Logo cedo, por volta das sete da manhã, eu estava na
rodoviária, aguardando o ônibus, quando meu celular
tocou. Era o Daniel. — Alô — respondi ao atender a
ligação. Ele começou a narrar, num tom de brincadeira:
— Ele puxou a cadeira para você se sentar, abriu a porta
do carro, blá blá blá... Surpresa, eu argumentei: — Quem
te contou? Não acredito que mainha falou para você! —
Tchau, Daniel — respondi, tentando encerrar a conversa.
Mas antes que eu pudesse desligar, ele gritou: — Está
apaixonada! — e desligou em seguida, deixando-me
sorrindo e um tanto embaraçada. Antes de o ônibus
chegar, recebi uma mensagem do Júlio desejando-me
uma boa viagem e perguntando se o Arthur estava
melhor. Respondi que sim, agradecendo — Ele quer vir
aqui na quinta-feira. em seguida. Logo, ele mandou:
“Acredito que antes de você ir para a Bahia ainda dê para
a gente se ver”. “Como?”, respondi. “E se eu fosse para
Ferraz na quinta ou sexta? (risos) Como estou de férias,
poderíamos combinar de passar o dia juntos. Em algum
parque por aí, e o Arthur passaria o dia com a gente.”
“Na quinta”, respondi de volta. “Na sexta estará corrido,
estarei arrumando as coisas para a viagem no dia
seguinte.” Ele logo disse: “Na quinta, qual o horário que
você acha melhor eu chegar aí?”. “A hora que você
conseguir.” “Olha que eu amanheço aí na porta”, ele
respondeu. Ao chegar em casa, corri para Verônica,
minha prima, e falei meio receosa: — Encontrei alguém.
Tivemos um encontro ontem. — O quê? — ela indagou
espantada. — Como assim, Letícia? Como assim?
Contei para ela como aconteceu, e ela logo perguntou:
— Mas como ele é? — Toda precavida, ela falou: —
Olha, tem que viver, você está nova, mas use
preservativo para não vir outro Arthurzinho por aí. Olhei
para ela com cara de surpresa, mas engoli seco e não
retruquei; ela estava certa, apesar de eu ter dado só uns
beijinhos. — Ele não trabalha? — perguntou num tom de
preocupação. — Sim, ele trabalha, mas está de férias. O
Oscar foi chegando na hora, quando a Vê exclamou: —
Letícia está namorando, Oscar! Ele logo voltou seus
olhos intrigantes para mim e indagou: — Com quem? —
E pela segunda vez contei a mesma história. O Oscar
sempre foi receptivo e logo perguntou, ao saber que o
Júlio viria na quinta: — Que horas ele vem? Fala para
ele vir cedo para tomar café com a gente. Quero ver se
ele passa no teste — brincou. Aquele dia passou rápido;
desfiz a mala e fiz minha atividade física rotineira.
Troquei diversas mensagens com o Júlio durante o dia,
que mostrou interesse em meus livros. Já tínhamos nos
despedido, quando ele disse “boa noite”, e eu liguei para
ele. — Alô — ele atendeu surpreso. — Confesso que não
esperava por essa ligação. Como uma simples ligação
me fez ter a certeza de que era você a pessoa certa? —
ele concluiu. — Não sei — respondi entre sorrisos. —
Liguei para te dizer boa noite. — Saudades de ontem —
comentei ainda. Ele disse: — Estava pensando aqui,
ontem a essa hora. — Um pouco mais tarde — respondi.
— Foi tão bom ter você deitada em meu peito, nos meus
braços. Sorriu por um instante e completou: — É tão
bom ouvir sua voz. — É bom ouvir a sua também —
respondi. Logo ele sugeriu: — Vamos levar o Arthur
para ver a Patrulha Canina no cinema na quinta? “Ele é
diferente”, pensei comigo. “Legal, ele já está incluindo
meu filho no segundo encontro; não esperava atitude
diferente, mas ele realmente era especial.” — Claro, vai
ser a primeira vez dele no cinema — respondi. — Mas aí
a gente combina direitinho; provavelmente vai chover na
quinta, então podemos mudar nossos planos do parque e
ir ao shopping — ele falou. — Sua mãe me seguiu no
Instagram mais cedo — comentei. — Conversei sobre
você com ela hoje — ele disse sorrindo. Após uma
pausa: — Conversou!? — perguntei, dando um pulo da
cama em que estava deitada, derrubando o controle da
TV que estava em cima de mim. — Que barulho foi
esse? — ele questionou. — O controle caiu — falei
enquanto pegava o controle do chão. — Você mencionou
sobre a gente para sua mãe? Que empolgado — pensei
em voz alta. — Que? Não entendi a última parte — ele
perguntou. — Sua mãe — eu disse. — Ah, contei que
iria aí te ver na quinta. — Hum, entendi. — Vou ir
dormir — ele disse meio sonolento. — Ansioso para
quinta-feira — ele terminou. — Boa noite — respondi e
desliguei o celular. A semana deslizou suavemente,
como uma melodia que nos embala, e logo chegou a tão
esperada quinta-feira. Acordei cedinho, ansiosa para
recebê-lo. O dia estava envolto em uma leve garoa, mas
nada poderia ofuscar o brilho daquele momento. Para ser
sincera, eu amo dias chuvosos; eles têm uma magia
própria, um encanto que acende a alma. Estava
completamente apaixonada, como se cada gota de chuva
sussurrasse segredos de amor. Pouco antes das 08h00,
meu celular vibrou com uma mensagem: “Cheguei”.
Meu coração deu um salto, uma dança de alegria e
entusiasmo. Corri para abrir a porta, e lá estava ele. Ao
nos encontrarmos, fui imediatamente envolvida por seu
abraço. Ah, aquele abraço! Era como se já o conhecesse
há muito tempo, um abraço que trazia a sensação de lar,
de pertencimento. Era familiar de uma forma que
palavras não conseguem capturar, um abraço que aquecia
a alma. Depois que ele entrou, apresentei-o ao Oscar.
Fiquei observando os dois conversarem, e era como se o
tempo tivesse parado. A chuva continuava a cair lá fora,
mas, dentro de mim, havia um sol radiante, iluminando
cada canto do meu ser. — Chegou rápido — comentou o
Oscar, com um sorriso acolhedor. — Não tinha trânsito
— respondeu Júlio, um pouco envergonhado, mas com
um brilho nos olhos que não passava despercebido.
Enquanto tomávamos café, me diverti com as inúmeras
perguntas que o Oscar fazia para o Júlio. Era como se
estivesse conduzindo uma entrevista, mas com um toque
de humor e carinho. Por fim, Oscar brincou: — O teste é
lavar os pratos — e caiu na risada, logo acompanhado
por Júlio, que respondeu com um sorriso: — Isso é fácil.
E já estava se levantando da mesa, disposto a lavar a
louça, quando Oscar falou: — Estou brincando, na
próxima vez você lava. Depois do café, levei Júlio até o
escritório da casa para mostrar meu livro. Assim que ele
se sentou, mostrei-lhe “Pequenos Detalhes”, e ele logo se
interessou pelo poema “O Tempo”. Enquanto ele lia em
voz alta, eu o observava calmamente. Ouvir meus
poemas através de seus lábios era incrivelmente atraente;
seus olhos brilhavam enquanto ele tecia as palavras que
eu havia escrito. Estava fixada nele, ansiosa para ver sua
reação. Será que ele estava gostando das minhas
palavras? De repente, fomos surpreendidos por Arthur,
que chegou timidamente perto de mim, olhando
curiosamente para Júlio. Com uma vozinha tímida, ele
mal conseguiu dizer: — Mamãe... — Oi, filho, esse é o
Júlio — comentei, tentando tranquilizá-lo. Peguei Arthur
no colo para dividir a atenção, enquanto Júlio continuava
a leitura. Arthur sempre gostou de histórias e logo se
enturmou com Júlio, a quem ele carinhosamente chamou
de Caju. Júlio desceu para a sala, enquanto eu me
arrumava com Arthur. Quando desci do quarto, Caju,
com um sorriso espontâneo, disse: — Uau, que linda!
Onde você estava escondida esse tempo todo? — Bem
aqui, bem aqui — repeti, sorrindo. — Você gosta de
caju? — perguntou ele, brincando. — Sim — respondi,
rindo. — Menos mal — disse ele, sorrindo, já que Arthur
o chamava assim. Em seguida, caminhei até o quarto e
apresentei a ele minha tia paterna, que estava acamada.
— Olha, tia, esse é o Júlio — disse, enquanto ele
carinhosamente apertava a mão dela. Pouco tempo
depois, saímos. Ao chegar no shopping, fomos direto
para a praça de alimentação. Durante nosso passeio, senti
seu cuidado não só comigo, mas também com Arthur.
Júlio estava atento a nós, compramos ingressos para o
filme, que mal conseguimos assistir, pois Arthur pedia
para ir ao banheiro a todo momento. — Quer que eu o
leve? — perguntou Júlio, gentilmente. — Não, obrigada,
eu o levo — respondi, apreciando seu gesto. Aquele dia
foi perfeito. Após nos deixar em casa e conhecer a Vê,
Júlio se despediu, e foi embora para sua casa, que ficava
em outra cidade. Era uma quinta-feira, e no sábado eu
partiria para a Bahia, onde eu reencontraria meu pai e
irmãos, iria acompanhada pela minha irmã Deise.
Enquanto a noite avançava, meus pensamentos se
voltavam para o Júlio, e um misto de saudade e incerteza
tomava conta de mim. “Poxa, ele acabou de sair e já
estou com saudades”, pensei. “E se a gente der certo, o
que vamos fazer? Se der certo, daremos um jeito. E se
não der? Isso me preocupa ainda mais.” Ele vivia em
outra cidade, e, embora a distância fosse de apenas uma
hora e meia de carro, não seria fácil nos vermos com
frequência, talvez apenas nos finais de semana.
Conhecemo-nos há menos de uma semana, mas ele já
havia conquistado o Arthur e, de alguma forma,
começava a consertar meu coração. Fazia tanto tempo
que alguém não entrava na minha vida dessa maneira, e,
agora que ele estava aqui, eu me sentia insegura, receosa.
Confesso que havia esquecido como é intenso e
desafiador se apaixonar por alguém. Sinto-me como uma
novata no amor, como se todas as outras experiências
não contassem. E talvez realmente não contem. Amar
exige coragem, equilíbrio, e eu havia claramente
esquecido o quão grande é esse desafio, especialmente
quando se trata de um amor à distância. Na véspera da
viagem, enquanto organizava as últimas coisas, meus
olhos foram atraídos por uma folha rabiscada no fundo
da gaveta de documentos. Ao examiná-la com cuidado,
percebi que era uma carta que eu havia escrito para mim
mesma. Tinha o hábito de enviar cartas para meu eu do
futuro. A carta, datada de 19 de novembro de 2021, às
21:25, dizia: “Olá, eu do futuro... O Arthur está
dormindo, ele é lindo. Agora ele tem 1 ano, 5 meses e
alguns dias. Mas a questão não é ele, e sim você do
passado. Estou debruçada sobre o caderno, sob a
meia-luz do abajur, metade no tapete e metade no frio da
cerâmica. Estou escrevendo na esperança de que você
leia esta carta com o coração cheio de alegria por ter
dado certo aí no futuro”. Na carta, eu descrevia minhas
aspirações de sucesso com meus livros, além de relatar
os momentos turbulentos da minha vida amorosa do
passado. Terminei a carta com um desejo sincero:
“Tomara que você esteja lendo isso com um sorriso bobo
e se sinta confortável nesse exato momento, seja ele qual
for. Hoje, tive uma conversa com Deus, e fazia tempo
que não era tão sincera com Ele. Espero que seja feita a
vontade d’Ele. Logo irei para a Bahia. Espero que você
esteja feliz. Com amor, Letícia de 2021”.
Coincidentemente, eu estava prestes a ir para a Bahia, e
minha situação amorosa atual era estável. Pensei comigo
mesma: “Parece que deu certo, Letícia do passado”. E,
com um sorriso no rosto, senti que estava exatamente
onde deveria estar, pronta para abraçar o futuro com
esperança e amor.
A carregar o próximo capítulo...