Calum hesitou. O cursor piscava na tela como um coração
ansioso, esperando uma resposta que ele não sabia se deveria dar. Suas mãos
tremiam imperceptivelmente sobre o teclado, não de medo, mas de algo mais
profundo, mais visceral. Era como se estivesse prestes a abrir uma porta que,
uma vez aberta, jamais poderia ser fechada novamente.
Mas respondeu.
— Claro.
A resposta veio rápida, quase desesperada. Um número de
celular, seguido de uma solicitação de chamada de vídeo que surgiu na tela como
um convite para o desconhecido. Ele quase recusou, o instinto de
autopreservação gritando em seus ouvidos, lembrando-o de todas as vezes que
havia sido ferido por confiar demais, por se expor demais. Mas algo mais forte
que o medo o fez aceitar. Talvez fosse curiosidade. Talvez fosse solidão. Ou
talvez fosse simplesmente a necessidade desesperada de saber que não estava completamente
sozinho neste mundo.
A imagem demorou uma eternidade para aparecer, segundos que
pareceram horas, preenchidos apenas pelo som da própria respiração e o zumbido
baixo da conexão instável. Depois, como uma revelação lenta e dolorosa, surgiu
uma mulher.
Ela tinha pouco mais de quarenta anos, bonita, uma beleza
simples, não aquela óbvia, mas seus olhos carregavam décadas de cansaço. O
cabelo estava preso com pressa, não a pressa vaidosa de quem se arruma para
impressionar, mas a pressa funcional de quem há muito tempo desistiu de se
importar com aparências. Seus olhos eram fundos, escavados pela dor, mas
firmes. Havia uma determinação ali que Calum reconheceu imediatamente, a mesma
que via no espelho nos dias em que conseguia se olhar sem desviar o rosto.
— Olá. Eu me chamo Lúcia.
Sua voz era rouca, como se tivesse passado anos gritando ou
anos em silêncio.
— Fui missionária durante quinze anos e casada com um
pastor. Sabe o que isso significa?
Calum balançou a cabeça, mudo. Não pela ignorância, mas pela
compreensão súbita e devastadora do que estava por vir. Havia algo na forma
como ela pronunciou "casada com um pastor", não com orgulho, não com
nostalgia, mas com o peso amargo de quem carrega uma cruz que nunca escolheu.
— Significa que fui santa, esposa, mãe, escrava.
As palavras saíram como confissões arrancadas à força, cada
uma delas um pequeno ato de coragem.
— Tinha que sorrir sempre. Mesmo quando apanhava. Mesmo
quando ele me traía com meninas da igreja, meninas que poderiam ser minhas
filhas, que vinham me pedir conselhos sobre pureza e santidade enquanto dormiam
com meu marido. Mesmo quando pedi ajuda e o bispo disse que eu deveria
"orar mais e questionar menos", como se minhas dúvidas fossem pecado
e minha dor fosse falta de fé.
Ela fez uma pausa. Seus olhos se fecharam por um momento,
como se estivesse reunindo forças para continuar. Quando os abriu novamente,
olhou direto para a câmera, direto para Calum, com uma intensidade que o fez se
sentir nu, exposto, compreendido.
— Eu te vi. No vídeo... Não... Eu te enxerguei.
Sua voz agora era um sussurro carregado de emoção.
— Você estava sujo de dor. Coberto dela, como eu estive por
tanto tempo. E por um segundo... por um segundo eu acreditei de novo. Não na
igreja, não nos pastores, não nos bispos. Mas em algo maior. Em algo
verdadeiro.
Calum engoliu em seco. Sua garganta estava fechada, como se
todas as palavras que havia dito ao longo da vida tivessem se acumulado ali,
formando um nó impossível de desatar. Não sabia o que dizer. Como responder a
uma confissão tão crua, tão honesta, tão devastadoramente real? Mas ela continuou
poupando-o da necessidade de encontrar palavras para o indizível.
— Não estou te idolatrando, nem esperando respostas mágicas.
Havia uma firmeza nova em sua voz, como se estivesse
estabelecendo limites, protegendo-se de mais uma decepção.
— Só... só precisava ouvir alguém dizendo que Deus não é
esse tirano que me ensinaram a temer. Que não é esse juiz implacável que conta
meus pecados enquanto ignora minha dor.
Calum finalmente encontrou sua voz.
— E não é.
As palavras saíram de Calum antes que ele pudesse pensá-las,
como se tivessem vida própria. Sua voz estava mais firme do que se sentia,
carregada de uma convicção que ele mesmo não sabia que possuía.
— Raham...
Ele fez uma pausa, saboreando o nome como se fosse a
primeira vez que o pronunciava.
— É o nome que O chamo. O Amor que sofre junto. Que não
exige espetáculo, que não precisa de altar para existir, que não cobra entrada
para amar. Esse é o verdadeiro e único Deus. Deus é Raham, o que se compadece,
o que abraça a dor ao invés de julgá-la.
Ela sorriu. Não com a boca, essa permaneceu séria, quase
solene, mas com os olhos. Foi um sorriso pequeno, tímido, como o primeiro raio
de sol depois de uma tempestade devastadora. Era o sorriso de quem havia
esquecido como sorrir e estava reaprendendo, devagar, com cuidado.
— Meu marido me chamava de rebelde, indigna.
Sua voz agora carregava um tom quase divertido, como se
estivesse contando uma piada amarga.
— Disse que eu era "um instrumento do diabo"
quando parei de frequentar os cultos, quando parei de fingir que estava tudo
bem, quando parei de ser a esposa perfeita que sorri enquanto sangra por
dentro. Fui morar sozinha. Vendi tudo, a casa, os móveis, as lembranças de uma
vida que nunca foi realmente minha. Dei aulas de reforço para crianças que me
lembravam de quem eu poderia ter sido, depois aulas de costura para mulheres
que, como eu, estavam tentando remendar suas vidas com linha e agulha. Fui
sumindo do mundo, aos poucos, como uma fotografia que desbota com o tempo. Até
ontem, quando o algoritmo, me mandou seu vídeo.
Calum sorriu.
— Ou Raham.
O silêncio que se seguiu não era desconfortável. Era o
silêncio de duas pessoas que finalmente encontraram alguém que entendia, que
não precisava de explicações ou justificativas. Era o silêncio sagrado do
reconhecimento mútuo.
Calum sentiu uma coisa nova se movendo em seu peito. Um
calor antigo, familiar, que não sentia desde... não sabia quando. Talvez desde
a infância, quando ainda acreditava que o mundo era bom e que Deus era amor sem
condições. Era isso. A fé que nasce não de mandamentos gravados em pedra, mas
de reconhecimento gravado no coração. Como duas velas que se acendem uma na
outra, sem grito, sem clero, sem culpa. Apenas luz compartilhada na escuridão.
Ele disse, e sua voz estava embargada de emoção.
— Lúcia, você é a primeira pessoa que acredita nisso comigo.
A primeira que entende que não se trata de religião, mas de conexão. De
verdade. De amor sem máscaras.
— Eu não sei se acredito... ainda.
Ela hesitou, como se estivesse testando as palavras antes de
liberá-las.
— Mas... eu preciso. E isso já é um começo, né? Preciso
acreditar que existe algo além da dor, algo além do medo, algo além dessa
sensação de que fui enganada a vida inteira.
Eles riram. Foi um riso leve, cansado, mas real. Verdadeiro.
Da alma. O tipo de riso que nasce não da alegria, mas do alívio, o alívio de
finalmente poder ser honesto, de finalmente poder tirar a máscara e respirar.
Ficaram conversando até tarde, muito além da meia-noite,
como dois náufragos que encontraram uma ilha no meio do oceano. Falaram de suas
mães, ela, da mãe que a ensinou a ser submissa, ele, da mãe que morreu antes de
poder ensinar-lhe qualquer coisa. Falaram de livros que os salvaram quando as
pessoas os abandonaram, de feridas que ainda sangravam e de cicatrizes que
finalmente pararam de doer.
Ela citou Maria Madalena com mais carinho e respeito do que
qualquer apóstolo, vendo nela não a pecadora redimida, mas a mulher corajosa
que ousou amar sem pedir permissão. Ele citou Tomé, o duvidoso, como seu irmão
de alma, aquele que precisava tocar as feridas para acreditar, que fazia
perguntas inconvenientes, que não aceitava respostas prontas.
Antes de desligar, quando o cansaço já pesava em suas
pálpebras e a madrugada se anunciava pela janela, Lúcia disse.
— Calum, você não está mais só. E se for mesmo começar
algo... seja o que for... eu quero estar junto. Não sei o que posso oferecer
além de uma fé quebrada e um coração cansado, mas são seus, se quiser.
Ele sorriu, um sorriso verdadeiro, que iluminou seu rosto
como não acontecia há anos.
— Não é igreja. Não é seita. Não sei o que é ainda.
Ele fez uma pausa, procurando as palavras certas.
— Mas parece... lar. Parece o lugar onde pessoas feridas
podem ser curadas sem vergonha, onde dúvidas são bem-vindas e onde o amor não
tem preço de entrada.
Desligaram com a promessa tácita de que aquela não seria a
última conversa, de que haviam encontrado algo raro e precioso, alguém que
entendia.
Calum apagou a luz e se deitou. Pela primeira vez em muito
tempo, talvez pela primeira vez na vida adulta, dormiu com o coração em paz.
Não porque suas dores haviam desaparecido, mas porque finalmente não estava
sozinho com elas. E isso, descobriu, fazia toda a diferença do mundo.