Na manhã de sábado, o dia da viagem, acordei com uma
animação que iluminava meu coração. Seria o dia em
que partiria para a Bahia, um lugar que sempre me
trouxe paz e onde meus sonhos de infância floresceram.
Rever meu pai, após quase um ano sem vê-lo, era um
presente que eu mal podia esperar para desembrulhar.
Enquanto me preparava, um flashback da minha infância
inundou minha mente, trazendo de volta a memória de
quando minha avó ainda estava viva. Era uma tarde
dourada, e estávamos brincando sob as sombras
acolhedoras dos pés de cacau. Naquele dia, falávamos
sobre o aniversário da vovó. Era o aniversário dela, e
ninguém havia planejado nada. Nossos pais tinham
saído, e lembramos que ela nos dissera que nunca havia
recebido uma surpresa de aniversário, nem mesmo um
bolo. Depois de um breve debate, decidimos fazer uma
surpresa para ela. Estávamos na roça, longe da cidade, e
o que podíamos fazer era preparar um jantar especial.
Sempre fazíamos um culto, então o plano era
surpreendê-la após a oração. Quando a noite caiu,
preparamos um arroz em formato de bolo, decorado com
carne por cima. Eu e minha irmã Patrícia ficamos
encarregadas de orar por ela, enquanto nossos irmãos,
Deise, Maria e Estevinho, montavam a mesa à luz de
velas. Durante a oração, alguém esbarrou nos talheres,
fazendo um barulho que quase fez minha avó abrir os
olhos. Patrícia, rápida, colocou os dedos nos olhos da
vovó e disse: “Calma, a oração ainda não acabou!”.
Cantamos parabéns, envolvidos por uma crise de risos, e
nossa avó ficou radiante com a surpresa. Sentimos um
orgulho imenso por termos proporcionado a primeira
surpresa de aniversário para nossa querida vozinha.
Voltar àquele lugar trazia à tona todos os momentos
felizes que vivi ali, como um filme que se desenrolava
diante dos meus olhos. O tempo voou, e logo percebi que
estava quase na hora de partir. Terminei de arrumar
minhas coisas e preparei o Arthur. No ônibus, a viagem
levou um pouco mais de duas horas até que minha irmã
embarcasse, em uma cidade próxima a São Paulo. As
expectativas da viagem e das lembranças que me
aguardavam na Bahia faziam meu coração bater mais
forte, como se cada quilômetro percorrido me
aproximasse não apenas de um lugar, mas de um pedaço
de mim mesma. Ao avistar minha irmã, cumprimentei-a
com um abraço caloroso. Ela logo comentou sobre o
Júlio, e eu confessei que tudo estava acontecendo muito
rápido. Com um sorriso sábio, ela disse: — O amor
chega tão sutilmente, sem bater na porta, trazendo um
turbilhão de emoções. Faz você sentir mil sensações em
um só momento. Que louco, né? Do nada, o que estava
vazio agora está quase a transbordar. É o amor, e o amor
não dá para explicar — completou, enquanto seu sorriso
iluminava o ambiente. Fiquei parada, refletindo sobre
aquelas palavras que, inesperadamente, faziam tanto
sentido naquele momento. Eu e o Júlio continuávamos a
trocar mensagens apaixonadas todos os momentos, cada
palavra carregando a doçura de um sentimento crescente.
Conversávamos sobre nossos dias, tentando nos
conhecer e nos conectar ainda mais profundamente. Ele
havia comprado dois dos meus livros e aguardava
ansiosamente sua chegada, como se cada página fosse
uma extensão de mim. Depois de 30 horas dentro do
ônibus, finalmente chegamos à nossa cidade, onde minha
irmã Maria e minhas sobrinhas nos aguardavam com
abraços afetuosos. Após os cumprimentos de
boas-vindas, comentei: — Meu Deus, que cansativo! Na
próxima, quero vir de avião. Fomos rapidamente para a
casa da minha irmã, tentando não fazer muito alvoroço,
pois estávamos chegando de surpresa. Nosso pai não
sabia que estávamos vindo, e, em cidade pequena, as
notícias correm rápido. Chegamos, comemos e
descansamos um pouco. Liguei para o Júlio e
conversamos, sentindo a conexão que crescia entre nós.
No dia seguinte, planejávamos visitar a roça onde meu
pai residia. Ao amanhecer, levantei-me antes das seis,
ainda sentindo o peso do sono. O sol baiano já brilhava
no horizonte, iluminando nossa partida matutina com o
objetivo de surpreendê-lo com nossa visita. No entanto,
ao chegarmos à roça, percebemos que ele não estava em
casa. Enquanto esperávamos do lado de fora da antiga
casa de campo, meus olhos vagaram pelos arredores,
absorvendo as mudanças ao meu redor. O lugar, que
outrora foi palco de tantas lembranças, parecia tanto
familiar quanto transformado. — Como as coisas
mudaram — declarei, enquanto meus olhos percorriam o
horizonte distante. Deise, ao meu lado, comentou com
um leve suspiro: — Mudou muita coisa, né? — Sim —
concordei, rememorando os dias passados. — Aqui era
repleto de vida. Nós infundíamos energia a este lugar.
Nossa inocência era a sua essência. Vivíamos com o
desejo de partir, sem perceber que, no futuro,
anelaríamos voltar, ansiando por aquele tempo bom, um
tempo que não retorna — concluí, olhando
pensativamente para Deise, enquanto compartilhávamos
um silencioso entendimento das memórias que ali
permaneciam. Após uma breve pausa, declarei
novamente: — Se eu soubesse que iria embora, teria
aproveitado mais. Teria admirado mais aquele sorriso,
aproveitado a calmaria do nosso paraíso. Todos nós, no
fundo, sabíamos que um dia iríamos embora. Hoje, sinto
saudades do tempo em que queria ir embora, do tempo
em que não sabia o significado de ir embora. Queria
voltar. Mas esse lugar já não existe depois que fomos
embora. Ela hesitou um pouco e respondeu, sorrindo
num tom descontraído: — Se a gente soubesse que iria
embora, não iríamos tão cedo. De repente, um ruído se
aproximou da casa. Era a motocicleta do nosso pai. — É
painho! — gritei. — Se esconde! — completou Deise.
Painho entrou pela frente da casa, e nós, que estávamos
nos fundos, gritamos juntas quando ele abriu a porta dos
fundos: — Surpresa!! Ele, assustado, exclamou: — Oxi,
o que vocês estão fazendo aqui? Corremos para
abraçá-lo, contando nossa trama de chegar de surpresa.
Após sermos acolhidas por nosso pai, que prontamente
nos convidou para entrar e tomar café, guardamos nossas
coisas, sentindo o calor do lar e a alegria de estar juntos
novamente. — Já era quase noite, e a escuridão se
aproximava lentamente, envolvendo o lugar em um
manto de tranquilidade. Painho estava sentado na frente
da casa, ajeitando a vara de anzol para irmos pescar.
Aproximei-me dele e perguntei: — Como andam as
coisas? — Bem — ele respondeu, com a serenidade de
sempre. — Eu estou namorando — mencionei, com um
sorriso tímido. Fazia apenas uma semana, mas já o
apresentava como namorado, mesmo sem o pedido
oficial. Meu pai não demonstrou muito interesse, talvez
por não ser de conversar sobre esses assuntos. Fez
algumas perguntas curtas e logo mudou de assunto: —
Vamos pescar — disse, desviando-se da conversa.
Descemos até um riacho, onde pescamos para relembrar
os bons tempos e saborear um peixinho fresco. Meu pai
criava alguns em uma represa. Na volta, passamos pela
horta da família, que painho ainda cultivava, agora um
pouco menor. As lembranças dos tempos em que
passávamos as tardes de sexta-feira ali, entre risos e
conversas, sob o sol ou a chuva, inundaram minha
mente. Aquele lugar continuava sendo meu lar, e as
nossas risadas ainda ecoavam nos meus ouvidos. Afinal,
o que é um lar, senão acolhimento e a liberdade de ser
quem somos? E o que tínhamos era muita liberdade para
sonhar, viver e nos permitir ser felizes. Assim que
cheguei em casa, fui verificar se havia mensagem do
Júlio. — Meu celular não está pegando sinal —
mencionei ao meu pai, um pouco triste. Ele logo
respondeu: — Aqui o sinal é ruim. Fiquei desapontada,
queria falar com o Júlio e contar-lhe sobre meu dia. Sem
sucesso, contive-me e fui jantar. Após o jantar, tirei da
minha bolsa meu livro, “Pequenos Detalhes”, e entreguei
ao meu pai, que, sorridente, me questionou: — Tu que
fez, Lelê? — Como ele carinhosamente me chama. —
Sim! — respondi contente, acrescentando — É seu! Ele
agradeceu e me deu um abraço caloroso. — É pra ler —
falei baixinho. — Vou ler — disse ele, sorrindo. Saí um
pouco para fora de casa e fiquei estagnada com a
quantidade de estrelas no céu. — Meu Deus! Olha esse
céu! — gritei para minha irmã Deise. O céu estava
esplendoroso, e fazia muito tempo que eu não via algo
assim. Desde criança, sou apaixonada pelo céu. Aquilo
me deixou maravilhada, e logo quis contar para o Júlio.
Ele era aventureiro, mas aposto que jamais tinha visto
um céu daqueles. — Vou tentar falar com o Júlio —
mencionei para Deise, que estava ao meu lado,
contemplando a beleza daquela noite. — Tá apaixonada,
né? — ela me perguntou, sorrindo. Tirei meus olhos do
céu, olhei para ela sorrindo e, após um silêncio,
acrescentei: — Estava sorrindo quando seus olhos
castanhos me encontraram, e de uma forma genuína, ele
me fez sorrir ainda mais. Depois de dizer essas palavras,
toquei levemente em seus ombros e entrei na casa, onde
meu pai estava com o Arthur. Painho mostrava a lanterna
para o Arthur, que estava encantado. Os dois se
divertiam quando passei por eles e falei: — Vou tentar
falar com o Júlio. — Desde o último dia de chuva forte,
meu celular não pega sinal aqui — ele comentou. Ainda
bem que ele sabia que eu estava na roça e que o sinal era
ruim, senão poderia achar que eu tinha dado um perdido,
pensei comigo mesma. Dormir na cama do meu irmão
Estevinho foi uma experiência cheia de carinho, pois ele
generosamente cedeu seu espaço para mim e para o
pequeno Arthur. Antes de dormir, falei para Arthur: — A
mamãe vai contar uma história para você. — Então
compartilhei uma narrativa para ajudá-lo a adormecer. Já
meio sonolento, ele murmurou: — Mamãe, você é a
maior escritora do mundo — exclamou Arthur, erguendo
seus pequenos braços na minha direção, para me
envolver em um abraço. Meu coração se encheu de
alegria. Apesar de saber que, objetivamente, não era a
maior escritora do mundo, mas naquele instante, para
ele, eu realmente era. Na manhã seguinte, bem cedo, me
juntei à minha querida tia Gilda para uma caminhada até
a fazenda da minha avó, que ficava a uma distância
razoável, mas ainda assim acessível a pé. Caminhamos
por cerca de 30 minutos, aproveitando o trajeto para
conversar e rir, enquanto Arthur, cheio de energia,
caminhava ao nosso lado por pura vontade. Ao
chegarmos à fazenda, fomos recebidas pela minha avó
materna, a quem eu não via há algum tempo. A nostalgia
do reencontro foi suavizada pela pergunta que logo me
veio à mente: “Aqui tem Wi-Fi?”. Minha avó respondeu
que na casa do meu tio havia internet, instalada para que
os meus primos pudessem estudar. Com essa
informação, me apressei para a casa do meu tio, que
ficava a cerca de 600 metros de distância. Ao chegar,
cumprimentei-o com carinho: “Bença, tio”. Ele, com um
sorriso no rosto, respondeu: “Deus te abençoe, minha
linda”. Sem perder tempo, pedi a senha da internet, que
ele prontamente forneceu. Meu celular vibrou com uma
enxurrada de mensagens, mas fui direto à conversa com
Júlio. Após ler suas mensagens, liguei para ele. Assim
que atendeu, Júlio comentou: — O Caju está com
saudades de vocês dois. — Ele mencionou estar com
uma ligeira febre, mas ainda brincou dizendo — Sua
mãe acha que é saudade de você. Com um sorriso, eu
disse: — Melhora! — E ele rapidamente perguntou: —
Você falou com seu pai sobre a gente? Como foi a
surpresa? — concluiu. Confirmei que sim, havia
comentado, mas mencionei que o sinal estava ruim,
prometendo mais detalhes depois. Após desfrutar de um
breve período na fazenda da minha avó, apreciando a
agradável companhia da minha querida tia Gilda e da
minha avó, partimos em direção à cidade próxima.
Durante minha estadia, fiquei hospedada na casa da
minha irmã, alternando entre momentos tranquilos na
fazenda do meu pai. Assim que cheguei à casa da Maria,
tomei um banho revigorante e fui para o quarto brincar
com Arthur e minhas sobrinhas. No meio da diversão,
recebi uma ligação de Júlio. Sua voz soava diferente, um
tom que eu não reconhecia. Perguntei preocupada: —
Está tudo bem? — Ele respondeu que sim, e que meu
livro havia chegado. Curiosa, perguntei se ele havia
gostado. Júlio elogiou meu talento, mas confessou ter
ficado um pouco abalado com o que leu. Intrigada,
perguntei o motivo, e ele, num tom levemente
enciumado, revelou que se tratava de poemas sobre
amores passados e desilusões amorosas. Surpresa,
perguntei: — Sério? Você está com ciúmes do meu
passado? Embora achasse a situação um tanto sem
sentido, não pude deixar de me sentir estranhamente
contente. Júlio admitiu: — Talvez um pouco. Não pode,
amor? A palavra “amor” ressoou em meus ouvidos, e
perguntei, entre sorrisos: — A-M-O-R? — Era a
primeira vez que ele me chamava assim, meu estômago
borbulhava de contentamento enquanto eu tentava
manter a compostura. Ele reafirmou: — Você é o meu
amor, ainda não sabia disso? Respondi, sorrindo
timidamente: — Agora estou sabendo. Nesse momento,
minha irmã Maria entrou no quarto e pegou meu
telefone, brincando: — Alô, tudo bem, cunhado? Após
uma breve conversa com o Júlio, Maria me devolveu o
telefone e perguntou, sorrindo: —Vai ficar a tarde toda
falando com ele? Vem tomar café. E assim, com o
coração aquecido, me juntei à família para um café
repleto de amor e risadas. Passamos dias
verdadeiramente memoráveis na Bahia, imersos na
tranquilidade da fazenda do meu pai. Cada momento era
uma celebração de alegria, especialmente na companhia
agradável dos meus irmãos. Minhas sobrinhas, sempre
cheias de energia, encontraram no Arthur um parceiro
perfeito para suas brincadeiras, e eu me sentia
imensamente feliz por revisitar minha terra natal. No
entanto, não podia negar que contava os dias para
retornar aos braços do meu amor. Em uma noite, Júlio,
ansioso, digitou para mim: “Falta muito tempo?”. A sua
impaciência transparecia nas poucas palavras, refletindo
a saudade que ambos sentíamos. “Não, amor, falta
pouco”, respondi, tentando tranquilizá-lo. Ele então
mencionou que havia conversado com minha irmã
Patrícia, que estava na igreja com minha mãe. “Queria te
buscar na rodoviária, mas não consigo. Vou voltar a
trabalhar amanhã”, ele escreveu, encerrando a mensagem
com um emoji triste, que expressava sua frustração.
Após um tempo de conversa, combinamos que eu
desembarcaria na cidade da minha mãe. Nos
encontramos à noite, no culto, e passaríamos um final de
semana juntos, já que eu chegaria numa quinta-feira.
Depois, ele me levaria para casa no domingo. O dia de
pegar o ônibus de volta finalmente chegou. Eu estava
radiante e satisfeita, pois, apesar da viagem curta,
aproveitamos intensamente cada instante. Poucas horas
antes da partida, enquanto admirava a paisagem
deslumbrante que se estendia no horizonte, meu telefone
tocou. Era a Vê. — Já saiu? — Ela perguntou. — Ainda
não, estou no caminho, indo para a rodoviária —
respondi, sentindo a expectativa da viagem de volta.
Após me desejar uma boa viagem, ela disparou: —
Leticia, sonhei que você estava se casando. —
Casando-me!? Eu vou me casar um dia — brinquei,
rindo da ideia. — Menina, sonhei que você já ia casar e
eu te falava que estava cedo, que você não conhecia ele
direito. — Ela contou, espantada, como se o sonho fosse
uma premonição. Rimos juntas daquele sonho maluco,
que de alguma forma parecia prever meu casamento,
considerado por muitos como repentino. A conversa com
Vê trouxe um toque de humor e reflexão à viagem,
enquanto eu seguia rumo ao reencontro com Júlio,
ansiosa por tudo que o futuro nos reservava.
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