— Você está particularmente insuportável esta manhã. — Sarah diz à Cassie, que simplesmente não a deixa beber seu refrigerante em paz enquanto fala sem parar sobre como ele é prejudicial à saúde e quantos copos de água ela teria de beber depois para eliminar qualquer resquício de refrigerante de seu corpo.
Cassie dá de ombros.
— Tudo bem, não me dê ouvidos. Mas não venha reclamar quando descobrir que vai ser a primeira de nós a morrer. — Retruca.
— Cassie, eu te pago dez pratas para você me matar agora e eu não ter que ouvir mais essa conversa.
Ela revira os olhos e decide finalmente deixar para lá.
Os minutos seguintes são silenciosos. Pelo menos em minha cabeça. Mexo o purê de batatas em meu prato de um lado para o outro, nervosa. Não consigo parar de pensar sobre a foto, e nem ao menos sei como compartilhar a notícia com minhas amigas. Noto também que a consistência do purê diante de mim parece um tanto questionável, e involuntariamente faço uma careta.
— Liz? Lizzie! — Ouço a voz de Daisy me chamando, tentando me trazer de volta à realidade.
Levanto o olhar para os rostos de minhas amigas sentadas ao meu redor, me encarando confusas. O burburinho do refeitório parece ter aumentado significativamente e levo alguns segundos para processar toda a informação que está acontecendo ao meu redor, fora da minha cabeça.
— Você está bem? — Sarah pergunta, embora esteja claro que não. Minha expressão deixa isso bem nítido. Da última vez que chequei no espelho, estava quase tão pálida quanto as paredes deprimentes desta escola.
Incapaz de encontrar as palavras certas para explicar o último acontecimento que me deixou transtornada, apenas seleciono a foto em meu celular e mostro a elas, revelando uma imagem do momento exato em que nos reunimos ao redor do corpo de Dylan na floresta, prestes a enterrá-lo. Os olhos de Daisy se arregalam tanto que, por um segundo, parecem estar prestes a saltar para fora do seu rosto.
— Onde foi que você conseguiu isso? — Cassie pergunta, tomando o celular de minhas mãos para analisar a foto mais de perto. O espanto nos rostos de minhas amigas revela que fui a única a receber a foto, o que faz surgir mais um milhão de perguntas em minha mente.
— Recebi por e-mail. — Respondo, soando quase robótica, o que significa que ainda me encontro em estado de choque.
— De quem? Por que você foi a única a receber?
— Eu sei lá! — Exclamo. A chuva de perguntas que ela derrama sobre mim começam a me estressar. — Parecia uma conta anônima criada especificamente para isso.
— Não pensou em responder? — Cassie questiona, parecendo irritada por não conseguirmos pensar em coisas que lhe parecem óbvias demais.
— Não! Eu fiquei assustada, não sabia o que responder! — Rebato no mesmo tom de irritação.
Cassie fecha a imagem e analisa o endereço de e-mail. Franze o cenho, indicando que também não faz ideia de quem possa ser. De qualquer forma, começa a digitar uma mensagem.
Meu coração dispara.
— O que está fazendo? Me dê isso aqui! — Exclamo, praticamente pulando em cima de Cassie ao vê-la digitando. Entramos em um tipo de luta enquanto tento pegar o celular de volta, e ela luta para me afastar e mantê-lo firme em suas mãos.
Sarah revira os olhos.
— Querem parar com isso? Estão parecendo duas idiotas. — Fala, tomando o celular das mãos de Cassie.
Quando finalmente sossegamos, fixamos nossos olhos sobre Sarah, esperando que ela tome alguma atitude. Ela lê a mensagem que Cassie começou a escrever. Faz uma careta, como se fosse uma mensagem tola, de apenas uma linha, com uma pergunta um tanto ingênua. Solta um riso.
— Só porque estamos perguntando quem está por trás do e-mail, não significa que receberemos uma resposta honesta, ou ainda resposta alguma. — Fala, mais para Cassie do que para o resto de nós.
Cassie dá de ombros.
— Ainda assim, acho que vale a pena arriscar. O que temos a perder?
As duas se encaram por alguns segundos, a decisão final pairando sobre as mãos de Sarah, como de costume. Por fim, ela cede. Solta um suspiro cansado e desesperançoso, e aperta o botão de enviar.
— Feito. — Diz, colocando o celular em minhas mãos.
Levo um pequeno susto quando, em questão de segundos, o celular vibra com uma resposta.
— "Destinatário inexistente" — Leio a mensagem que recebo quase imediatamente. — O que isso quer dizer?
Suas expressões ficam tão confusas quanto a minha. Cassie pega o celular de volta.
— Acho que... essa conta foi apagada. — Ela diz, enquanto aperta múltiplas vezes o botão de enviar e recebe a mesma mensagem.
Trocamos olhares em silêncio.
— Ótimo. O que faremos agora? Quer dizer, alguém por aí tem uma foto nossa ao redor do corpo de um cara que muito em breve, será dado como desaparecido! Algo me diz que isso não é nada bom. — Cassie fala, me devolvendo o celular.
— Bom, acho que só nos resta imaginar quem pode estar por trás disso. — Sarah beberica seu refrigerante, como se já tivesse aceitado nossa derrota.
Cassie morde um pedaço de sua maçã, agitada.
— Tudo bem, mas não é só isso. — Ela diz — Quem quer que seja, já poderia ter nos entregado à polícia. Mas não o fez. Alguém nos mandou essa foto porque quer que saibamos que fomos vistas, o que não faz muito sentido, a menos que...
— A menos que essa pessoa queira algo da gente. — Concluo.
— Ou que esteja brincando com a gente, o que também não é muito legal. — Ela finaliza.
Massageio as têmporas, me sentindo extremamente cansada.
Daisy cruza as mãos diante da boca e olha para cada uma de nós, sem conseguir pensar em nada para dizer ou pensando mais coisas do que consegue falar, como o resto de nós.
As vozes do refeitório parecem diminuir junto das nossas, e sinto a necessidade de olhar ao redor para me certificar de que não estamos sendo observadas e julgadas por todos, temendo que já tenhamos sido descobertas. Mas ninguém está prestando atenção em nós, o que é aliviador.
Bom, quase ninguém.
De longe, avisto os olhos azuis de Noah, nos assistindo de uma distância segura. Quando percebe que estou olhando, desvia o olhar, mas já é tarde demais. Eu já o flagrei.
O olhar de Sarah acompanha o meu. Ouço ela suspirar alto ao meu lado, como quem acabou de ter uma ideia ruim.
— Tenho um palpite. — Fala, rompendo o silêncio entre nós. — Mas é um palpite terrível.
— Estamos ouvindo. — Cassie responde prontamente, como se mais uma coisa terrível já não fosse nada perto de todas as outras coisas terríveis com as quais estamos lidando.
Ela respira fundo antes de dizer o que tem a dizer.
— Conheço alguém que tem uma câmera boa o suficiente para estar tão distante da gente a ponto de não conseguirmos vê-lo, e, mesmo assim, tirar uma foto boa o suficiente a ponto de conseguirmos ver nitidamente nossos rostos no escuro...
Ela continua com a expressão séria, sem dizer nada, torcendo para que nossa ficha caia sem que tenha que dizer mais nada. Aos poucos, compreendo o que ela está insinuando.
— Isso é impossível. — Digo calmamente, antes de tomar um gole do chá gelado em minha bandeja. Já faz alguns minutos que concluí que na verdade, não sou audaciosa o suficiente para comer do purê duvidoso em meu prato, então o chá gelado terá que dar conta da missão de me sustentar até o fim do dia.
— Não é, não! — Ela protesta.
Cruzo os braços, pronta para apontar as diversas razões pelas quais sua ideia não faz o menor sentido, mas então me dou conta de que nem sei bem porquê acredito tão firmemente no fato de que Noah não foi quem tirou a foto. A ideia simplesmente me irrita, e não quero que seja verdade.
— Isso é ridículo! Estávamos em Rosefield, literalmente no meio do nada. — Argumento.
— Bom, ele tem um carro, não é? Poderia muito bem ter nos seguido até lá. — Ela rebate.
Reviro os olhos.
— Sarah, por que acha que Noah faria isso? — Cassie questiona, mantendo sua racionalidade e imparcialidade ativas, ao contrário de mim.
— Bom, para começo de história, ele não estava fotografando a festa?
— Dylan pediu para ele fotografar para o anuário. — Retruco, rapidamente.
— Liz, não é esse o ponto! — Exclama, cansada.
— Noah não é a única pessoa no mundo que tem uma boa câmera. Além disso, ele não é esse tipo de pessoa. — Defendo-o.
— Até onde você sabe. E já parou para pensar no motivo de só você ter recebido esse e-mail? Talvez ele não tenha gostado da conversa onde você dispensou ele hoje mais cedo... de novo.
Eu a encaro descontente com seu tom de julgamento na última frase, o que não parece atingi-la.
Apesar do silêncio na mesa, consigo ver pelas expressões de Daisy e Cassie que estão pensando o mesmo. Permaneço séria, incapaz de admitir que seus argumentos até fazem sentido.
— Cassie? — Chamo-a, recorrendo à opção mais deprimente que me resta para saber se estou certa ou errada: a opinião alheia. — O que acha disso tudo?
Ela solta um suspiro, parecendo não ter uma opinião concreta sobre o assunto, o que é frustrante.
— Eu não sei, Liz. — Responde, dando de ombros — Talvez elas estejam certas, ou talvez não. Só acho que não podemos simplesmente descartar a possibilidade dele ser o responsável por isso só porque vocês...
— Pare. — Interrompo-a antes que ela tenha a chance de concluir a frase, porque odeio a insinuação de que estou do lado de Noah apenas porque nos beijamos algumas vezes. Acontece que o conheço bem o suficiente para saber o tipo de pessoa que Noah é, e não é do tipo que faria uma coisa dessas. — Sabe que isso é ridículo. Noah é inofensivo.
Sarah solta um riso.
— Inofensivo? Nós somos inofensivas! — Exclama — E ainda assim, se lembra do que fizemos na noite passada?
— Sarah, fale baixo! — Cassie exclama, olhando ao redor, preocupada que alguém tenha escutado a última parte da conversa. Felizmente, ninguém dá a mínima para nós, reforçando mais uma vez a nossa irrelevância em meio a tanta gente.
Respiro fundo, tentando conter a raiva crescente em mim.
— O que você sugere, então? — Questiono-a. — Que a gente vá até ele e comece a interrogá-lo sobre ontem? Porque além disso ser estranho, também parece uma ótima maneira de nos expormos.
— E você tem um plano melhor? — Ela pergunta.
— Sim. Esquecer essa ideia. Quem quer que tenha tirado essa foto, não foi o Noah.
Olho para Daisy, esperando que ao menos ela fique ao meu lado, mas Daisy não se pronuncia. Na verdade, até evita o meu olhar. Talvez, no fundo, também acredite na teoria.
— Liz, não seja boba! Isso não é o tipo de coisa que podemos simplesmente ignorar. Nós cometemos um crime, e alguém sabe disso, e agora está nos provocando por alguma razão.
— Isso não faz sentido, Sarah! — Insisto, começando a ficar incomodada com o fato de que, às vezes, ela pode ser tão teimosa quanto eu, o que tira toda a credibilidade da minha persistência. — Noah é inofensivo. Muito mais do que a gente. Não se esqueçam de que as erradas nessa história somos nós, independente de quem saiba o que fizemos. Nós cometemos o erro. E vamos ter que viver com isso a partir de agora. É melhor começarmos a nos acostumar. — Falo, com os dentes cerrados e a expressão irritada. Sinto minhas bochechas ficarem cada vez mais vermelhas de raiva. — Noah não causou nada disso. Nós causamos.
Cassie e Daisy se entreolham e voltam a concentrar sua atenção na comida.
Observo Noah, do outro lado do pátio. Ele parece concentrado em um livro que não consigo identificar. Não parece perigoso ou alguém com quem deveríamos nos preocupar. Me recuso a acreditar que ele seja o responsável por isso. Por outro lado, quase desejo que seja ele, afinal, porque seria mais simples assim. Porque conseguiríamos uma justificativa rápida e talvez plausível. Porque poderíamos tentar convencê-lo a não fazer o que quer que pretendesse fazer com aquela foto. E principalmente porque, se não for ele, significa que outra pessoa nos viu. Outra pessoa viu o que fizemos; como arrastamos o corpo sem vida de Dylan para dentro do porta-malas de Sarah para enterrá-lo em uma floresta escura na cidade vizinha, na esperança de nunca sermos descobertas. Outra pessoa que podemos ou não conhecer, e outra pessoa que pode ou não ter muitas coisas contra cada uma de nós. Outra pessoa que não se importará em nos denunciar, ou fazer o que for preciso para que nossas vidas virem um inferno.
Por alguns segundos, até entendo o lado de minhas amigas. E por um segundo, quase torço para que tenha sido Noah, porque se for outra pessoa... aí sim estaremos ferradas.
Respiro fundo, deixando o pensamento de lado, porque por mais conveniente que a ideia seja, não acredito que seja a verdade. Pego minhas coisas e me levanto, saindo da mesa sem me despedir e sem dar espaço para que a discussão se estenda mais.
— Aonde você vai? — Cassie grita, confusa. Tenho a sensação de que ela é a única que ainda não concorda completamente com a teoria de Sarah, porque se concordasse, falaria. E mesmo assim, foi incapaz de ficar ao meu lado, o que de certa forma, contribuiu para minha irritação.
Viro-me, com a mesma expressão enfurecida de antes.
— Para a casa! — Grito de volta, sem ao menos conseguir encará-las.
Enquanto caminho para longe, escuto Sarah respirar fundo e resmungar que estamos ferradas. Solto um riso irônico, pensando que finalmente concordamos em algo.