— Sabe que não precisa ficar parada aí na porta, não é? — Noah diz, quando nota que ainda não adentrei o quarto por completo.
Sorrio.
— Eu sei. Só estou admirando o seu espaço. — Falo, de braços cruzados, encostada no batente, admirando o ambiente onde ele passa a maior parte do tempo com certo deslumbramento. Nunca havia estado aqui antes, mas o quarto de Noah é bem como imaginei que seria, com prateleiras cheias de livros e paredes pintadas de um azul escuro profundo.
Ele cruza os braços, apoiando-se em sua escrivaninha do lado oposto do cômodo, de frente para mim.
— E o que achou? — Pergunta.
Dou de ombros, percorrendo os olhos pelo quarto mais uma vez.
— Surpreendentemente organizado para o quarto de um garoto. — Digo, e ele ri
— Só fiz o meu melhor para esconder qualquer rastro de desorganização. — Brinca.
— Bom, eu diria que funcionou muito bem.
— Que bom. — Ele diz, sorrindo sem parar. Parece mesmo feliz em me ter aqui, então finalmente cruzo a porta, caminhando devagar em sua direção. Quando me aproximo o suficiente dele, Noah me puxa para mais perto, anulando qualquer espaço entre nós em me envolvendo em seus braços. — Você está linda essa noite, Lizzie. — Sussurra, com os olhos fixos nos meus.
Sinto minhas bochechas corarem. Acho que nunca vou me acostumar com isso. Dentre todas as coisas ruins que tenho vivido nos últimos meses, tive a sorte de ter ao menos uma coisa boa para a qual olhar: Noah. Aqui, em seus braços, me sinto segura. Bem aqui, com a cabeça encostada em seu peito, sinto que nenhuma dessas coisas terríveis são reais. Nada disso pode me machucar quando estou com ele. Ao menos, permito-me sentir dessa forma por alguns instantes, quando a realidade se torna avassaladora demais para mim. Permito-me ser inundada por esse sentimento que ele me causa: conforto, segurança e paz.
— Sinto muito pelo clima meio estranho no jantar. Os meus pais não estão acostumados com... esse tipo de coisa. — Ele fala de repente.
Franzo o cenho, confusa.
— Que tipo de coisa?
Ele desvia o olhar, procurando as palavras certas para se expressar.
— Bom, receber namoradas dos filhos em casa. Isso tudo é novidade para eles também, o que faz com que às vezes eles não saibam exatamente como se portar. Ainda não sabem bem quais são os limites que não devem ser cruzados.
"Obviamente", penso. Me parece estranho que um homem tão inteligente e profissionalmente capacitado como Richard tenha problemas com limites em interações sociais. Me parece uma ideia estranha, meio intragável. Talvez ele simplesmente tenha uma personalidade detestável, mesmo. Me parece mais plausível. Mas acho sábio não dizer isso a Noah.
Dou de ombros e sorrio.
— Tudo bem, eu acho. — Digo, e Noah parece satisfeito com a resposta. Mas não me contenho. Preciso continuar: — O seu pai e Theo... eles não parecem muito... ligados. — Comento, incapaz de continuar ignorando algumas das estranhezas da noite.
O maxilar de Noah se enrijece.
— O meu pai tem certa dificuldade em perdoar. Acha que Theo já cruzou muitos limites.
Arqueio as sobrancelhas. É só isso o que ele tem a dizer?
— E para você tudo bem que seu pai ainda esteja punindo seu irmão por coisas que ele fez anos atrás, quando era uma criança? — Indago. Não vi Noah parecer incomodado com a situação em momento algum.
De repente, os braços de Noah que envolviam o meu corpo me soltam e se fecham entre si quando ele cruza os braços, parecendo repentinamente defensivo.
— Eu não disse que está tudo bem por mim, Liz. Eu apenas aprendi a dançar conforme a música em nossa dinâmica familiar. — Rebate.
Suas respostas vagas começam a me incomodar.
— E então você se cala e apenas deixa isso tudo acontecer para não perder a aprovação do seu pai? Isso não parece muito justo com o seu irmão.
— Theo já é bem grandinho. Ele sabe se virar, não precisa da minha ajuda. Além disso, não passa muito tempo aqui em casa. Na maior parte do tempo, fica no dormitório da faculdade, e quando vem para cá, meu pai normalmente não fica por perto.
Franzo o cenho.
— Isso parece terrível.
Ele dá de ombros, um pouco indiferente.
— É, acho que sim. — Concorda, mas não parece muito sincero. — Mas, não acho que isso importe mais tanto assim para ele. Pelo menos, ele diz que não.
Ao meu ver, Noah parece se contentar com isso apenas porque é mais fácil. Encarar o fato de que nada disso está bem e de que essa dinâmica é disfuncional seria muito mais trabalhoso e inconveniente, especialmente para ele, o garoto de ouro. Começo a entender toda a frustração de Theodore.
— Essas coisas sempre importam. Nunca deixam de importar até que sejam resolvidas. — Digo, ríspida.
Noah permanece de braços cruzados, me olhando no fundo dos olhos como se de repente algo lhe tivesse ocorrido.
— Você e meu irmão tiveram a chance de conversar bastante naquela enfermaria? — Pergunta, enfim.
De repente, eu é quem me sinto na defensiva, como se estivesse sendo interrogada por um policial, e não gosto dessa sensação.
Dou de ombros, tentando agir com indiferença.
— Eu sei lá. Um pouco. Por quê?
Ele morde a parte interna da boca, como se de repente tudo começasse a fazer sentido.
— Eu não sei. De repente você parece bem convencida de que ele merece a sua piedade, mesmo após eu ter te contado sobre todo o inferno que ele me fez passar. — Fala, sério. Posso ver em seus olhos que isso o deixa irritado.
— Não seja ridículo, Noah. Isso não se trata de piedade, mas de bom-senso.
Ele revira os olhos.
— Bom-senso? Acha que Theo estava pensando em bom-senso enquanto era cruel comigo quando éramos crianças? — Indaga.
— Ele era uma criança, Noah! — Exclamo, frustrada. — Não estou defendendo os erros de Theodore, mas estou dizendo que isso nem mesmo é uma comparação justa. Seu pai é um homem adulto que está vivendo para fazer seu irmão pagar por erros que ele cometeu quando era uma criança confusa e que provavelmente só precisava de um pouco mais de atenção e compreensão. — Argumento, porque, aparentemente, o óbvio precisa ser dito por aqui.
Noah revira os olhos e massageia o espaço entre as sobrancelhas, como se estivesse fazendo o seu melhor para não perder a linha. É a primeira vez que o vejo assim. É estranho.
— Ele sabia muito bem o que estava fazendo, Liz. — É só o que diz, no fim.
Suspiro, perplexa. Seu posicionamento nessa história toda acende certa revolta dentro de mim, de modo que eu mal consigo encará-lo a essa altura.
— Nossa. Então, você acha isso justo. É bom saber disso a tempo. — Concluo, indignada, dando-lhe as costas para caminhar em direção à porta do quarto, porque não aguento mais ficar aqui. Não aguento mais um segundo dessa noite, para ser sincera.
Mal tenho tempo de alcançar a maçaneta quando um objeto de vidro é lançado em direção à porta com força, estilhaçando-se por completo bem ao meu lado. Solto um grito de susto, talvez pelo barulho, ou pelo movimento inesperado, ou então as duas coisas. Sinto pequenos pedaços de vidro arranharem minha perna antes de aterrissarem no chão, mas não consigo abaixar os meus olhos para verificar a situação. Não consigo me mover. Todos os meus músculos se enrijecem, de modo que até respirar se torna difícil. Tudo o que sinto é o pulsar acelerado do meu coração em meu peito. Estou completamente apavorada.
— Que droga, Liz! Ele só colhe o que plantou! Não dá para esperar que a relação com nossos pais seja perfeita depois de tudo o que ele fez! Theo merece exatamente o tipo de tratamento que merece dentro dessa família! Ele tem sorte de ainda poder chamar esse lugar de casa! — Noah grita, contornando meu corpo imóvel para ficar diante de mim, cara a cara, agarrando meu braço com força como se precisasse me convencer do seu ponto de vista, me fazer enxergar as coisas como ele.
"Parece que o seu pai não é o único com dificuldade em perdoar, afinal", é o pensamento que me ocorre, mas a essa altura, não tenho coragem de dizê-lo em voz alta.
— Noah, está me machucando! — Exclamo, quando a pressão de seus dedos fechados ao redor de meu braço começam a prender minha circulação sanguínea.
Então, como se apenas agora se desse conta de que está me segurando com força, ele me solta.
Noah suspira e olha ao redor do cômodo como se estivesse se perguntando como chegamos a esse ponto. Já eu, o encaro em silêncio, me perguntando que parte dele é essa que eu ainda não conhecia, e preferia não conhecer. Uma parte completamente distinta do garoto amável e gentil que conheço. Uma parte fria, rude, irritável, egoísta e agressiva. Uma parte que não se importa de ver o modo distante com que os pais tratam o irmão, e talvez, até goste disso. Uma parte ferozmente vingativa.
Talvez Noah não seja mesmo quem eu penso, no final das contas. Talvez exista nele uma capacidade inimaginável de ser cruel quando quer, pelos motivos que julgar necessário. Talvez, o garoto amável e perfeito por quem me apaixonei não exista de verdade, e este rapaz diante de mim seja apenas uma completo estranho, usando uma máscara de gentileza e perfeição, esperando apenas o momento certo para tirá-la de vez, revelando sua verdadeira face. Ou, talvez, eu finalmente esteja sucumbindo à loucura, incapaz de discernir entre o real e o imaginário. Tudo parece irreal. Tudo parece não passar de um pesadelo. Há poucos minutos, achei que estar em seus braços era um sonho em meio a um mar de pesadelo. Agora, sou obrigada a permanecer de pé diante dele enquanto a imagem que tinha dele parece estar ruindo lentamente, desmoronando diante dos meus olhos, revelando uma figura sem rosto e desconhecida, transformando-se em parte desse pesadelo sem fim.
Quando sinto uma lágrima densa escapar dos meus olhos, esfrego a mão no rosto, limpando-a rapidamente. Noah, culpado, me puxa para perto novamente para perto de si, envolvendo-me em um abraço, e, apesar de estar chateada, por alguma razão, não reluto. Fico ouvindo seu coração acelerado pulsando contra seu peito.
— Me desculpe. — Ele fala de repente, parecendo envergonhado por ter perdido a linha. — Olha, Liz, eu sinto muito. Essa guerra não é sua, tá legal? E eu lamento por ter acabado no meio disso. Só é... muito complicado. Me perdoe, está bem? Eu não queria ter te assustado ou gritado com você. Não vamos mais falar sobre isso.
Com a cabeça colada em seu peito, assinto, mas não respondo. Não consigo responder. Não consigo entender o que está acontecendo aqui, como se minha mente estivesse coberta por uma neblina densa, me impedindo de pensar direito.
Quando me afasto, ele segura o meu rosto com as mãos e beija a minha testa. O gesto cuidadoso que antes era uma das coisas que eu mais amava, agora não passa de uma possível farsa para me manipular. Tudo está ruindo.
Seus lábios descem até a minha boca, sendo pressionados contra os meus, mas a sensação já não é tão agradável quanto antes. Sinto uma gota de suor escorrendo pelas minhas costas, como se todo o meu corpo estivesse tenso, tentando me alertar sobre o fato de que algo — seja lá o que for — não parece estar certo aqui. Começo a sentir certo desespero tomar conta de mim. Talvez eu esteja sendo uma maluca irracional, mas não consigo me importar com isso agora. Apenas quero que ele se afaste de mim.
Pressiono as mãos contra o seu peito, tentando empurrá-lo para trás de forma sutil, mas ele não parece notar. Meu movimento nem sequer parece surtir qualquer tipo de efeito contra ele, porque seus lábios continuam colados aos meus. A sensação é repugnante, mas o pior de tudo, é que é familiar. Eu reconheço essa sensação. É a mesma sensação que sinto toda vez que estou perto de Colin Wright. Como é possível que, de repente, tudo o que eu sentia por Noah esteja se transformando no mesmo que sinto pelo garoto mais detestável que conheço?
— Bom... quer assistir a um filme? — Noah pergunta enfim, ao se afastar, mudando de assunto de uma forma pouco sutil. Está claro que ele não quer mais falar sobre sua família ou sobre coisas que possam causar desconforto em toda a sua estrutura de mentiras. Nada que possa trazer a tona o verdadeiro Noah.
Engulo em seco, ajeitando o cabelo atrás da orelha.
— Claro. O que vamos assistir? — Pergunto, tentando parecer realmente interessada em passar mais algumas horas aqui, quando na verdade quero ir embora agora mesmo.
— Você escolhe. — Ele fala, sorrindo, como se isso pudesse ser o suficiente para me fazer esquecer tudo o que acabou de acontecer. Como se o grito, os objetos se quebrando, a raiva, e todas as características ruins que acabaram de escapar por entre os vãos de seus dedos não fossem nada comparados à incrível possibilidade de escolher o filme essa noite.
Forço meus lábios a formarem um sorriso.
— Não acho que vá querer fazer isso. A menos, é claro, que queira assistir a algum romance água com açúcar de garotinha.
Ele fecha um dos olhos, ponderando sobre a situação.
— Está bem. Contanto que me deixe escolher da próxima vez.
— Combinado. — Falo, me perguntando se haverá mesmo uma.
Quando Noah sai do quarto para procurar por seu computador, sento-me em sua cama ponderando se devo mesmo permanecer aqui. No silêncio do quarto, meus pensamentos parecem ganhar um pouco mais de clareza a cada segundo. Talvez eu deva mesmo ir para a casa e dizer que não estava me sentindo muito bem — o que, a essa altura, nem é mais uma desculpa, e sim a mais pura verdade.
Suspiro e levanto-me da cama, pegando minha bolsa e começando a caminhar para fora do quarto, quando me detenho, como se tivesse batido em uma barreira invisível, paralizada pela ideia que surgiu em minha mente.
Pondero por alguns segundos. A ideia parece loucura. Talvez eu esteja mesmo ficando louca, afinal. Seria uma justificativa plausível para minhas ações. Talvez eu esteja cruzando todos os limites possíveis, mas minha intuição grita alto para que eu faça isso, deixando-me completamente cega de qualquer bom-senso. Escuto os passos de Noah caminhando de um lado para o outro no cômodo ao lado, parecendo estar longe o suficiente para que eu tenha tempo de bisbilhotar um pouco.
Deixo minha bolsa de lado por um instante, e, sem saber exatamente pelo que estou procurando, começo a vasculhar o quarto, sentindo-me meio envergonhada sobre isso, mas não o suficiente para parar. Olho debaixo da cama, sob o tapete, dentro do armário, e enfim, nas gavetas. Não consigo encontrar nada que pareça ser suspeito. Nada que pareça revelar a parte sombria de Noah.
Olho ao redor, desesperada. Não sei o que estou fazendo. Mal sei dizer o que estou pensando. Apenas sinto um incômodo dentro de mim, que me impulsiona a continuar procurando, mesmo que, aparentemente, não exista nada para encontrar.
Suspiro, frustrada.
Em uma última tentativa, começo a vasculhar a prateleira de livros. Os espaços entre eles estão preenchidos com nada além de poeira, e as páginas com marcações não revelam nada de relevante. Já estou prestes a desistir quando abaixo os olhos para a escrivaninha e noto algo colado no interior do porta-lápis, escondido debaixo de canetas, réguas e lapiseiras.
Olho para a porta, certificando-me de que Noah não está prestes a voltar nos próximos segundos, e então viro o porta-lápis sobre a escrivaninha, esvaziando-o, e cutuco o interior do objeto até alcançar o que está no fundo, puxando um pedaço de papel plastificado.
Uma identidade falsa. Uma bem realista, por sinal. Sinto um calafrio percorrer por todo o meu corpo, indicando que talvez, fosse exatamente isso o que estava procurando esse tempo todo, mesmo sem saber.
Sinto uma ruga se formando entre as minhas sobrancelhas enquanto analiso o item, intrigada. A foto é de Noah, mas o nome no papel é Jake Romanov. A data de nascimento indica que o indivíduo é maior de idade.
Tento não me apavorar. Minhas amigas e eu também temos identidades falsas, as quais usamos apenas para comprar bebidas durante as férias de verão. Mas isso não parece muito com algo que Noah faria — não que eu saiba o tipo de coisa que ele faria, a essa altura.
Na parte de trás, noto um relevo no interior do plástico. Quando viro a identidade para analisar, me deparo com uma chave redonda e um pequeno papel de recibo de um depósito em Redgrove.
Não quero tirar conclusões precipitadas, mas não conheço nenhuma pessoa da nossa idade que precise de um depósito fora da cidade.
Sinto como se meu coração estivesse despencando, prestes a estilhaçar-se contra o chão. Engulo em seco, sentindo todo o ar se esvaindo dos meus pulmões.
Sem pensar duas vezes, enfio a identidade, a chave e o recibo dentro da bolsa e arrumo a bagunça que fiz no porta-lápis, tentando fazer parecer com que nunca toquei em nada aqui. Com as mãos trêmulas, agarro a maçaneta da porta, abrindo-a com cuidado, tentando fazer silêncio enquanto saio pelo corredor.
— Liz? — Uma voz irrompe no silêncio, me causando um sobressalto.
— Que droga, Noah! Você me assustou! — Exclamo.
Ele franze o cenho, aproximando-se de mim.
— Por quê?
— Bom, você apareceu do nada.
— Estava indo a algum lugar? — Ele pergunta, intrigado.
Ajeito a postura, tentando agir com naturalidade.
— Eu... ia procurar por você e... ver se precisa de ajuda. — Digo.
Não sei se Noah acredita em minhas palavras, mas ao menos, finge melhor do que eu.
— Ah, desculpe. Demorei um pouco para achar o computador.
Assinto, tentando agir normalmente, mas não paro de me perguntar quem é a pessoa que está diante de mim. Torço para que ele não note o quanto as minhas mãos estão tremendo.
— E então? Já escolheu o filme? — Ele pergunta, convidando-me a entrar novamente no quarto. Agora que ele está de volta, não tenho mais desculpas para permanecer fora dali.
— 10 coisas que eu odeio em você. — Respondo, sem pensar muito.
Noah aperta os olhos.
— Bom... pelo menos tem o Coringa.
— Quis dizer Heath Ledger? — Corrijo.
Noah dá de ombros.
— Ele sempre vai ser o Coringa, não é?
Forço meus lábios a formarem um sorriso.
— É, acho que sim. — Concluo.
Noah coloca o filme e nos deitamos lado a lado em sua cama. Sinto todos os músculos do meu corpo enrijecidos de tensão, enquanto sinto o calor emanando de seu corpo próximo ao meu.
— Seu coração está acelerado. — É a última coisa que ele diz ao deitar a cabeça em meu peito, minutos antes de acabar caindo no sono.
***
— Sarah, onde você está? Preciso que me ligue assim que ouvir essa mensagem! — Sussurro no telefone, logo após sair do quarto de Noah. Levei algum tempo para conseguir me mover sem acordá-lo, mas finalmente consegui. — Eu acho que Colin me disse a verdade naquela noite... — murmuro, descendo as escadas. — ...e, se estava mesmo dizendo a verdade, pode ser que eu tenha encontrado algo que vai nos ajudar a...
Paro de falar e me detenho por um segundo quando me deparo com a figura de Theodore sentado na sala de jantar, agora mal-iluminada, com uma caneca cheia de uma bebida fumegante diante de si, encarando-a como se esperasse ela esfriar mais rápido.
— Theo? — Chamo-o, quebrando o silêncio do ambiente.
Ele levanta os olhos para mim como se eu tivesse acabado de tirá-lo de algum tipo de transe.
— Você está bem? — Pergunto.
Ele assente.
— Acho que sim, eu só... não consigo dormir. Acho que me desacostumei a dormir aqui.
Ele parece triste, e seja lá qual for o real motivo, odeio isso. Aproximo-me dele, devagar e hesitante, como se estivesse pisando em ovos.
— Mas... ainda é a sua casa, não é? — Falo, lembrando-me da primeira coisa que ele me disse ao abrir a porta.
Ele sorri. Um riso abatido.
— Talvez essa seja a diferença entre uma casa e um lar, não é?
Olho ao redor, para todos os móveis chiques e quadros caros nas paredes, todas as fotos de família que, aparentemente, não passam de encenação. Todas as coisas que formam a casa, mas não o lar de Theodore.
Suspiro, enfim tornando a olhar para ele.
— É, acho que sim. — Concordo.
— Você já está de saída? — Ele pergunta.
Aperto os olhos.
— Está me expulsando?
Mesmo no escuro, consigo vê-lo arregalar os olhos, constrangido com a possibilidade de eu realmente achar que é isso o que ele quer dizer.
— Não! Céus! Claro que não! — Exclama, meio apavorado com a ideia.
— Relaxa. — Respondo, rindo. — Eu estou brincando. Eu já estava mesmo de saída.
Vejo o primeiro sorriso sincero surgir em seus lábios.
— E por acaso o seu namorado-de-ouro vai te levar até sua casa, já que não te buscou? — Provoca ele, incapaz de deixar isso para lá.
— Eu não quis acordá-lo.
"Na verdade, me esforcei muito para não acordá-lo".
Theo balança a cabeça, inconformado com a ideia, mas não diz coisa alguma. Ao invés disso, levanta os olhos para mim e fica me observando em silêncio. Engulo em seco, empertigando-me. Sinto como se ele pudesse enxergar através de mim, e estivesse prestes a me perguntar o que há de errado, o que, a essa altura, pode me fazer desabar em lágrimas.
— O que houve lá em cima, Liz? — Ele pergunta, por fim, como se já estivesse matutando sobre isso há algum tempo.
Franzo o cenho.
— Uhm... nós só estávamos vendo um filme. — Respondo, meio sem graça. O que ele espera que eu diga? O que ele imagina que fizemos?
— Ai, céus, não! — Ele exclama, notando o meu desconforto ao supor o teor de sua vaga pergunta, o que parece deixá-lo desconfortável também. — Não quero saber o que estavam fazendo. Eu só... ouvi um barulho. Um estrondo. Tipo algo se quebrando. — Esclarece. — Só... só quero saber se está tudo bem.
— Ah. S-sim, foi... foi um acidente. — Minto. Não sei por quê. Me sinto estranha ao fazê-lo, mas também me sentiria estranha em contar o que realmente aconteceu. Talvez parte de mim ainda esteja assimilando o ocorrido.
Theo assente, mas seus olhos percorrem o meu corpo em busca de provas de que estou mentindo, porque ele não é estúpido. Automaticamente levo a mão até o pulso, onde as marcas vermelhas dos dedos de Noah ainda estão bem vívidas e doloridas, tentando esconder a região. Nem sei por quê estou tentando protegê-lo. Talvez isso seja muito mais por mim do que por ele. Não aguento ter que passar por isso agora.
Ele morde a parte interna da boca, parecendo irritado de repente.
— E é por isso que o seu pulso está marcado desse jeito? — Indaga, fixando os olhos sobre mim de um modo que torna difícil continuar mentindo para ele, porque me olha como quem já sabe de toda a verdade.
Engulo em seco, tentando agir com naturalidade, de qualquer modo.
— Ah, isso não aconteceu hoje. Me machuquei em casa na semana passada.
Theo cruza os braços, cético.
— Engraçado. Não estava aí quando chegou. — Argumenta.
— Como pode ter certeza?
— Porque eu presto atenção em você, Elizabeth. — Fala, levantando-se de sua cadeira e aproximando-se de mim. — E sei que essa maldita mancha vermelha não estava no seu braço quando chegou aqui essa noite, então eu vou perguntar mais uma vez: O que aconteceu? — Questiona, sério.
Levanto os olhos para ele, agora parado diante de mim, próximo o suficiente para detectar qualquer mínima mudança em minha expressão. E eu tinha mesmo a intenção de sustentar essa mentira até o fim, mas quando abro a boca para continuar afirmando que isso tudo não passa de um grande mal entendido, um soluço gutural me escapa, e de repente já estou me desfazendo em lágrimas em seus braços, incapaz de continuar com essa mentira.
O choro brota dentro de mim com força, escapando de modo incontrolável. Me sinto como uma criança, mas não consigo evitar. Estou completamente fora de controle. Theodore sustenta o peso do meu corpo contra o seu tórax, envolvendo-me em seus braços quando não consigo mais me manter de pé com minhas próprias pernas, e caio de joelhos sobre o chão, chorando compulsivamente. Ele se mantém ajoelhado ao meu lado durante todo o tempo, abraçando-me com força enquanto choro durante longos minutos por todas as coisas que estão erradas na minha vida de uma vez só, com a cabeça apoiada em seu ombro, desejando sumir para sempre.
Devo ter chorado por uns dez minutos. Theo se manteve calado, o corpo rígido sustentando o meu, e as mãos envoltas ao meu redor, formando uma fortaleza segura para eu desabar por um momento.
— Me desculpe. — Sussurro por fim, envergonhada, quando o choro finalmente cessa dentro de mim.
Theodore balança a cabeça, segurando o meu rosto diante dele e enxugando as minhas lágrimas.
— Não é você quem tem que se desculpar. — Fala, então. — Eu vou acabar com aquele pirralho. Ele está morto.
Consigo ver a fúria contida dentro de seus olhos, como se, nesse momento, fosse mesmo capaz de fazer o que está dizendo.
— Theo, pare. Por favor. — Digo, tentando impedi-lo de se levantar quando ele faz menção de se colocar de pé e marchar em direção às escadas, mas não tenho forças para contê-lo.
Em um piscar de olhos, Theodore já está caminhando determinado pelo mesmo corredor escuro de onde vim. Levanto-me de pressa e corro atrás dele, bloqueando seu caminho.
— Theo, deixe isso para lá. Por favor, por favor, eu imploro! — Peço, pressionando as mãos contra seu peito.
— Deixar para lá? Está de brincadeira, Liz? — Ele indaga, exasperado. — Noah não pode achar que vai sair impune ao te machucar. Eu vou acabar com ele, e isso não é negociável.
— Por favor, eu não consigo lidar com isso agora, só me dê alguns dias para processar isso tudo sem que Noah saiba que eu te contei. — Peço.
A ideia de deixar que Noah viva alegremente os próximos dias, sem sofrer nenhum tipo de consequência, parece deixá-lo ainda mais transtornado.
— É claro que não! Liz, ele não pode...
— Por favor! — Imploro, prestes a explodir em lágrimas novamente. A essa altura, só quero que essa noite infernal acabe logo.
Theodore suspira fundo, me observando por alguns segundos. Deve concluir por conta própria que pareço fragilizada demais para lidar com isso no momento, porque, apesar de sua relutância, acaba por assentir, no fim das contas.
— Certo.
— Promete? — Pergunto, para ter certeza.
— Não. — Ele rebate, sério.
— Theo!
— Olha, eu vou tentar o meu máximo, está bem? Isso eu prometo. Mas eu não posso prometer que vou conseguir não surrar a cara do meu irmão pelos próximos dias sabendo o que ele fez com você. — Diz, o que não me passa muita confiança.
Esfrego o rosto, exausta disso tudo. Pela primeira vez desde que tudo começou a ir pelos ares, sinto uma vontade genuína de fugir para longe, e deixar tudo para trás. Mas não é tão simples assim. Os problemas ainda me acompanhariam aonde quer que eu estivesse. Não se pode fugir daquilo que se sabe.
Suspiro.
— Acho melhor eu ir para a casa. — Falo, então, saindo de seu caminho e indo em direção à porta.
— Liz, espere. — Ele me chama de volta.
Com os dedos sobre a maçaneta, volto-me para ele.
— Me desculpe. Se precisa de um tempo, então... eu prometo. — Afirma, sem tentar esconder o seu descontentamento sobre isso, mas ao menos parece sincero.
— Obrigada. — Sussurro.
Ele assente.
— Será que eu... posso ao menos te levar até sua casa?
Suspiro. Dá última vez que jogamos esse jogo, não deu muito certo. O resultado foi quase desastroso. Mas não estou em posição de negar gentilezas essa noite, porque minhas energias já se esgotaram há muito tempo. Então assinto em concordância, aceitando sua proposta, o que faz Theo sorrir como se tivesse acabado de ganhar na loteria, por alguma razão.
— Ótimo. — Fala, alcançando a chave do carro em seu bolso. — Então vamos nessa, Encrenca. Esse, com certeza, vai ser o ponto alto da minha noite.
Não admito em voz alta que para mim também, mas sorrio, feliz em poder desfrutar de sua companhia por mais alguns minutos.