último dia de vida, e não pudesse partir sem me dizer isso antes.
Acho que só posso ser forte o bastante para tentar impedi-lo uma vez, em nome do bom-senso. Mas por volta da segunda vez, já estou fraca demais para tentar me lembrar do porquê ele não deveria dizer isso a mim.
Então assinto devagar, sentindo meu coração explodindo em meu peito.
Theo suspira, tomando coragem.
— Eu amo você, Elizabeth. — Ele fala, então, em alto e bom tom para que eu não tenha dúvidas do que ouvi. Sinto minhas pernas enfraquecerem diante da declaração. — É terrível, eu sei. Eu não poderia ter escolhido uma dinâmica mais complicada para isso, e eu sinto muito. — Reconhece. — Mas eu não posso mais fingir que não sinto isso por você. Eu não espero que sinta o mesmo, eu só.... só queria muito te falar isso. — Diz, segurando o meu rosto próximo ao seu. Não tenta fazer nada que não deveria, apesar de engolir em seco, como se lutasse contra seus instintos. — As pessoas nunca esperaram muito de mim, Elizabeth. E eu estava acostumado com isso até você chegar. Você foi a primeira a esperar algo de mim e a acreditar que eu poderia alcançar suas expectativas. Então, obrigada. Você me fez uma pessoa melhor apenas por acreditar em mim.
Por alguma razão, sinto lágrimas brotarem em meus olhos, talvez por ser a coisa mais bonita que alguém já me disse de forma sincera, ou por saber que, independentemente de como me sinta de verdade sobre ele, não podemos ficar juntos dessa forma. Não agora, e talvez, nunca.
De repente, me ocorre um pensamento feio, um pensamento que jamais teria coragem de admitir em voz alta, mas que não consigo evitar que cruze a minha mente: penso em Noah e em como sinto que nem mesmo o conheço agora, e não sei exatamente como acabamos assim. E então, penso em como é irônico que durante todos esses anos só tive olhos para ele, e me atrevo a me perguntar se isso seria diferente se Theodore sempre estivesse estado por perto. Se Theo nunca tivesse ido para Rosefield, seria ele o garoto de quem eu não conseguiria desviar os olhos? Ele sequer prestaria atenção em mim se eu não fosse a garota por quem Noah sempre foi apaixonado? Ainda teríamos desenvolvido a mesma conexão rara, e no fim, acabaríamos juntos? Se o acidente nunca tivesse acontecido, e eu apenas vivesse o tipo de vida normal na qual Theo poderia facilmente ser inserido, nossos obstáculos pareceriam pequenos o suficiente para que nos déssemos uma chance?
Mas, no fim das contas, nada disso muda a realidade. A verdade continua sendo a mesma: Noah e eu ainda estamos juntos — por mais que as coisas entre nós estejam se despedaçando mais rápido do que eu poderia prever. E ainda que não estivéssemos, eu não poderia colocar Theo no meio do caos em que minha vida se transformou. Ele não merece isso. Nenhum sentimento justificaria arrastá-lo para essa confusão absurda na qual eu e minhas amigas nos metemos.
Mordo a língua, forçando-me a interromper todo esse devaneio, porque já sinto culpa por permitir que a ideia cruzesse a minha mente.
— Theo, eu... eu não posso. — Respondo, enfim.
Ele assente, em concordância, seu rosto ainda tocando o meu, impedido apenas pela barreira invisível do bom-senso.
— Eu sei. — Fala, engolindo em seco. — Mas se pudesse...
Tento formar um sorriso gentil.
— Acho que isso não importa, não é? — É a conclusão a qual eu chego no final das contas. As coisas são como são. Apesar de não conseguir evitar pensar em todos os "se" que poderiam ter acontecido, a única realidade final é essa. Eu sei disso, e Theodore parece saber também, porque não se atreve a me beijar.
— É. Têm razão. — Concorda, afastando levemente o rosto do meu, de modo que nossas testas não se tocam mais. No entanto, ainda consigo sentir sua respiração próxima à minha, como se fossem uma só. — Me desculpe. Não estou aqui para estragar as coisas ou te colocar em uma situação moral complicada. Eu só... só precisava que soubesse como me sinto antes de voltar para Rosefield.
Franzo o cenho.
— Está indo embora? — Pergunto.
Ele assente em confirmação. Não me atrevo a perguntar o motivo, mas sinto os meus olhos marejarem diante da informação.
— Não me olhe assim, Liz. — Ele murmura, com um meio sorriso.
— Como?
— Como se quisesse que eu ficasse.
— Bom, eu quero que fique. — Admito, embora, talvez, não devesse. — Mas não estou te pedindo isso.
Theo solta um riso. Me sinto a pior pessoa do mundo por desejar que ele me beije, apesar de tudo. Ele engole em seco, mas não o faz.
— Até logo, Liz. — Fala, por fim. — Sabe onde me encontrar, se precisar de mim.
Ainda segurando o meu rosto, Theo leva os lábios até a minha testa, e depois até o espaço entre as minhas sobrancelhas. Então, cerra o maxilar, como se precisasse reunir suas forças para se afastar de mim, e caminha de volta à minha janela.
— Theo... — Eu o chamo de volta antes que ele se vá. — Eu sinto muito. — Murmuro, com honestidade. Sinto mesmo. Sinto demais.
Ele se volta para mim e assente, como quem compreende.
— Eu também, Liz. — Fala, fixando os olhos sobre mim uma última vez. — Olha, eu... sei que ainda tem coisas que precisam ser resolvidas, e sei que ainda não é a nossa hora. Mas eu acredito que ela vai chegar um dia. E eu vou esperar por isso. Vou esperar por você. — Declara, e meu coração volta a saltar em meu peito.
Sinto minhas bochechas corarem e não consigo impedir o sorriso que se forma em meus lábios.
— E-eu... não posso te pedir isso. — Falo, tentando ter algum bom-senso. Theo não me deve nada, e quero que ele seja feliz, mesmo que não seja comigo, e mesmo que a ideia me machuque.
Ele sorri de lado, exibindo sua covinha.
— É, talvez não. Mas você não está me pedindo isso, não é? — Argumenta, usando minha própria fala contra mim, e solto um riso.
Por fim, ele me dá as costas e sai pela minha janela, me deixando com o coração acelerado, as bochechas coradas, uma promessa, e a esperança de que — contra todas as probabilidades — as coisas sejam diferentes para nós um dia.