Logo pela manhã, o diretor solicita que todos os alunos se reúnam na quadra para um anúncio importante. Sinto um calafrio percorrer a minha espinha, porque sei exatamente o que isso significa. Eu soube assim que entrei na escola esta manhã, e, enquanto esperava por minhas amigas do lado de fora do banheiro, vi um casal estacionar o carro chique bem na frente da escola, sem se importar com o fato de que, tecnicamente ninguém deveria estacionar ali. Eram os pais de Dylan. Eu nunca os tinha visto pessoalmente antes, porque não éramos próximas o suficiente do garoto para conhecer seus pais. Ainda assim, eu soube quem eles eram no minuto em que cruzaram a porta principal da escola e marcharam juntos até o escritório do diretor, com uma pressa nova-iorquina que pessoas como nós, de Redgrove, só vemos nos filmes.
Agora, aqui estamos nós, e nada parece real. As luzes brancas da quadra machucam os meus olhos. Devem estar sensíveis porque não durmo direito há uma quantidade significativa de dias, e sinto como se tivesse levado uma pancada na cabeça. Tenho tido pesadelos recorrentes, todos envolvendo um único personagem: Dylan Hastings — a razão de estarmos todos reunidos nesta manhã insignificante de sexta-feira, em uma quadra de tamanho mediano, sentados nas arquibancadas para ouvirmos sobre o seu desaparecimento.
Sabíamos que seria uma questão de tempo até que todos começassem a falar a respeito de sua ausência, que não costumava passar despercebido em lugar nenhum, e, para ser sincera, até tivemos mais tempo do que achei que teríamos antes disso finalmente acontecer. Mas também sabíamos que uma notícia como essa certamente seria algo grandioso em um lugar como Redgrove. É o tipo de cidade onde nada grandioso nunca acontece, cheia de dias pacatos e pessoas confiáveis. Mas de tempos em tempos, grandes notícias assolam as ruas, perturbando a paz dos moradores por dias a fio. Não seria um problema para mim se eu não soubesse que dessa vez, somos uma parte significativa do grande acontecimento em questão.
Há um burburinho indistinto de centenas de alunos reunidos em um mesmo espaço, todos sussurrando histórias sobre Dylan, e sobre como é triste que ele não esteja aqui. Alguns dizem que ele deve estar por aí, curtindo a vida longe dessa cidade miserável. Outros acreditam mesmo que ele possa estar em perigo, como se tivesse sido sequestrado ou algo do tipo. Por alguma razão, ninguém supõe que ele está morto, talvez por otimismo ou para não trazer um aspecto muito sombrio a uma situação já bastante desagradável.
O diretor está parado no centro da quadra, onde um microfone foi colocado para que ele pudesse fazer seu pronunciamento. Seu terno é bege como as paredes deprimentes da escola, o que não apenas o deixa apagado, mas também tira um pouco de sua credibilidade. Ou talvez a pressão de ter que lidar com os pais de um aluno desaparecido esteja sugando sua vitalidade, pois parece ter envelhecido cerca de dez anos do dia para a noite. Segundo seu anúncio, Dylan Hastings está desaparecido há cerca de uma semana, mas eu sei que na verdade, já fazem duas, porque já são catorze noites sem dormir direito, sendo completamente assombrada pela memória do que fizemos.
Ao lado do diretor, sentados em cadeiras plásticas nada charmosas, estão os pais de Dylan. A mãe parece inconsolável. Seu rosto transparece fúria e tristeza ao mesmo tempo, o que me assusta. É como se ela fosse capaz de fazer qualquer coisa para descobrir onde seu filho está, e sinto meu coração acelerar diante do conhecimento de que, ainda que o encontrem, ele nunca vai voltar para a casa. O pai, por outro lado, parece cansado, como se já não soubesse bem o que esperar de toda essa situação. Mantém os braços em volta da esposa o tempo todo, como se assim pudesse impedi-la de desabar, tentando se manter calmo enquanto seu próprio mundo está ruindo. Enquanto o diretor fala, ele encara um ponto fixo no chão, e consigo visualizar exatamente a quem Dylan puxou. Ele era idêntico ao pai, o que me causa calafrios.
Encolho-me em meus próprios braços e tento me distrair da crescente sensação de ansiedade em meu peito. Tento manter a minha expressão neutra enquanto o diretor termina seu longo discurso sobre como devemos oferecer apoio aos pais como uma comunidade, e praticamente implora aos alunos para informá-lo imediatamente, caso souberem de alguma coisa.
Percorro os olhos pela arquibancada da frente. Nos bancos superiores está Sarah, calada em meio a uma multidão de alunos agitados com a notícia, de braços e pernas cruzadas, como se não aguentasse mais estar aqui, apesar de ter acabado de retornar de uma suspensão de três dias. Não posso culpá-la. Não é exatamente a celebração de retorno com a qual ela esperava ser recepcionada. Tínhamos combinado de almoçar no Yogurtland para comemorar sua volta, mas, ao que tudo indica, seremos dispensadas mais cedo com um clima fúnebre e horripilante que com certeza irá arruinar o nosso apetite pelo restante do dia. Nem mesmo o melhor yogurt da cidade será capaz de nos ajudar a digerir tudo o que está acontecendo hoje.
Nossos olhares se encontram por alguns segundos — o suficiente para eu saber que estamos pensando a mesma coisa: "agora sim, estamos oficialmente ferradas" — e então, volto a concentrar minha atenção no ambiente caótico.
Algumas bancadas abaixo de Sarah, se encontra Cassie. Suas mechas cor-de-rosa parecem mais apagadas desde a última vez em que reparei nelas. Ela se mantém entretida com algo em seu celular — possivelmente algum jogo. Cassie nunca gostou muito de usar as redes sociais, mas mantém uma coleção de joguinhos de todos os tipos em seu celular para se distrair quando necessário. Apesar de ser fotogênica, seu Instagram consiste em fotos de cafés e frases de livros, o que, segundo Sarah, é um grande desperdício.
Daisy, que também acabou de retornar de sua suspensão, se encontra a algumas bancadas acima da minha, roendo as unhas agressivamente. Parece estar à beira de um colapso nervoso, o que eu entendo bem, já que minhas pernas não pararam de tremer desde que cheguei aqui. Balançam para cima e para baixo em movimentos rápidos, clássicos de pessoas que estão sempre esperando o pior.
Sinto as palmas das minhas mãos molhadas graças a todo o nervosismo que estou sentindo, e meu coração dispara quando o nome da polícia é mencionado. Olho ao redor para verificar se alguém notou meu nervosismo em estar aqui, ouvindo todas essas coisas que fariam apenas uma pessoa culpada se sentir tão mal. Felizmente, ninguém parece ter notado coisa alguma. Todos parecem concentrados demais nas palavras do diretor ou em seus próprios pensamentos para perceber o que acontece ao seu redor. Exceto, é claro, o par de olhos verdes que me assistem da bancada da frente, me observando com um olhar malicioso, como quem sabe os meus piores segredos e pudesse, a qualquer momento, decidir me entregar.
Colin.
Ele me olha como quem sabe exatamente que nós estamos em suas mãos, e a pior parte, é que não está errado. Se quisesse, poderia nos mandar hoje mesmo para a cadeia, e parece estar se divertindo com o fato de que agora, ele está no controle.
Sinto o ar se esvaindo do ambiente e uma tontura esquisita atingir minha mente, e decido que não consigo mais suportar permanecer aqui ouvindo o discurso do diretor, ou simplesmente ouvir o nome de Dylan outra vez. Preparo-me para executar um movimento ousado: levantar e sair dali o mais rápido possível, alegando estar passando mal, o que, de certa forma, não é bem uma mentira. Quase consigo ouvir a voz de Sarah mandando eu sossegar em meu lugar, mas felizmente, ela não está aqui para me impedir de sair.
Com um movimento sutil, tentando chamar o mínimo de atenção para mim mesma (e falhando), levanto-me e começo a sussurrar um pedido de licença aos alunos que estão sentados entre mim e a porta de metal da quadra, bloqueando o meu caminho. Sinto os olhares de todos pairando sobre mim nesse momento, como se a minha saída fosse um desrespeito ou uma ofensa direta a Dylan, o que com certeza não faz eu me sentir melhor de uma forma fisica e moral. De qualquer modo, engulo em seco e continuo abrindo espaço no mar de gente, sem olhar para trás, repetindo a mim mesma que são apenas pessoas, e que isso realmente não importa. Todos terão se esquecido desse momento após o fim de semana, porque passarão tempo demais pensando em Dylan, e não em mim.
Quando finalmente alcanço a porta e estou prestes a dar o fora daqui, sou detida por um professor velho e carrancudo, que me encara como se eu estivesse sambando no caixão de Dylan.
— Aonde vai, mocinha? — Indaga o velho professor Waltzman, cruzando os braços diante de mim. Ele usa um terno listrado horripilante, e agradeço internamente por não estar em sua turma de francês esse ano. Fica claro também que ele não faz ideia de quem sou, porque me encara como se nem tivesse certeza de que eu sou mesmo uma aluna deste colégio.
— Vou ao banheiro. — Respondo, impaciente. A última coisa de que preciso agora é ser impedida de sair daqui e ter que lidar com os olhares curiosos que deixei para trás.
— Tem certeza de que não pode esperar? — Ele insiste inconvenientemente. — Isto é um comunicado importante para toda a escola.
Sim, eu notei, seu velho inconveniente.
— Estou menstruada. — Rebato. Na verdade, não estou. Mas aprendi esse truque com Sarah no oitavo ano. Segundo ela, a melhor maneira de evitar perguntas e situações desconfortáveis é gerando ainda mais desconforto na outra pessoa, e, ao que parece, nada deixa os homens mais desconfortáveis do que o período menstrual de uma mulher. Mas é preciso conhecer o seu alvo. Esse tipo de argumento tende a funcionar menos com professoras e outras mulheres. Com os homens, por outro lado, funciona toda vez.
Por uma fração de segundos, consigo enxergar um certo pavor nos olhos do professor. Conforme o esperado, ele não sabe bem como reagir diante da informação, e seu rosto empalidece. Ainda hesita na minha frente por alguns segundos enquanto tenta decidir como prosseguir, mas então, finalmente sai, me deixando passar sem mais perguntas. Babaca.
Cruzo a porta antes que ele possa mudar de ideia, e caminho apressada em direção ao banheiro. Paro diante do espelho, e espero o nó em minha garganta se desfazer em forma de lágrimas densas, que escorrem pelo meu rosto acompanhadas de soluços guturais.
Choro intensamente por alguns segundos, sem conseguir respirar ou encarar o meu próprio reflexo no espelho. Choro, choro e choro, até finalmente ser tomada por um certo alivio ao colocar tudo para fora, e então encaro os ladrilhos encardidos na parede por alguns segundos e lavo o rosto para amenizar o inchaço e a vermelhidão dos meus olhos.
Poucos minutos depois, a porta se abre, e Sarah caminha devagar até mim, quase hesitante.
— Você está bem? — Pergunta, parando ao meu lado, de costas para a pia e o espelho.
Suspiro.
— Não. — Admito. Não há sentido em tentar mentir. — Isso tudo é... eu sei lá. Já nem consigo encontrar um adjetivo para tudo isso.
Ela assente, parecendo surpreendentemente calma diante das circunstâncias, o que é estranho.
— É, eu sei. Eu também. — Concorda, e abaixa a cabeça para encarar os próprios sapatos. Está usando um par de coturnos com um salto que mais ninguém em sã consciência escolheria usar para ir à escola logo pela manhã. — Sabe, eu... tenho pensado sobre o que você disse na floresta naquela noite, quando voltamos até lá. — Ela fala, sem conseguir me encarar. — E-eu sinto muito por tudo isso. Por tudo o que causei desde aquela noite, e por ter passado as últimas semanas tentando fingir que isso não é nada demais. Você está certa, Liz. É óbvio que eu sinto culpa, e... eu não sei como lidar com ela. Eu achei que se eu fizesse parecer que conseguiríamos escapar disso, então, talvez, vocês ficassem mais tranquilas, e talvez realmente acharíamos alguma solução, mas... estamos no fundo do poço. E a culpa é toda minha. E parece que a coisa toda não para de piorar. E fingir que isso tudo vai passar fica cada vez mais difícil. — Admite enfim. Continua com a cabeça baixa, mas tenho a impressão de ouvir um embargo em sua voz. Ela suspira. — Eu sinto muito, Liz. Eu me odeio por ter colocado vocês nessa situação junto de mim. Vocês não mereciam estar passando por isso. — Fala, e enfim, chora. Novamente sinto aquele arrepio na espinha, a conhecida estranheza de ver Sarah chorar, embora, a essa altura, já esteja quase se tornando normal.
Balanço a cabeça, envolvendo-a em um abraço.
— Qual é, Sarah. Até parece que deixaríamos você passar por isso tudo sozinha, de qualquer forma. Estamos nessa juntas. — Lembro-a. Apesar de, em meus momentos de raiva sentir o ímpeto de culpá-la pelo que aconteceu, acredito que não haveria nenhum universo em que deixaríamos Sarah passar por isso sozinha.
— Não deveríamos estar.
— Mas estamos. E é isso o que importa agora.
Sarah continua balançando a cabeça em negação, incapaz de aceitar o fato.
— Não, a culpa é toda minha, Liz! E eu sinto muito por isso. — Murmura, com um suspiro longo e cansado em seguida. — Agora as investigações vão começar e... está claro que não vão parar até encontrarem uma resposta para o que aconteceu. Quer dizer, você viu os pais dele? Estão arrasados. Não parece que eles vão deixar a polícia em paz até conseguirem alguma coisa, e mais cedo ou mais tarde chegarão até nós. — Ela soa conformada, enxugando as lágrimas do rosto com as costas da mão.
Encaro um ponto vazio no chão, absorvendo a dura realidade. Sarah parece ter entregado os pontos diante do cenário desesperançoso, e, de alguma forma, isso piora a situação. Vê-la desistir faz com que tudo pareça ainda mais desesperador. Agora entendo por que normalmente ela prefere fingir que está tudo bem: para manter algum tipo de esperança viva dentro de nós, porque quando Sarah desiste, fica claro que acabou. A sensação é de total e completa derrotada. Não sei como nós achamos por um segundo que o final poderia ser diferente disso. Agora, não há mais nada que possa ser feito. E não sei se posso suportar encarar essa realidade agora.
Respiro fundo, tentando não deixar o pessimismo me levar às lágrimas novamente.
— Já os conhecia? Os pais de Dylan? — Pergunto de repente, tentando distrair minha mente do fato de que, pelos próximos dias, a qualquer momento, nossas vidas podem mudar para sempre. Todas as esperanças de um futuro irão por água abaixo. Ganharemos uniformes laranjas e um belíssimo cômodo com grades para habitarmos por sabe-se lá quanto tempo.
Sarah balança a cabeça em negativa.
— Não. Eles nunca estavam em casa, ou por perto de um modo geral. Acho que Dylan e eu tínhamos isso em comum. Quando estávamos juntos, parecia que só existia nós dois no mundo. Ironicamente isso fazia eu me sentir menos só. Até que era legal. Quando eu estava a sós com ele eu conseguia fingir que... nós éramos mesmo um casal.
Franzo o cenho, sem entender o que ela está dizendo.
— Mas... vocês eram um casal. Não eram? — Questiono, confusa. Tento aproveitar o gancho para conhecer as partes dessa história que eu ainda não conheço, porque, por alguma razão, Sarah preferiu manter a coisa toda em segredo.
Ela solta um riso com certo pesar.
— Não exatamente. É complicado. — É só o que diz, evasiva como sempre.
Aproximo-me dela como quem tenta se aproximar de um gato arisco na rua. Você anda devagar em direção a ele, sem movimentos bruscos, ou ele pode fugir a qualquer momento.
— Por que nunca me contou sobre o que sentia por ele? Eu achei que... achei que me contaria esse tipo de coisa. Achei que amigas também fossem para esse tipo de coisa, além de te ajudar a enterrar um corpo. — Ironizo, mas há uma pontinha de verdade em minha voz.
Ela balança a cabeça, encarando os próprios pés. Está usando um coturno preto com um salto largo e alto.
— Eu nunca admiti isso para ninguém. — Revela. — Era embaraçoso.
Continuo confusa.
— Por que diz isso?
— Porque Dylan não gostava de mim desse jeito.
Inclino a cabeça para o lado. É difícil imaginar um cara que não gostasse de Sarah "desse jeito". Qualquer garoto na escola sabia que ela era demais para qualquer um deles, incluindo Dylan. Ele obviamente teria sorte em tê-la.
— É sério. — Ela reforça quando percebe minha expressão de descrença. — Às vezes eu até acho que essa era parte do charme dele para mim. O fato de que ele não me queria.
Meu rosto se contorce.
— Credo, Sarah! Isso soa tão...
— Problemático? É, eu sei. — Diz, soltando um riso fraco, como se já tivesse se conformado com a estranheza do fato.
Ela suspira e eu fico em silêncio, esperando que ela continue.
— A gente se dava bem, mas... acho que eu nunca fui sua primeira opção. Dylan me via muito mais como uma amiga do que como namorada. Mas, é claro, quando era conveniente, ele mudava de ideia sobre isso.
Reviro os olhos, enojada.
— Ugh. Que babaca. — Resmungo.
— Sei lá. Eu gostava tanto dele que deixava isso acontecer, então... acho que a culpa é minha, também.
— Sabe que merece algo muito melhor do que isso. — Digo, e ela sorri como quem sabe que deveria acreditar nisso, mas não acredita muito, não. É uma pena.
— Ele foi o meu primeiro beijo, sabia? — Indaga, e faço que não com a cabeça, mas não é como se ela esperasse que eu soubesse disso, já que ela nunca mencionou. — A gente tinha uns treze anos.
— Meio precoce. — Comento, e ela dá de ombros.
— Foi inocente, na época. No ponto de ônibus. — Ela lembra, com um sorriso tímido. — Acho que tinha rolado uma feira de ciências na escola ou algo do tipo. Eu esperava que o meu pai aparecesse, mas não apareceu. Nem a minha mãe. Aquilo me arrasou, porque... eu ainda estava acostumada a ter pais presentes. Era uma situação nova para mim.
Ela faz uma pausa antes de continuar, como se criasse coragem para se abrir sobre tudo o que aconteceu em seguida.
— Naquele dia, Dylan percebeu que eu estava mal porque... ele me conhecia. Quer dizer, na época a gente pegava o mesmo ônibus para a escola, então a gente se falava de vez em quando. Ele era legal. Você sabe, era o Dylan. Sempre foi amigável e carismático com todo mundo.
Assinto, engolindo em seco diante da lembrança da personalidade vivaz de Dylan e no que se tornou no final, graças a nós.
— Então, naquele dia, ele se sentou ao meu lado no banco do ônibus. Ficou tentando me animar por um tempo, mas, sendo sincera, eu não estava muito a fim de conversar. Quando percebeu isso, achei que ele iria mudar de lugar e se sentar ao lado de seus amigos no fundo, para conversar com alguém que quisesse de fato ter uma conversa. Mas ele ainda permaneceu ali do meu lado, quieto por alguns segundos. Quando voltou a falar, falou mais baixo, em um tom sério, sobre como o meu projeto estava bom, e que sentia muito que o meu pai não pôde estar lá. Eu me virei para ele quase na defensiva, e então me dei conta de que os pais dele também não foram. Por isso ele me entendia. A gente tinha as mesmas cicatrizes, eu acho. — Ela faz uma pausa reflexiva antes de continuar — Eu já gostava dele na época, e ele provavelmente percebeu isso. Ou talvez, ele só tenha percebido que tinha alguma chance. Ele desceu no ponto de ônibus junto comigo para me acompanhar até a minha casa, e, num momento estávamos só conversando e rindo, e no outro, ele segurou minha cintura, me puxou para perto e me beijou pela primeira vez. E tinha gosto de coca-cola.
Franzo o nariz, meio sorrindo e meio incerta sobre a quantidade de informações que realmente quero receber sobre o assunto.
— Então... se ele te beijou... como pode dizer que ele não gostava de você? — Pergunto.
Sarah me olha como se eu fosse inocente demais para esse mundo.
— Só porque um garoto te beija, não quer dizer que está perdidamente apaixonado por você, Liz. Ou, pelo menos, não no meu caso, aparentemente. — Diz, e sinto o comentário me incomodar como uma farpada, mas escolho ignorar. — Isso meio que virou uma rotina. Todos os dias ele descia no meu ponto de ônibus e a gente passava o dia juntos. Às vezes, eu até dizia para a minha mãe que estava na sua casa, e a gente saía de Redgrove. Você sabe, nunca teve muita coisa legal para fazer por aqui. — Revela, com um sorrisinho. Abro a boca para protestar, mas apenas solto um ruído conformado, porque agora já é tarde demais para ter quaisquer sentimentos em relação a isso. — Eu achava que a gente se gostava, e que isso era um segredo especial entre nós. Achava que manter isso tudo em segredo era parte da diversão. Demorei para me tocar que, na verdade, isso era um péssimo sinal. — Sarah solta um riso amargo ao pensar nas memórias, agora que é mais velha e entende melhor a dinâmica das coisas. — Mas é claro que não era esse o motivo, porque depois de uns dois ou três meses nos encontrando em segredo, Dylan descobriu que Amy Schutz gostava dele, e, curiosamente, a gente passou a se encontrar cada vez menos. Sem nenhum aviso ou explicação. Mas o motivo ficou bem claro quando os dois oficialmente começaram a namorar.
Fico boquiaberta processando a história toda.
— Assim, do nada? — Indago, incrédula.
Ela assente, confirmando.
— Que babaca! — Exclamo.
Sarah ri.
— É, sim. — Concorda. Ao menos ela reconhece.
— Espere, então é por isso que você e Amy se odeiam? — Pergunto, como se todas as pequenas rixas entre as duas ao longo dos anos finalmente fizessem algum sentido.
Ela dá de ombros.
— Bom, um pouquinho por isso. Dylan deve ter contado a ela sobre em algum momento, o que a fez não ir muito com a minha cara. Mas no geral, eu apenas a acho meio intragável, mesmo. E não nos odiávamos tanto até competirmos pelo mesmo papel em Mamma Mia, você sabe. Aquele papel deveria ter sido meu. — Ela relembra, e caio na risada. — Prefiro acreditar que somos apenas mulheres muito ambiciosas. Seria decepcionante se fosse somente por um garoto, não é?
Arqueio as sobrancelhas.
— Completamente decepcionante!
— É, eu sei. Mas toda vez que eles terminavam ele me procurava. Só para ter certeza de que eu ainda estava ali. E eu, obviamente, estava, porque... eu gostava mesmo dele. Tanto quanto você gostava do Noah, mas... eu era mais discreta.
Dou risada.
— Eu era discreta também! — Protesto, soando meio defensiva.
Ele revira os olhos.
— Ah, pare, Liz. Por pouco você não babava.
Sinto minhas bochechas queimarem de vergonha ao me lembrar da época não muito distante.
— Eu... escrevi aquela carta no verão. — Admite. — Dylan e Amy haviam terminado, de novo. Dessa vez, parecia para valer. E é claro, ele veio atrás de mim, de novo. Saímos durante algumas semanas no verão, enquanto você jogava xadrez com suas tias na Espanha. — Ela zomba, e dou risada. — Eu achei que dessa vez, a gente poderia dar certo. Parecia diferente. Então escrevi a carta dizendo como me sentia sobre tudo isso, o que, pensando bem, talvez não tenha sido a minha melhor ideia. — Ela não consegue nem me olhar enquanto confessa essas coisas. Seu maxilar parece rígido, e percebo o quanto ela está lutando contra seu orgulho para dizer tudo isso em voz alta. Por fim, ela suspira. — Mas... eu nunca recebi uma resposta. Então eu considerei isso uma resposta.
Fecho os olhos. Não consigo acreditar que Dylan a fez passar por tudo isso.
— Bom, você fez a escolha certa, afinal.
— É, eu sei. — Ela sorri de lado, como se apesar da dor, soubesse disso. — Eu achei que ele tinha voltado com a Amy de novo, mas no final das contas, eles não tinham voltado. Acho que ele simplesmente nunca leu a carta. Achou que ela parecia ter sido aberta quando a viu? — Questiona, e a pergunta me pega de surpresa.
Franzo o cenho, tentando me lembrar do envelope branco em minhas mãos, com a caligrafia curvilínea de Sarah e um selo vermelho em um dos cantos. As bordas pareciam perfeitamente intactas, praticamente intocadas. Mas não me lembro de reparar se parecia ter sido aberta ou não.
— E-eu não sei, Sarah. Não prestei muita atenção nisso. — Admito.
Ela assente, dando de ombros.
— Bom, então, acho que nunca saberemos. — Fala, abrindo um pequeno sorriso conformado.
Fico em silêncio por um tempo, observando-a e me pergunto como uma garota como Sarah se sujeitaria tão facilmente a esse tipo de situação, enquanto centenas de garotos fariam qualquer coisa para sair com ela.
Por fim, dou de ombros.
— Você sabe que era boa demais para ele, de qualquer forma, não sabe? Nem em um milhão de anos esse garoto poderia te merecer. — Falo, e ela me olha meio cética, mas preciso que saiba que isso é a mais pura verdade. — Sarah, você é linda. É inteligente, divertida, e a melhor companhia para se ter por perto em qualquer momento. Você é a minha melhor amiga. E merece alguém que te valorize e cuide muito bem de você, e não um garoto qualquer que te faça implorar pelo mínimo de respeito e atenção. Espero que saiba disso agora.
Parece meio terrível falar assim de alguém está morto graças a nós. Mas no momento, não sinto nem um pouco de compaixão por esse Dylan, como se o garoto do acidente fosse alguém completamente diferente do garoto que maltratou o coração de Sarah — coração que muitas vezes, não tínhamos certeza se realmente existia ou não, e agora sei o porquê.
Ela estreita os olhos, como se estivesse analisando os fatos.
— Hum, sei. Você é uma fofa. — Diz, me olhando como se parte dela soubesse muito bem disso, mas a outra parte ainda tivesse dúvidas a respeito. — Vou tentar me lembrar disso da próxima vez.
Ouvimos o sinal tocar do lado de fora, seguido por uma multidão de passos se espalhando por todo o corredor. O mesmo burburinho presente na quadra se alastra por toda a escola, e tudo o que é possível decifrar no meio de todas as conversas é o nome aterrorizante de Dylan.
Sarah revira os olhos, tão cansada de pensar e falar disso quanto eu. Talvez viver em negação seja mesmo a nossa melhor opção agora.
— Que tal a gente dar o fora daqui e ir tomar um café? — Sugere.
Franzo o cenho.
— Ainda estamos no segundo período, temos um dia inteiro de aula pela frente. — Aponto. Seria mais plausível se já estivesse no fim do dia.
Ela dá de ombros, indiferente.
— Quem liga? A gente pode ser presa amanhã, eu vou tomar um café! Não vou desperdiçar as minhas últimas horas de liberdade aqui nesse lugar.
Reflito por alguns segundos. Na verdade, é um argumento quase irrefutável.
— É, você tem razão. — Concordo, indo atrás dela.
— Ah! Mas vamos ter que ir andando porque a minha mãe confiscou o meu carro por um mês. — Ela alerta, detendo-se na porta.
— O quê? Por quê? — Indago, meio incrédula. Não me lembro da última vez que vi Sarah sem seu precioso carro.
— Estou de castigo, Liz. Acabei de voltar de uma suspensão de três dias, e por um motivo vergonhoso! Nem eu consigo acreditar. Então é óbvio que a minha mãe iria arranjar um jeito de me punir. Só não achei que seria tão severa. Ela disse que eu agi como uma criança e por isso, mereço um castigo de criança.
Inclino a cabeça, analisando a situação.
— Para ser sincera, até que isso faz sentido. — Provoco, e Sarah revira os olhos, ainda revoltada com a questão.
— Achei que ela iria pegar o meu celular ou coisa do tipo, mas foi muito pior. Eu vou ter que pegar o ônibus pela manhã por um mês porque ela pegou o meu carro! Ela nem precisa dele, ela tem o próprio carro. Agora eu vou ter que acordar umas duas horas mais cedo para vir naquele transporte medonho. Hoje mesmo eu quase não cheguei a tempo. Precisei correr até o ponto de ônibus, e esse salto não me ajudou em nada. Além disso, eu tinha me esquecido de como aquele treco é selvagem. Não tem cinto de segurança e quando eu segurei nas bordas do banco, percebi que estava tocando em um chiclete seco!
Faço uma careta.
— Ugh! Que nojo! — Falo, rindo. — Acho que Noah não se importaria de te buscar também. Ele já tem trazido Cassie e eu enquanto você estava... ausente.
— Sim, eu imploro! Nunca mais quero ter que pisar em um chão de ônibus escolar! — Ela exclama, quase desesperada, e dou risada.
Saímos do banheiro e atravessamos a multidão de alunos no corredor, caminhando em direção à porta principal. Já estamos quase alcançando a saída quando Sarah puxa o meu braço, detendo-me em meu lugar.
— O que foi? — Pergunto, voltando-me para ela, mas Sarah não responde. Está encarando fixamente algo à distância, e meus olhos tentam acompanhar os seus.
Algo não, alguém.
Colin está encostado em seu armário, de braços cruzados, nos encarando de volta com o mesmo sorrisinho nojento de sempre. Ele encara o relógio no pulso e consigo ler as palavras que saem de seus lábios em seguida: "tic-tac". O que esse maluco quer dizer com isso?
— Ele... acabou de dizer "tic-tac"? — Pergunto, para ter certeza de que não estou perdendo a noção da realidade sozinha.
— Acho que sim. — Sarah responde, séria.
— O que ele quer dizer com isso? — Indago.
— Acho que... você acabou de ganhar um prazo.
Franzo o cenho, confusa.
— Um prazo para decidir se vai ou não sair com ele. — Sarah esclarece.
Sinto um arrepio percorrer a minha espinha.
— O que acha que ele vai fazer se eu não for?
— Acho que... já podemos imaginar a resposta.
— Por que Colin iria nos entregar de bandeja para a polícia? Perderia a única vantagem que tem sobre nós. Se é que ainda existe alguma vantagem, já que ele nos fotografou enterrando um corpo que nem sequer está mais lá!
De repente Sarah arregala os olhos, como se tivesse um estalo.
— Eu acho que tenho um palpite sobre isso.
Arqueio as sobrancelhas, esperando que ela fale.
— Qual, é, Liz. Colin tirou a foto, e curiosamente estava na floresta quando voltamos até lá e encontramos a cova vazia.
— Acha que ele... está com o corpo? — Pergunto, em um sussurro. A ideia parece absurda em meus lábios, mas minha mente sabe que Colin provavelmente seria capaz de fazer algo assim.
— Tem alguma outra ideia? Acha que se a polícia tivesse o corpo já não saberíamos?
— Mas o que ele... por que ele faria isso? — Indago, tentando imaginar as possibilidades, mas minha mente não consegue ir tão longe.
— Eu não sei. Mas com certeza não é por algum motivo nobre.
Suspiro, tornando a encará-lo. Colin permanece de pé diante do armário, mas agora conversa com um bando de garotos do seu time de futebol. Não consigo nem imaginar o teor da conversa.
— Onde acha que ele esconderia um corpo? — Pergunto, mas não espero que Sarah realmente tenha a resposta para todas as minhas perguntas.
— Eu sei lá... talvez no próprio quintal daquela casa decrépita.
— O que ele ganharia com isso? Se a polícia encontrasse o corpo em sua casa, provavelmente achariam que ele é culpado.
— Olha, Liz, eu realmente não sei. — Ela finalmente declara, incapaz de continuar rebatendo às minhas inúmeras dúvidas. — Não entendo como a mente daquele psicopata funciona. Talvez seja o tipo de coisa que só entenderíamos se você concordasse em... — começa a dizer, mas se detém, engolindo em seco. Sei muito bem aonde ela iria chegar. Consigo vê-la tentando lutar contra o instinto de pedir que eu "vá até lá e dê um jeito de descobrir".
— Se eu concordasse em sair com ele? — Completo.
Sarah balança a cabeça em negativa.
— Desculpe. Esqueça isso. É claro que não deveria sair com aquele idiota. — Ela diz em seguida, e apesar de saber que ela realmente pensa dessa forma e jamais me pediria para me colocar em risco, também consigo ver em seus olhos que ela acha que essa é a única solução que temos nesse momento.
E sinceramente, eu também acho.
Mas que droga!
— Vamos andando. Acho que vai chover e eu passei chapinha no cabelo hoje. Quero chegar na cafeteria antes da primeira gota cair. — Sarah resmunga ao passar por mim, voltando a caminhar em direção à porta, deixando o assunto para lá e aderindo ao nosso esquema de viver em negação.
Mas eu permaneço imóvel atrás dela, incapaz de deixar isso de lado antes de fazer o que sei que preciso fazer. Reviro os olhos e respiro fundo, procurando pelo meu celular no fundo da mochila. Minhas mãos tremem como se eu estivesse prestes a fazer uma das coisas mais difíceis que terei de fazer em meio a essa história toda: mando uma mensagem para Colin, aceitando a condição de sair em um encontro com ele em troco da verdade.
"Sabia que faria a escolha certa", ele responde, sorrindo provocativamente ao longe.
Eu o odeio.
Guardo o celular no bolso da calça, sentindo o meu estômago embrulhar, e sei que essa sensação ficará comigo pelo resto do dia.
— Lizzie? Você vem? — Sarah me chama, confusa.
Assinto, caminhando em sua direção.
— Vamos embora daqui. Eu preciso muito de um chá de camomila. — Murmuro, nervosa.