Na sexta, depois da escola, Noah me busca em casa para irmos à festa em Rosefield, o que não lhe parece muito animador. Sinceramente, eu entendo. Também não estou muito animada. Ele ainda não entende a verdadeira razão pela qual nós aceitamos o convite, e minhas amigas acham que vai ser melhor se ele não souber do nosso plano, apesar do meu desconforto em ocultar isso a ele.
Meu pai faz uma pequena cena de ciúmes, e o faz prometer que me trará de volta até uma da manhã, embora já tenhamos combinado que meu horário vai até as duas. Como ele não parece estar lidando bem com o fato de que estou saindo com um garoto — apesar de eu ter dito aproximadamente dez vezes que minhas amigas irão junto —, prefiro não discordar, e Noah também não, parecendo se sentir tão intimidado pelo meu pai quanto meu pai, no fundo, se sente por ele.
Noah me observa de maneira atenta, mas cuidadosa desde que me viu descendo as escadas até o momento em que entramos em seu carro. Parece estranho estar em um carro com um garoto, já que minhas caronas costumam ser com Sarah desde que ela tirou sua carteira de motorista aos dezesseis, o que, aliás, é surpreendente, considerando o modo como dirige até hoje, com dois anos a mais de prática.
— O que foi? — Pergunto, sorrindo acanhada, quando simplesmente não sei mais como agir sabendo que seus olhos estão sobre mim, embora de maneira muito discreta.
Vejo suas bochechas corarem.
— É que... você está linda. — Fala, ligando o carro logo em seguida, e eu sorrio envergonhada, sem saber como agradecer.
Ele dirige até a casa de Sarah, seguindo as minhas instruções de como chegar até lá. As janelas do carro estão abertas, mas não completamente, porque o ar está gelado do lado de fora, graças à chegada do outono. Mais uma vez, me arrependo de não ter pego um casaco, e já sei desde então que irei passar boa parte da festa sentindo frio.
Em menos de dez minutos, Noah estaciona o carro em frente aos enormes portões da casa de Sarah, bem onde indico que deve parar. Ele olha para mim e para a casa diversas vezes, admirado pela ideia de que pessoas de verdade vivem em uma casa assim, tão grande.
— Eu sei. — Digo, percebendo seu estado de choque.
Mando uma mensagem para Sarah, avisando que chegamos. Ela responde quase imediatamente, dizendo que ela e Cassie descerão em cinco minutos. Com isso, consigo supor que ainda estão se arrumando, e que, portanto, cinco minutos devem significar, no mínimo, vinte minutos.
— Acho que ainda teremos que esperar um pouco. — Falo. Noah assente, sem parecer nem um pouco incomodado com isso.
Eu o observo, hesitante, ponderando se devo mesmo perguntar o que quero enquanto mexo nervosamente nos anéis em meus dedos.
— Você está bem? — Noah questiona, observando minhas mãos inquietas.
Assinto com a cabeça, mas não é o suficiente para convencê-lo. Ele continua me observando em silêncio, até que eu decida falar.
— Sim, é que... você... nunca falou muito sobre ele. — Comento, receosa. Embora não tenha mencionado nome algum, Noah sabe exatamente de quem estou falando.
Tenho a impressão de que ele se encolhe um pouco no banco. Seus ombros parecem tensos, e embora sua expressão esteja neutra, não tenho certeza se ele está mostrando o que realmente sente.
— Bom... nunca tive muito para falar sobre ele. — As palavras saem de sua boca como se nem ele acreditasse muito no que está dizendo. Não consegue falar e me olhar nos olhos ao mesmo tempo, e seu desconforto seria nítido até mesmo se eu não o conhecesse tão bem.
A curiosidade dentro de mim parece crescer ainda mais com sua resposta. Quero perguntar mais. Quero saber o que faz a relação com seu irmão ser tão visivelmente estranha. Quero saber por que nunca ouvi o suficiente sobre Theodore, ou porque nunca nem ao menos o vi antes. Quero ouvir a parte que Noah não está contando agora, ou nunca contou a ninguém, porque tem medo de contar.
No fim das contas, aceito a resposta, porque embora seja vaga, percebo que Noah parece desconfortável quando se trata de revelar coisas sobre seu passado, como se estivesse sempre lutando para reprimir suas memórias e todas as cicatrizes que adquiriu ao longo da vida e mantê-las muito bem escondidas dentro de si mesmo. Não posso culpá-lo. Se eu conseguisse, faria o mesmo. Ele costuma ter suas razões, então prefiro não me aprofundar no assunto. Pelo menos, não agora.
Respiro fundo a assinto, contendo-me. Um silêncio começa a crescer entre nós enquanto tento procurar outro assunto para sobrepor o desconforto que o último tópico causou.
Ele suspira.
— Quando eu era criança... — Noah começa a contar de repente, soando nervoso. Parece estar fazendo um esforço enorme para deixar as palavras saírem, como se nunca tivesse falado sobre isso em voz alta. — Theo era muito... agressivo. Sempre foi, desde que consigo me lembrar. Sinto que ele passou metade da vida descontando toda sua raiva e frustração em mim, e eu passei boa parte da minha infância tentando entender porquê ele me odiava tanto.
Meu coração se contrai. De repente me lembro do modo como ele ficou nervoso quando Theodore deixou de lado as provocações e começou a falar sério naquele dia. Não percebi na hora, mas Noah estava com medo.
— Você... nunca revidou? — Pergunto, receosa.
Ele acena negativamente com a cabeça, levantando o olhar para mim pela primeira vez durante esta conversa.
— Sempre tive medo de que, se eu revidasse, talvez acabasse me tornando ele. E eu nunca quis ser alguém como ele. — Ele fala, cerrando o maxilar com força. Posso notar que há muito mais por trás de cada uma de suas falas. Quase consigo sentir sua dor através do peso em sua voz.
— E os seus pais? — Pergunto, ignorando todos os meus instintos que me dizem para ficar calada, ou ao menos mudar de assunto.
Ele balança a cabeça.
— Acho que meus pais nunca souberam realmente o que fazer com ele. Minha mãe fazia o possível para tentar compreendê-lo, mas seus esforços eram em vão. E meu pai nunca soube bem como lidar nem mesmo com as próprias emoções, quanto mais as de um adolescente enfurecido. — Ele faz uma pausa, engolindo em seco, e agarra o volante com as duas mãos, com força. É perceptível que falar sobre isso o incomoda. — Tudo que sei é que minha vida se tornou muito mais fácil depois que ele passou a estudar em Rosefield. — Noah admite, com a voz pesada, como se não quisesse confessar isso em voz alta. — É muito ruim eu me sentir assim? — Pergunta, provavelmente julgando a si mesmo.
Balanço a cabeça.
— No seu caso, eu diria que não. — Digo, sorrindo gentilmente, sorriso ao qual ele retribui da mesma forma, antes de seu olhar ficar distante. — Acha que ele pode ter mudado? — Pergunto, não conseguindo deixar de notar que Noah ainda parece desconfortável com a ideia de passar tempo no mesmo ambiente que o irmão.
Ele nega com a cabeça, desviando os olhos de mim novamente.
— Eu não sei, Lizzie... — fala baixinho — ele continua sarcástico e com um talento enorme para tirar as pessoas do sério. Talvez isso nunca mude, mesmo. Quanto aos seus instintos agressivos, ele parece ter melhorado, mas... eu não sei. Não acredito muito em nada do que ele diga ou demonstre ser.
Assinto, em silêncio, observando atentamente suas expressões. É visível que Noah carrega muitas cicatrizes em relação ao irmão, e, aparentemente, não há nada que eu possa fazer a respeito disso.
— Sinto muito por tudo isso. — Sussurro, sem saber exatamente o que dizer. Aproximo-me dele, apoiando meu queixo em seu ombro, e ele sorri de lado.
— Tudo bem. Acho que poderia ser pior. Eu poderia ser como ele, ou algo do tipo. — Ele fala, em tom de piada, mas sei que é um medo real.
— Não acho que você poderia ser alguém como ele. Nem mesmo se tentasse. — Afirmo, com convicção.
Ainda assim, não parece ser o suficiente para convencê-lo disso. Observo seus olhos tristes e distantes, como se tivesse sido possuído por lembranças dolorosas do passado.
— Ei. — Viro de lado no banco e lhe estendendo a mão, numa tentativa de nos distrairmos — Aposto que não consegue me vencer em uma guerra de polegares. — Proponho, relembrando nossa tradição número um de quando trabalhamos juntos no projeto de biologia no ano anterior. No geral, Noah ficava com a parte mais importante do trabalho, porque sabíamos que biologia era o seu ponto forte e definitivamente não era o meu. Enquanto isso, eu cuidava da parte de redigir os textos e relatórios de nossas pesquisas, porque organizar os pensamentos em formas de palavras definitivamente não era o seu forte. Mas os piores dias eram aqueles em que tínhamos que dissecar animais, tarefa que nós dois concordávamos que era um tanto desagradável. E foi aí que instituímos a guerra de polegares como forma democrática de decidirmos quem iria lutar para dissecar o animal da vez. De doze disputas, perdi sete, e talvez só tenha vencido as outras cinco porque Noah pegou leve na disputa, mas decidi deixar esse detalhe de lado.
Noah estreita os olhos, confuso.
— Por que está me desafiando para uma guerra de polegares?
Dou de ombros, procurando um motivo que pareça bom e idiota o suficiente.
— Porque quem ganhar, escolhe todas as músicas até a Rosefield. Ida e volta.
Não tenho certeza se o motivo lhe parece bom o suficiente. De qualquer forma, ele arqueia as sobrancelhas e sorri, me estendendo a mão de volta.
— E nem pense em me deixar vencer de propósito. Quero uma vitória justa. — alerto antes de começarmos.
— Eu jamais faria isso. Seria um prazer te apresentar às minhas músicas de qualidade superior. — Ele provoca.
Dou risada.
— Tudo bem. Boa sorte então, porque andei praticando e só estava esperando o momento certo para te derrotar.
Noah ri, e entrelaçamos nossos dedos, disputando acirradamente uma guerra de polegares como se nossas vidas dependessem disso. Interrompo a primeira disputa quando fica claro que ele está me deixando ganhar de propósito. Na segunda, luto com afinco para prender seu polegar sob o meu, mas para o meu azar, ele encontra um jeito de se desvencilhar três segundos depois, o que gera uma pausa obrigatória para discutirmos se sua atitude foi válida ou meramente uma trapaça. Discutimos durante alguns minutos, e até pesquisamos as regras do jogo na internet, mas no final das contas, decidimos fazer nossa própria regra de que se desvencilhar depois de três segundos é trapaça, embora ele defenda a ideia de que na verdade, não é. Por fim, damos início à última partida, a jogada final que irá definir qual de nós será obrigado a suportar a playlist do outro.
Sarah bate nas janelas de vidro, e Noah, sem desviar um segundo de sua atenção do jogo, destrava as portas com o cotovelo, concentrado demais em capturar meu polegar antes que eu capture o dele.
Cassie e Sarah entram, ficando imediatamente confusas com a cena.
— Falei para vocês se comportarem! — Sarah exclama com ironia.
— Bom te ver também, Sarah. — Noah brinca de volta.
— Vocês sabiam que casais normais aproveitam o tempo sozinhos de outra forma? — Ela comenta, e desvio meu olhar por uma fração de segundos para encará-la com um olhar, e é o suficiente para que ele vença.
— Droga! — Exclamo, rindo, quando não consigo escapar antes dos três segundos.
Ele ri.
— Senhoras, eu lhes apresento o responsável pela playlist da noite. — Fala, com ar de vitorioso, estendendo a mão para que eu lhe passe o cabo para conectar seu celular ao rádio.
— Vocês são dois otários. — Sarah fala rindo, e é como sei que ela está brincando. A linha tênue entre seus comentários ofensivos e piadas é uma risada, por isso sorrio de volta, assim como Noah. Para um novato em lidar com Sarah, ele até sabe bem como interpretá-la. Não fala muito perto dela, prefere não questioná-la ou distribuir opiniões sem ser diretamente questionado. Sabe que isso o manterá a salvo de seu humor imprevisível e comentários muitas vezes insensíveis. Parte de mim até acha que, no fundo, ele tem medo dela, como a maioria das pessoas da escola.
Noah dirige por alguns minutos, nos levando até o local onde a festa está acontecendo. É uma grande casa de esquina, e não é difícil identificá-la porque há uma grande quantidade de carros estacionada ao seu redor, jovens espalhados por todos os cantos, e o som está quase tão alto quanto estava naquela noite, na festa de Dylan.
— A festa não é grande coisa. — Noah fala, enquanto caminhamos em direção a casa. — É apenas o mesmo de sempre. Gente estranha bebendo mais do que deveria, e tudo o que vem depois disso. Não precisamos ficar por muito tempo. Vou tirar algumas fotos e aí caímos fora, está bem? — Ele sussurra para mim.
Assinto, feliz com a ideia de não precisarmos ficar por muito tempo. Agora que já estamos aqui, percebo o quanto o ambiente é intimidador.
Cassie, mais à frente, faz um movimento sutil com a cabeça, pedindo para que eu me aproxime delas.
— Embora eu odeie ser a portadora de más notícias, preciso lembrá-las de que não estamos aqui para nos divertir com universitários desconhecidos. Viemos até aqui porque precisamos de respostas. — Cassie sussurra entre nós, a fim de que Noah não nos escute. — Portanto, proponho que limitemos o número de bebidas alcoólicas que iremos beber essa noite para... nenhuma. — Ela fala, abrindo um sorriso forçado.
Dou de ombros.
— Tudo bem. — Respondemos, sem protestar.
Subimos aproximadamente dez degraus até pisarmos na varanda da casa. É a varanda mais alta que já vi na vida. Ao cruzarmos a porta de entrada, observo todos aquelas pessoas desconhecidas, completamente bêbadas, dançando e gritando por toda a casa. De repente me ocorre que isso tudo foi uma péssima ideia, e até consigo entender por que Daisy não quis vir de jeito nenhum. Ela foi mais rápida do que nós em entender que não sabemos exatamente o que estamos fazendo nessa história toda.
Encolho-me entre Sarah e Cassie.
— Deveríamos mesmo estar aqui? — Questiono, e Sarah pressiona levemente seu ombro contra o meu.
— É claro que deveríamos. Precisamos voltar até a floresta, não é?
— Sim, mas eu realmente não sei se isso... — Começo a dizer, mas sou interrompida por ela, que parece convicta de que isso irá realmente funcionar.
— Apenas tente se misturar por um tempo, e nos encontramos mais tarde para irmos até lá.
Como ela não parece dar a mínima para a minha incerteza, apenas assinto e obedeço. Ela agarra o braço de Cassie e as duas desaparecem em meio à multidão de rostos desconhecidos. Começo a me sentir sufocada e pequena no meio de todas as pessoas agitadas, e talvez por impulso, agarro o braço de Noah para não me sentir tão sozinha e perdida.
— Você está bem? — Ele pergunta, enxergando a pontinha de desespero crescendo em meu olhar.
Assinto, mas não parece ser o suficiente para convencê-lo. Me sinto como uma criança que perdeu a mãe na multidão e se agarra a qualquer um que se proponha a ajudar a encontrá-la.
Noah, percebendo a minha tensão, passa o braço ao redor das minhas cintura e me guia junto dele até um espaço aberto que parece ser uma sacada. Quando abre a porta para o lado de fora, as poucas pessoas que já estavam lá há algum tempo decidem voltar para dentro da festa, passando por nós dois sem pedir licença, direto para o meio da multidão, nos deixando a sós.
Só percebo o quanto o ar estava quente do lado de dentro quando o ar gelado do lado de fora me atinge feito um balde de água fria. Ficamos lado a lado, em um silêncio confortável, respirando todo o ar puro que conseguimos antes de voltarmos para dentro, onde o ar é composto por cheiro de álcool, suor e fumaça de cigarro.
Ele me olha com os olhos sorridentes por alguns segundos, antes de desviar sua atenção para as pessoas dançando e aparentemente se divertindo do lado de dentro.
— Me desculpe. Acho que não me preparei psicologicamente para esse tipo de agitação hoje. — Falo, esfregando as palmas das minhas mãos. Estão suadas, apesar de também estarem frias.
Noah franze o cenho e balança a cabeça.
— Não precisa se desculpar, Lizzie. Eu também preferia não estar aqui hoje. Não é exatamente o primeiro lugar que eu gostaria de te levar na primeira vez que saíssemos juntos. — Ele confessa, e apesar de me sentir melhor por saber que não estou sozinha com o meu desejo de ir embora daqui, isso não muda nada. O fato é que estamos aqui, e precisaremos encarar essa noite de qualquer jeito.
Suspiro.
— Ah, é? E onde você gostaria de me levar na primeira vez em que saíssemos juntos, senhor Thompson? — Pergunto, em um tom levemente provocativo, decidindo focar apenas nessa parte de sua fala.
Noah sorri de lado. Parece estar prestes a dizer algo, quando a porta se abre atrás de nós e uma garota alta, de pele morena e cabelos escuros o interrompe, deixando sua resposta pairando no ar e uma dúvida eterna em minha mente.
— Ai meu Deus! Não acredito! Você está mesmo aqui! — Ela exclama, sorridente, e corre para abraçá-lo. — Achei que tinha te visto de longe, mas não achei que realmente era você porque não te vejo há anos. Você está tão alto!
Noah parece tão confuso quanto eu por alguns segundos, e de repente já não parece mais.
— Adélia?! — Ele a exclama, parecendo tão surpreso que tem dificuldades de encontrar palavras para se expressar. — O que está fazendo aqui?
— Eu poderia te perguntar a mesma coisa!
— Bom, eu vim para fotografar. Os amigos do Theo queriam muito registrar a primeira festa do semestre e me contrataram. Achei que a grana seria uma boa, mas pensando bem, talvez não valha tanto a pena assim.
Adélia ri. Não uma risadinha, a garota gargalha, o que me parece um exagero.
— Precisa ser uma quantia muito alta para que valha a pena se enfiar nessa espelunca. — Ela diz, sorrindo.
— Bom, não é. Mas eu aposto que você está aqui de graça, então de qualquer forma, eu é quem estou ganhando. — Ele zomba.
Os olhos escuros de Adélia brilham ao olhar para Noah, mas tento convencer a mim mesma de que deve ser apenas a intensa luz da lua se refletindo em seus enormes olhos castanhos.
— Não acredito que está mesmo aqui! Quer dizer, quando foi a última vez que nos vimos?
— Há uns dois ou três anos. Nossos pais nos levaram para almoçar naquela fazenda.
— Ah, é! E eu achei que tinha pescado um peixe enorme mas na verdade só a metade de um pneu.
Noah ri.
— Bom, aquilo foi decepcionante.
— É, foi sim. — Ela concorda, suspirando de repente. — Por que não me avisou que viria? Sabe, eu gostaria que tivesse me mandado uma mensagem ou algo assim. É esquisito te encontrar do nada, como se fôssemos dois estranhos agora.
— Sendo bem sincero, se ela não viesse, eu provavelmente não estaria aqui. — Noah fala sorrindo e olhando para mim. — Iria arranjar alguma desculpa e não apareceria aqui nem por todo dinheiro do mundo, porque, você sabe... é complicado.
Adélia me olha admirada, parecendo impressionada com o meu feito, como se soubesse que convencê-lo a comparecer a uma festa do irmão não é uma tarefa nada fácil. Parece próxima o suficiente de Noah para saber de suas histórias. Por alguma razão, isso me incomoda, embora eu esteja lutando comigo mesma para não me sentir incomodada com isso.
— Você deve ter um poder de persuasão incrível. — Ela fala, se dirigindo a mim como se finalmente notasse a minha presença. — Quer dizer, nunca consegui convencê-lo a fazer nada que eu quisesse. — Ela reclama, empurrando levemente seu ombro contra o braço de Noah.
— Oh. — Deixo escapar, abrindo um sorriso forçado. Tenho de me empenhar muito para não deixar o meu desconforto transparecer diante de sua fala.
— Adélia e eu crescemos juntos. — Noah esclarece, mas não parece notar meu imenso desconforto com a situação, o que é frustrante. — À propósito, essa é a Liz. — Ele finalmente me apresenta.
Adélia arqueia as sobrancelhas.
— Liz? — Ela questiona, como se precisasse ter certeza do que ouviu. Ele assente, e a garota imediatamente fica sem reação. Oscila entre olhar para mim e para Noah com um olhar que simplesmente não consigo decifrar. Ele, por outro lado, deve compreender, porque, por alguma razão, coloca as mãos nos bolsos de jaqueta e suas bochechas parecem corar levemente.
Estendo a mão para cumprimentá-la antes que o silêncio se torne mais constrangedor, mas ao invés de apertá-la, Adélia abre os braços e me dá um abraço, ao qual demoro alguns segundos para retribuir porque tudo parece estar acontecendo rápido demais e me pegando de surpresa a cada momento. Conforme se aproxima de mim, consigo sentir seu cheiro doce de cereja e avelã.
— Ah, meu Deus, eu ouvi tanto sobre você! — Ela exclama, parecendo um pouco mais animada do que pessoas normais ficariam.
Forço meus lábios a formarem um sorriso. Reparo que, apesar de Adélia já ter ouvido muito sobre mim, por alguma razão, nunca ouvi coisa alguma sobre ela.
— É um prazer finalmente te conhecer. — Ela fala, por fim.
— Igualmente. — Digo, apesar de não fazer ideia de quem ela seja, no final das contas. Escolho não tornar a situação mais constrangedora do que já está sendo para mim.
Adélia volta sua atenção para Noah novamente.
— Puxa, você não faz ideia de como estou feliz em te ver. Já faz tanto tempo... — ela diz novamente, tocando seu braço mais uma vez.
— E ainda assim, parece que foi ontem que nos vimos pela última vez.
Não sei se Noah realmente não se dá conta do que parece estar acontecendo ou se, por acaso, está tentando me provocar. Independente de qual seja a resposta, começo a sentir meu sangue borbulhar enquanto tento manter um sorriso estampado no rosto.
— E nada mudou.
— Nada mudou. — Noah reafirma.
Adélia é o oposto de tudo que sou. É tão alta que parece uma modelo que saiu diretamente das passarelas. Tem olhos escuros e hipnotizantes. Seus longos cabelos escuros e cacheados só me servem como um lembrete da idiotice que fiz de cortar os meus. Além disso, está mais do que claro que ela pode ser cem vezes mais divertida do que eu jamais poderia ser.
Apesar de estar repetindo diversas vezes a mim mesma que estou sendo ridícula, o fato de que a garota mais atraente do mundo não consegue dizer uma frase sem tocar o braço de Noah ou olhar para ele com seus enormes olhos brilhantes como se ele significasse o mundo todo para ela, obviamente, me incomoda. Me incomoda tanto que simplesmente não suporto mais ficar onde estou e assistir a tudo isso enquanto os dois embarcam numa conversa nostálgica sobre seu passado, cheio de histórias nas quais não estou envolvida e talvez por estar sentindo uma onda de raiva, também não estou interessada.
Respiro fundo da maneira mais discreta possível.
— Podem me dar licença? — Falo como se estivesse incluída na conversa — Vou até procurar as meninas, está bem?
— Tudo bem. Quer ajuda para encontrá-las? — Noah pergunta.
— Não, tudo bem. Não quero atrapalhá-los. — Respondo, tentando não deixar meus sentimentos transparecerem, e imediatamente viro as costas e volto para a festa.
Do lado de dentro, começo a caminhar sem rumo pela casa, me sentindo meio desnorteada com a mistura da bebida, o ar abafado, a quantidade de pessoas que me cerca e dezenas de sentimentos que não sei exatamente como classificar, mas sei com certeza que são intensos e verdadeiramente irritantes.
Apesar de não saber exatamente onde estou indo, procuro em todos os cantos possíveis por Sarah e Cassie, mas não as encontro em lugar algum. Praguejo mentalmente, mais uma vez me perguntando o que estou fazendo aqui ou por que pensei por um segundo que vir a essa festa estúpida seria uma boa ideia. No final das contas, estou parada novamente no ponto inicial: centro da sala, de frente para a porta de vidro, de onde consigo assistir Noah e Adélia rindo a beça a respeito de qualquer coisa enquanto as pessoas ao meu redor esbarram em mim inúmeras vezes tentando alcançar as bebidas na mesa na qual estou apoiada.
Observo que a única razão para as pessoas estarem se divertindo no meio de toda essa bagunça é apenas porque não estão sóbrias. Olho para a mesa de bebidas atrás de mim e para as pessoas ao meu redor. Me contenho. Lembro-me de Cassie dizendo que não estamos aqui para isso.
As pessoas continuam a esbarrar em mim inúmeras vezes enquanto tento manter meus olhos em qualquer canto da casa que fique o mais distante possível das portas de vidro, mas sempre acabo me sabotando e voltando meus olhos para lá. Sempre vejo algo que parece me consumir por dentro. Seja lá quem Adélia for para Noah, cada um de seus movimentos parece me atingir como um soco no estômago. Respiro fundo, irritada com tudo e todos. Irritada comigo mesma, por não saber quando foi que me tornei essa pessoa e por me sentir desse jeito, com Adélia, por aparecer de repente e ser tão perfeita, e com Noah, por fazer com que eu sinta todas essas coisas que não sei explicar, embora talvez nem tenha plena consciência disso. Viro as costas para as portas de vidro, cansada de continuar assistindo aos dois quando já decidi há vários minutos que não continuaria assistindo.
Olho mais uma vez para as bebidas na mesa, agora espalhadas bem diante dos meus olhos. Não penso muito dessa vez. Olho ao meu redor uma última vez, e três segundos é o tempo que leva para eu decidir ignorar completamente o acordo que fizemos a respeito de bebidas. Viro outros dois shots de vodca, um seguido do outro, e sinto o líquido descer queimando pela minha garganta.