O despertador toca às 8h15. Eu o havia programado para tocar às 8h00, mas apertei o botão "adiar alarme" aproximadamente três vezes, até meu cérebro finalmente começar a despertar e entrar em pânico. Já consigo ouvir os passos dos meus pais no andar de baixo e sinto cheiro de torradas, o que significa que estamos muito atrasadas.
Reúno todas as minhas forças para levantar da cama e acordo todas às pressas. Sarah acorda tão rápido quanto eu, porque não estava dormindo profundamente. Estava no máximo cochilando. Mas Daisy e Cassie, que estavam de fato dormindo, exigem um pouco mais de empenho de nossa parte para acordá-las.
- Sonhei que todos os meus dentes caíam. - Daisy conta ao acordar, esfregando os olhos, sentada na cama.
- Significa que está nervosa. - Cassie diz. Ela acredita plenamente que sonhos são mensagens do nosso subconsciente, repletas de significados. Às vezes até faz sentido. Outras vezes, nem tanto.
Quando finalmente consigo fazer com que todas se levantem, empresto roupas à elas para que não tenham que ir à escola com as roupas da festa de ontem. Obrigo todas a se vestirem o mais rápido possível, e então descemos as escadas às pressas, tentando não nos atrasarmos para o primeiro dia de aula. Isso nunca causa uma boa impressão.
Passamos pela cozinha apressadas, nos despedindo rapidamente de meus pais com acenos, sem pararmos para tomar café, apesar do cheiro estar muito convidativo. Já estou quase cruzando a porta de casa quando meu pai me chama de volta.
Prevendo que independente do que meu pai quisesse comigo, a conversa poderia se estender por um certo tempo, Sarah diz que vão passar no Mugs coffee para buscar um café, e depois voltam para me buscar, o que vai fazer com que essa manhã pareça tão comum como todas as outras, exceto que não é. Hoje iremos andar pelos corredores do colégio ouvindo todo tipo de história a respeito da festa de ontem enquanto tentamos esconder o fato de que fizemos algo terrível logo depois. Iremos ouvir o nome de Dylan e caminhar pelos corredores onde ele costumava desfilar, esbanjando charme e carisma para todos os lados, enquanto tentamos fingir que não fazemos ideia de onde ele está, assim como todos os outros. Peço para que Sarah me traga um donnut. Quando fico agitada, sinto uma estranha e intensa vontade de comer doce, e hoje provavelmente será um daqueles dias que exigem muito açúcar dentro de mim. Ela revira os olhos. Como não havia dormido bem durante a noite, eu já esperava que ela ficasse mal humorada com mais facilidade, então apenas ignoro.
Enquanto minhas amigas cruzam a porta da frente, dou meia volta e paro na porta da cozinha. Meus pais fixam os olhos sobre mim, em silêncio. Por um instante, congelo, pensando que, de alguma forma, podem ter descoberto absolutamente tudo o que havíamos feito na noite passada e estão prestes a me dar a maior bronca do mundo, apesar de não adiantar de nada a essa altura. Me sinto estranhamente exposta, e minhas bochechas começam a queimar. O silêncio está começando a me causar uma inquietação profunda, então passo a encará-los fixamente também, demonstrando que não faço ideia do porquê estou aqui, embora, talvez não seja a coisa mais sensata a se fazer em uma situação como essa.
- Cadê o resto do seu cabelo? - Meu pai finalmente pergunta, tentando ser engraçadinho, apesar de seu rosto expressar uma mistura de confusão e surpresa. Não ri, nem demonstra se gostou ou odiou.
Eu não havia percebido que estava prendendo a respiração até que ele fizesse a pergunta e uma enorme quantidade de ar saísse do meu pulmão.
Dou de ombros, como se em nenhum momento tivesse me arrependido de minha decisão.
- No lixo do meu banheiro. - Respondo, soando um pouco mais ríspida do que eu gostaria, e me sinto mal imediatamente.
Sua expressão não muda, o choque continua estampado em seu rosto como antes.
Minha mãe se senta ao seu lado na mesa, com um prato de ovos mexidos diante dela. Olha para o meu cabelo, depois para o meu pai, e enfim, diz que gostou. Talvez eu acreditasse mais se ela não fosse minha mãe. Todo mundo sabe que opinião de mãe não conta.
- Você cortou sozinha? - Ela pergunta, não parecendo tão impressionada quanto meu pai.
- Bom, de início sim. Depois precisei da ajuda de Sarah. - Respondo, tentando não entrar em detalhes do porquê decidi cortar o cabelo sozinha e como mais tarde concluí que foi uma péssima decisão.
Minha mãe curva os lábios, fazendo cara de impressionada e levanta um polegar para cima. Meu pai permanece meio inexpressivo.
Forço um sorriso, e passamos alguns longos segundos nos encarando em um silêncio constrangedor. Não sei o que suas expressões significam e para ser honesta, prefiro não saber. Já me arrependo o suficiente do que fiz, de modo que preferiria nunca mais falar sobre isso.
Para a minha sorte, antes que tenhamos a chance de nos aprofundar na conversa do por que fiz o que fiz sem pensar direito nas consequências, Sarah para o carro na frente de casa e buzina.
- Tenho que ir. - Digo rapidamente, pronta para dar o fora dali.
- Não vai tomar café? - Minha mãe pergunta.
- Não se preocupe. Sarah se encarregou disso. - Falo, lhe lançando um beijo no ar e me despedindo com um rápido "até mais" enquanto caminho para fora da cozinha.
Antes de sair pela porta da frente, ouço minha mãe cochichando para meu pai algo como "qual é o problema? Ela é uma adolescente, está no último ano do ensino médio. Deve estar tendo uma daquelas crises e tentando coisas novas antes de ir para a faculdade. Sabe como são os jovens...". Não fico por tempo o suficiente para ouvir a resposta do meu pai, mas imagino que ele deve estar tendo tantos problemas para se adaptar ao meu novo visual quanto eu mesma, o que não faz com que eu me sinta melhor.
Entro no carro me sentindo aliviada por ter escapado de uma conversa um tanto complicada. É difícil explicar o porquê de uma decisão quando nem você tem certeza do por que fez o que fez.
- Bom dia, raio de sol. - Cassie diz assim que entro no carro e me sento ao lado de Sarah no banco da frente, o meu lugar fixo.
Sarah me passa uma caixa de donnuts.
- Quais são as regras? - Pergunta, antes que eu sequer tenha a chance de abri-la.
Reviro os olhos.
- Proibido derrubar migalhas no carro, limpar as mãos nos bancos ou encostar nos vidros com os dedos sujos. - Digo, roboticamente. Sarah já nos fez repetir as regras tantas vezes que já sabemos exatamente o que não podemos fazer. No final das contas, comer no carro dela é uma missão muito difícil. No entanto, para compensar, ela costuma ser bem mais flexível a respeito de bebidas.
Tiro um donnut da caixa e me viro para trás, para oferecer a Cassie e Daisy. É quando percebo que elas estão me encarando em silêncio da mesma forma como meu pai e minha mãe faziam minutos antes.
- E então? Vamos falar sobre o seu cabelo agora, ou vamos fingir que não notamos nada? - Indaga Daisy.
Reviro os olhos.
- Não vamos falar sobre isso, nunca. - Respondo, rapidamente, começando a ficar irritada com o fato de estar sendo tratada como se eu fosse a Britney Spears e tivesse acabado de raspar minha cabeça em meio a um surto psicológico.
Por um segundo, seus olhos se arregalam diante da resposta rápida e inesperada. Então, ela se cala e se encosta no banco, parecendo decepcionada. Imediatamente me sinto mal ao ver sua expressão. Minha intenção não era, nem de longe, magoá-la, afinal, magoar Daisy é como maltratar um cachorrinho: somente pessoas monstruosas conseguem fazer isso sem se sentir mal logo em seguida. Ela tem esse brilho infantil e doce no olhar, que desaparece toda vez que recebe uma resposta um tom acima do que o normal.
- Desculpe. - Digo, constrangida. Tento me conformar com a ideia de que, provavelmente, ainda ouvirei muitos comentários sobre o meu novo corte durante o dia, até que isso finalmente deixe de ser uma novidade. - Não sei se estou pronta para falar sobre isso - Admito.
Ela dá de ombros, já sorrindo novamente.
- Tudo bem. Mas gostei de como ficou. - Afirma, e de alguma forma, sei que é sincero. Ela se inclina para a frente, para pegar um donnut na caixa. Cassie faz o mesmo em seguida.
Sarah liga o rádio, mas não deixa Daisy escolher a música dessa vez. Não coloca música alguma. Ao invés disso, nos obriga a ouvir o jornal matinal, achando que o que fizemos já tenha virado notícia. Cassie tenta explicar que as coisas não funcionam bem assim, e que levariam algum tempo até descobrirem o que fizemos, mas é inútil, já que Sarah pode ser bem teimosa e insistente quando quer. Depois de um tempo, ela apenas pede para que Cassie faça silêncio, porque está a impedindo de ouvir as notícias, então Cassie desiste e se encosta no banco de trás, bufando.
Por mais que eu consiga entender que as notícias não surgem da noite para o dia, ouvir o jornal durante todo o caminho da escola me mantém tensa. Me sinto mal. Termino de comer meu donnut e me encolho no banco, desejando que eu pudesse voltar para a casa agora mesmo e passar o dia de hoje na cama.
Dentro de alguns minutos, Sarah adentra os portões da escola. Estaciona o carro na vaga de sempre: a mais próxima das portas da escola. Eu nunca entendi como essa vaga está sempre aqui, pronta para nos receber. É como se Sarah tivesse feito algum tipo de acordo com todas as pessoas da escola e reservado eternamente a vaga para nós.
Mesmo após ela estacionar o carro, ficamos alguns minutos no carro, em silêncio. Sinto falta de quando não nos sentíamos culpadas e preocupadas o tempo todo, e as manhãs eram agitadas e os silêncios preenchidos por risadas e música. Observamos a multidão indo e vindo diante da porta do colégio. Algumas pessoas param bem no meio do caminho para se abraçar e conversar, obrigando outras pessoas a contorná-las como se fossem obstáculos. Outras, passam direto pela porta, de cara fechada, provavelmente tentando se conformar com o fato de que as férias acabaram.
Estar no último ano me traz sentimentos confusos. É uma mistura de liberdade e medo, como se minha vida finalmente estivesse prestes a começar.
Estamos tão próximas da entrada da escola que, em menos de trinta passos, já estamos diante dos detectores de metais, prestes a entrar.
A primeira coisa que ouço no corredor bege, deprimente e lotado é o nome dele. Dylan. Um grupo relativamente grande de garotas estão falando sobre a festa em sua casa na noite passada. Me sinto desconfortável com a conversa, apesar de, tecnicamente, não estar envolvida nela. Acho que por um breve segundo, acabo parando diante delas, guiada pelo impulso de ouvir o que é que estão falando, mas Sarah percebe, e, atrás de mim, posiciona o dedo indicador bem no meio das minhas costas, de forma extremamente incômoda, e me empurra para a frente, discretamente indicando que devo continuar andando. Assim, ela me leva até o meu armário, infelizmente, localizado próximo à sala de música. Nada contra a música em si, apenas contra as músicas tocadas pela banda do colégio, que são uma barulheira só. Longas semanas se passavam até que os alunos finalmente conseguissem fazer com que os sons saídos de seus instrumentos entrassem em harmonia com os outros, e as notas começassem a fazer sentido e soar como música, de fato.
- Liz, não pode fazer isso! - Sarah sussurra com voracidade, assim que paramos diante do meu armário. - Ainda vamos ouvir o nome dele por muito tempo. Provavelmente o ano inteiro, inclusive na formatura. - Sinto os pêlos dos meus braços arrepiarem diante dos fatos. - As pessoas não sabem que ele está morto. Não pode parar e ouvir a conversa dos outros toda vez que ele for mencionado. Isso não nos faz menos suspeitas.
Daisy e Cassie abaixam a cabeça diante do discurso de Sarah e permanecem em silêncio. Parecem culpadas, mas ao mesmo tempo, parecem reconhecer que ela tem razão. Eu poderia ficar aqui e discutir sobre a aparente insensibilidade de Sarah a respeito da morte do garoto, mas, ao invés disso, assinto com a cabeça, em silêncio, tentando reconhecer a parte em que ela tem razão.
- A noite passada nunca aconteceu. Pelo menos por enquanto. - É assim que ela finaliza seu sermão. Permanecemos em silêncio, o que, do meu ponto de vista, não significa que concordamos completamente com a ideia. Fingir que a noite passada nunca havia acontecido não é algo tão simples assim. Me dou conta disso quando vejo Noah ao longe, mexendo em seu armário. Assim que começo a observá-lo, ele vira o rosto em direção ao meu e seus olhos azuis me encontram em meio a multidão de alunos, como se pudesse sentir que eu o observava.
Ele fecha o armário e começa a vir em minha direção, se aproximando cada vez mais, tão rapidamente que nem tenho tempo de tentar evitá-lo ou pensar em como agir diante dele. Sei que as garotas esperam que eu aja normalmente, mas não tenho certeza se consigo encará-lo tão de perto e fingir que está tudo bem quando, na verdade, não está. Não sei como encará-lo depois de tudo. As imagens do acidente ficam passando pela minha cabeça enquanto eu o assisto se aproximar.
- Oi. - Ele diz baixinho, quase num sussurro. Se não estivesse tão próximo de mim, talvez eu não o ouvisse. Por alguma razão, ele parece abalado, quase em choque. Sua voz soa triste, mas seus olhos parecem arregalados e mais despertos do que nunca.
- Oi. - Respondo, nervosa, mas no mesmo tom. É só o que eu consigo responder. Não consigo dizer mais nada além disso.
- Gostei do cabelo. - Ele fala, abrindo um sorriso suave.
Retribuo o sorriso, mas ainda não me sinto segura o suficiente para agradecer.
Me sinto tão nervosa perto dele que não sei como agir. Não apenas por ser o Noah, mas porque não sei o que dizer a ele sabendo do que havíamos feito na noite passada. Sinto que qualquer coisa que eu diga pode me fazer soar suspeita de algo, embora não tenha como ele saber de coisa alguma, assim como os outros.
Um breve silêncio começa a crescer entre nós enquanto nos encaramos, e não sei por quanto tempo perduraria se não fosse por Sarah, que o quebra com um pigarro seguido de um "então tá, acho que essa é a nossa deixa". Ela agarra o braço de Daisy e de Cassie e as puxa consigo para longe de nós, partindo em direção ao seu armário, deixando-nos para trás.
Noah solta um riso nervoso, mas vejo sua expressão endurecer novamente em poucos segundos. Ele franze a testa, transmitindo algo entre confusão e urgência. É óbvio que algo o incomoda. Seus olhos estão arregalados e inquietos, e tenho a impressão de que ele mal está respirando. Consigo notar um resquício de cansaço em seu rosto, como se ele não tivesse dormido bem durante a noite, bem como eu. Meu coração começa a acelerar. Tenho a impressão de que o que ele tem a dizer não é nada bom, e o fato dele mal conseguir encontrar as palavras certas para falar começa a me assustar.
- Podemos conversar sobre a noite passada? - Ele finalmente pergunta, e sinto um frio na espinha.
- S-sobre a noite passada? - Pergunto, tentando não parecer culpada de nada, mas sinto que estou fazendo um péssimo trabalho quanto a isso. Fico tão desesperada que quase sinto uma gota de suor escorrer pelas minhas costas.
Tento me lembrar de que ele provavelmente está falando sobre outra coisa. Talvez sobre o nosso beijo, ou, no pior dos casos, sobre o incidente com Colin. Não há como Noah saber sobre o acidente. Mesmo assim, sinto um nó se formar em meu estômago, incapaz de aceitar a lógica dos meus pensamentos, focando apenas no sentimento horrível de culpa que venho carregando.
Ele assente, tenso.
- Sim. Podemos ir a algum lugar depois da escola?
Abro a boca para dizer que sim, porque no fundo, quero dizer que sim. Olho para as garotas em volta do armário de Sarah, conversando sobre qualquer coisa para fingir que não estão nos observando de longe. Olho ao redor, para o corredor lotado. Vejo os amigos de Dylan. Vejo o armário de Dylan. Meu estômago embrulha. Sei que as garotas esperam que eu aja naturalmente, mas não consigo. Não com Noah. Não quero ter que mentir para ele toda vez que estivermos juntos, e não posso contar o que fizemos porque é perigoso demais que ele saiba.
Sinto um aperto no coração antes mesmo de começar a falar.
- Noah, eu... não acho que isso seja uma boa ideia. - Falo de uma vez, sem forças para me importar em inventar uma desculpa mais elaborada. Não soa convincente nem mesmo para mim.
- Lizzie, por favor. - Ele implora. - É importante.
Consigo ver a urgência em seus olhos brilhantes. Ele analisa meu rosto com cuidado, da mesma forma como fez na noite passada, enquanto conversávamos e antes de acabarmos nos beijando. Meu olhar para rapidamente sobre seus lábios, e tento não pensar muito sobre como eu apenas gostaria de beijá-lo novamente. Gostaria de poder deixar tudo o que aconteceu nas últimas oito horas de lado e me concentrar apenas em como me sinto quando estou com ele. Mas sei que não é o que posso fazer. Na verdade, sei que é exatamente o oposto do que eu preciso fazer.
Comprimo os lábios, e abaixo a cabeça, encarando meus próprios pés. Não é bom que Noah fique perto de mim agora. Não quero que achem que ele está minimamente envolvido com o acidente de Dylan quando começarem a suspeitar de nós, o que, eventualmente, será inevitável.
- Noah... - começo a dizer, segurando as lágrimas que brotam em meus olhos. Dispensá-lo enquanto tudo que eu mais quero é estar com ele, é doloroso. - sobre a noite passada... eu sinto muito, mas não podemos continuar o que começamos. É melhor nos mantermos distantes.
Confuso, ele abre a boca para responder, mas nenhuma palavra sai. Por fim, Noah apenas me assiste partir em direção ao banheiro feminino, enquanto me sinto a pior pessoa do mundo. As garotas provavelmente notam o que aconteceu, porque me seguem.
- Qual o problema? - Sarah pergunta assim que para ao meu lado na pia, de frente para o espelho.
- Não posso envolvê-lo nisso, Sarah. - Digo, virando-me para ela.
Ela revira os olhos.
- Não precisa envolvê-lo. Quer dizer, o que ele tem a ver com tudo isso? - A essa altura, ela já está bufando de irritação com a minha melancolia. Às vezes, tenho a impressão de que Sarah não entende as coisas mais simples e óbvias sobre sentimentos, apesar de ser muito inteligente. Empatia não é o seu ponto mais forte. - A noite passada não precisa atrapalhar todo o resto da sua vida, Liz. Fizemos o que fizemos justamente para que isso não acontecesse.
Tenho a impressão de ouvir um barulho dentro das cabines, e arregalo os olhos de susto. Cassie e Daisy se encarregam de abrir as portas, uma por uma, até ter certeza de que não há ninguém para nos ouvir, embora devêssemos ter feito isso antes.
- Você não entende? - Indago. Talvez Sarah não goste o suficiente de ninguém para entender do que estou falando. - Cedo ou tarde, seremos suspeitas. E quando isso acontecer, ninguém pode achar que Noah sabe de alguma coisa. Se ele estiver por perto, isso é justamente o que vão pensar. Não posso arriscar que ele saiba de qualquer coisa a respeito desse assunto, para o seu próprio bem.
- Ele não precisa saber. Se não souber, cedo ou tarde vão perceber que ele é inocente e ele vai ficar bem.
- Não consigo mentir para ele. Nada do que eu dissesse soaria convincente o suficiente e logo ele descobriria. Noah não é idiota, Sarah. - Digo, o que é verdade. Mas para ser honesta, parte de mim também não quer que Noah saiba de nada disso por razões diferentes e até meio egoístas: tenho medo de que, de repente, eu já não seja mais a garota por quem ele se apaixonou, e por alguma razão, a perspectiva me assusta bastante.
Cassie e Daisy, que apenas ouvem a conversa em silêncio, se entreolhando ocasionalmente, sem saber o que dizer, talvez porque no fundo, sabem que estou fazendo a coisa certa, por mais doloroso que seja.
- Então essa é a sua solução? Vai afastá-lo de novo?
Encosto a cabeça na parede com força. O dia mal começou e já me sinto exausta. Fecho os olhos e respiro fundo, tentando conter algumas lágrimas. Ela percebe, e tenta ser mais compreensiva em relação a como me sinto.
- Eu não tenho escolha. - Falo - Gosto dele, Sarah. E, acredite, não há nada no mundo que eu gostaria mais do que poder estar com ele agora. - Admito. - Mas sinto que não posso. Não com tudo isso.
Não parece fazer muito sentido para ela, que continua acreditando que contanto que Noah não saiba de nada, ficará bem. De qualquer forma, não fala mais nada sobre o assunto. Apenas se apoia na parede como eu e fica em silêncio ao meu lado, ouvindo todo o barulho do lado de fora, no corredor.
- Bom... presumo que o nosso último ano vai ser uma droga. - Ela solta, de repente.
Quase dou risada, mas é meio triste também.
- É, parece que sim.
Do banheiro, ouvimos o sinal tocar. Daisy e Cassie me lançam sorrisos solidários antes de saírem, porque sabem que Sarah pode dar conta da situação comigo sozinha. Faço menção de caminhar em direção à porta também, mas ela me puxa de volta, e diz que eu seria idiota se tentasse atravessar o corredor com toda aquela gente. Então volto, e esperamos o corredor esvaziar. Quando dois minutos se passam e já não ouvimos mais nada do lado de fora, começamos a nos preparar para sair. Sarah reclama e xinga sua versão do passado que optou por ter aulas de cálculo avançado logo pela manhã. Quando questiono o porquê disso, já que ela sempre odiou qualquer tipo de cálculo, desde o mais simples até o mais complicado, nem ela mesma parece saber o motivo.
- Você vai ficar bem? - Ela pergunta, antes de sair.
- Vou, sim. - Respondo, forçando um sorriso.
Para ser honesta, não estou nada bem. Mas se for para analisar, nenhuma de nós realmente está em condições de tentar fazer a outra se sentir melhor nesse momento. Então apenas digo que sim. Se ela realmente acredita, eu não sei. Mas em seguida, Sarah deixa o banheiro e sai correndo apressada pelos corredores, a fim de não ultrapassar os cinco minutos de tolerância de atraso, apesar de só lhe restar três. Eu, por outro lado, caminho tranquilamente pelo corredor, já que a sala de história fica próxima ao banheiro.
Quando entro na sala, caminho direto para o fundo. Nunca gostei de me sentar na frente, nem mesmo quando era boa na matéria. O professor entra na sala apressado, com cara de quem perdeu a hora. O cabelo está bagunçado e a camisa social para fora da calça. Embora nem ele mesmo pareça muito animado nesta manhã, faz um discurso quase inspirador sobre estar no último ano, e então dá início à matéria. Infelizmente, não consigo manter minha atenção no que ele diz por muito tempo. Minha mente viaja para longe, e por um segundo tento imaginar como estaria me sentindo caso a noite passada não tivesse acontecido da forma como aconteceu. Noah e eu estaríamos bem. Eu provavelmente não teria arruinado meu cabelo durante um surto de identidade. Teria problemas bem menores para me preocupar, e, mesmo assim, eles ainda pareceriam o fim do mundo. Isso coloca muita coisa em perspectiva, já que a palavra "problema" ganhou um novo significado nas últimas doze horas.
Graças à minha falta de atenção, a primeira aula passa voando. Quando o sinal toca, vou até meu armário para trocar de livros. Não muito distante, vejo Noah. Nossos olhares se cruzam por um instante. Ele parece chateado como nunca. Ou talvez preocupado, como se algo realmente o estivesse incomodando. Me sinto mal por tê-lo dispensado daquela forma, quando talvez ele apenas precisasse desabafar. Me sinto idiota e constrangida, mas de qualquer forma, não sei se posso me dar o luxo de ser a pessoa com quem ele pode desabafar no momento, por isso, desvio o olhar, pego meus livros e parto em direção à sala de literatura.
A sala ainda está vazia quando entro. Sento-me no fundo, encolhida, enquanto observo as pessoas chegarem, lentamente preenchendo todo o espaço vazio diante dos meus olhos. De repente, meu celular apita. Agradeço internamente pela professora ainda não estar na sala neste momento, porque ela tem a fama de odiar celulares e grande parte das tecnologias em geral. Abro meu e-mail, de onde veio a notificação.
Abro a mensagem. Não sei do que se trata, já que parece que a pessoa não se incomodou em explicar. Também não reconheço o remetente. São letras e números misturados e confusos, como um código, mas não significam nada, como se o e-mail tivesse sido criado apenas para enviar mensagens suspeitas e nunca ser descoberto por ninguém. No final das contas, não há nada escrito, o que é decepcionante e irritante ao mesmo tempo. Estou prestes a apagar a mensagem quando noto que, apesar de não haver nada escrito, há um arquivo anexado.
Levo alguns minutos para terminar de baixá-lo, graças ao péssimo sinal de internet da escola. Quando finalmente consigo abri-lo, o choque é tão grande que fico sem reação. Tudo ao meu redor parece ficar em câmera lenta, e todo o barulho fica tão abafado que é quase como se eu estivesse debaixo d'água. Não sei dizer por quanto tempo exatamente fico encarando fixamente a tela do celular, sem saber exatamente o que fazer ou pensar sobre a imagem que se revelou diante de mim: Está mal iluminada, há dezenas de árvores, quatro garotas e um corpo sem vida jogado sobre a terra enquanto seguramos pás.
Somos nós, no momento mais incriminatório de nossas vidas. Posso ver quase nitidamente se aplicar zoom em nossos rostos desesperados. O pior de tudo é que isso significa outra coisa: alguém também nos viu, e não faço ideia de quem possa ser.
A professora entra na sala com a maior calma do mundo, e, com as mãos trêmulas e agitadas, enfio o celular de volta na mochila para evitar mais problemas. Ela coloca os livros sobre a mesa, e, antes mesmo de dizer "bom dia" ou qualquer coisa do tipo, começa a distribuir papéis sobre nossas mesas, que, mais tarde, ela chama de "atividades revisionais", o que é apenas outro termo para "teste surpresa". Ouço o burburinho das reclamações no fundo da sala, o que parece lhe gerar uma enorme satisfação, já que vejo um enorme sorriso sarcástico crescer em seu rosto. Fica mais do que claro que ela não pretende assumir o papel de melhor professora do ano.
Pouco a pouco, as reclamações vão cessando, já que se conformar é só o que resta a todos. Com as mãos trêmulas, escrevo meu nome no alto da folha, e, embora leia milhares de vezes cada pergunta, não consigo processar o que cada uma delas pede. Minha mente está ocupada demais com outros tipos de questionamentos. Alguém nos viu. Quem será? Como foi que isso aconteceu? Será que alguém nos seguiu? Fui a única a receber esse e-mail? Quem quer que seja, provavelmente nos conhece. Essa pessoa teria alguma ligação com Dylan? Estaria tentando nos ameaçar? O que pretende fazer com essa foto? Como sairemos dessa?
Os pensamentos giram na minha cabeça como uma espiral sem fim. Em determinado momento, começo até a me sentir meio tonta, como se eu estivesse girando junto deles. Do outro lado da sala, ainda flagro Colin me observando, e me lembro de como tentou me atacar na noite passada, o que traz memórias perturbadoras à tona e contribui para o crescente mal estar que estou sentindo. Uma sensação horrível toma a boca do meu estômago, e começo a achar que vou vomitar.
Quando o sinal toca, entrego a prova em branco e saio o mais rápido possível da sala, desesperada por ar.