— Se não fosse aquele seu sorriso despretensioso na
primeira vez que eu a vi, talvez hoje não estivéssemos
aqui. E olha que o sorriso não foi para mim, e muito
menos eu era o motivo dele... Enquanto ele dizia “Se não
fosse aquele sorriso”, a frase ressoava em meus ouvidos
e meus olhos lacrimejavam. Era como se uma porta se
abrisse na minha mente, lembrando-me de que meu
sorriso havia viajado bastante até encontrar o amor, que
agora estava diante dos meus olhos, dizendo aquelas
lindas palavras. Pensei comigo: “Fizeste bem”. Sorri,
concluindo meu pensamento: ele é exatamente o que eu
imaginava encontrar quando era criança e sonhava com a
ideia de construir uma família. Ele era, sem dúvidas, a
pessoa certa. Não nego que, de alguma forma, minhas
aspirações de infância me levaram até aquele momento
magnífico em minha vida. Dando um breve esboço sobre
a minha infância, que hoje, com um olhar maduro,
considero uma das melhores fases da minha vida, senão
a melhor. Já se perguntou qual o melhor momento da
vida? Quando se é criança, você almeja ser adulto; e,
quando se é adulto, você percebe o quanto é maravilhoso
ser criança; quando idoso, você deseja ter aquela força
de jovem. Temos medo de encarar o presente? Vive-se
uma vez só em cada estação da vida. Pergunto a você.
Consegue encarar o presente como a melhor fase?
Embora eu almejasse um futuro grandioso naquela
época, tinha convicção da riqueza que nos cercava.
Apesar de viver uma vida meio reclusa na minha
infância, vivia no sul da Bahia, numa fazenda, com meus
quatro irmãos, meus pais e nossa querida vozinha.
Sempre fui uma garota sorridente e grata, claro que a
vida não era nada fácil, mas sempre fui aquela pessoa
que via o copo meio cheio, sabe? Meu nome tem grande
influência sobre isso. O nome Letícia tem origem no
latim laetitia, que significa alegria e felicidade. Sempre
me considerei feliz, isso estava claramente desenhado,
frequentemente era elogiada por ter um sorriso lindo em
meu rosto, mas nunca imaginei que, anos mais tarde, iria
encontrar o amor da minha vida através dele. Ainda
sobre minha infância, certa vez, eu estava em cima de
uma árvore com minha três irmãs, conversando sobre os
nossos sonhos, imaginávamos um futuro em uma
cidadezinha perto da zona rural que a gente morava,
aspiração de amores da adolescência pairava em nossa
mente, até sermos interrompidas pela nossa avó
chamando a gente para ir tomar banho, com a
justificativa que já estava ficando tarde, nossa mãe tinha
saído com nosso pai, ela, no entanto, era responsável por
coordenar as nossas tarefas e afazeres rotineiros quando
eles não estavam presentes, como tomar banho e comer,
a gente não deixava essa tarefa fácil para ela. Após um
longo tempo chamando, a gente desceu da árvore e
fomos em direção à casa. — Não quero tomar banho —
resmunguei, aproximando-me da minha avó. — Venha
logo — disse ela, irritada. Maria, minha irmã mais velha,
desceu correndo em direção ao riacho — quem chegar
por último é mulher do padre! A gente seguiu correndo
aos gritos, mal ouvimos nossa avó gritando da porta de
casa — parem de correr! Vocês vão cair, parece um
rebanho de mula! — ela esbravejava irritada. Depois de
dar uns pulos no riacho, eu esquecia a minha
desaprovação de ir tomar banho, se é que podia
considerar aquilo um banho, a gente saia mais sujas do
que entrava. Pois o rio tinha barro no fundo e a sujeira
subia com os nossos pulos. Logo depois de sairmos do
suposto banho, fomos comer banana da terra com carne
seca, que, por sinal, era minha comida favorita naquele
tempo. Logo em seguida ao jantar, caminhamos até o
exterior da casa, para contemplar o céu estrelado e a
noite iluminada pela lua cheia. Ficávamos lá fora
ouvindo as histórias que nossa querida avó amava contar.
— Acabou, está na hora de dormir — disse vovó
calmamente, enquanto fazia movimentos de se levantar
da cadeira que estava sentada. — Nãoooo! Conta mais
uma, vovó — gritamos em sintonia. Ela sempre cedia e
contava mais uma história, enquanto eu ficava fixada
olhando para a lua, ouvindo suas histórias malucas e
engraçadas. Eu imaginava o dia em que me casaria e
teria netos para compartilhar essas mesmas histórias. —
Agora vamos entrar — concluiu minha avó entre
bocejos. — Vamos, já que não podemos ficar a noite
toda olhando a lua — respondi, fazendo todos rirem.
Todos já estavam preparados para dormir. Nós nos
dividíamos no único quarto que tínhamos, e eu sempre
dormia com minha irmã Patrícia em uma cama de
solteiro. Meus olhos já estavam fechados, e minha mente
fantasiava filmes aleatórios, quando fui levemente
esbarrada por Patrícia. — Tá acordada? — cochichou
baixinho, para não acordar os outros no quarto. — Que
foi? — respondi descontente, por ter sido tirada da
minha fantasia. Patrícia amava criar histórias e falar;
digamos que ela era a mais tagarela da família. E pelo
fato de dormirmos juntas todas as noites, tínhamos uma
ligação inestimável, que perdura até os dias de hoje. De
repente, senti-a segurando minha mão e sussurrando: —
A gente vai crescer e morar uma perto da outra, né? —
Sim, a gente vai criar nossos filhos juntas. Vamos viver
uma perto da outra até ficarmos velhinhas — respondi,
apertando a mão dela de volta. Pegamos no sono de
mãos dadas naquela noite. No dia seguinte, era
sexta-feira, passávamos a tarde toda na horta da família
colhendo legumes e verduras para que nossos pais
pudessem levá-los à feira no dia seguinte. Desde os meus
seis anos, eu já ajudava no cultivo das hortaliças. Todos
participavam, sem exceção. Além de ajudar nas tarefas
diárias, passávamos muito tempo no mato, correndo
atrás de borboletas, brincando de esconde-esconde,
explorando e subindo em árvores, sempre com sonhos
mirabolantes e uma busca implacável por aprender a
voar. Confesso que até hoje não consegui, mas sigo
tentando — risos. Sábado cedo de manhã, meus pais
foram pra feira antes do galo cantar, todos nós ficamos
acordados esperando eles saírem para fazer bagunça. Era
lei, meus pais saiam e a gente levantava para fazer a
festa. Assim que o carro pegava certa distância, a gente
pulava da cama e comia literalmente tudo que via pela
frente. Nesse dia específico, já era por volta das
04h00min horas da manhã e a gente tinha colocado velas
num campo de futebol improvisado perto da nossa casa,
para conseguir jogar bola até o raiar do sol. A energia
elétrica ainda não tinha chegado à nossa fazenda naquela
época, então recorremos à luz de velas para iluminar
nossas noites. No auge de uma famosa pelada entre
irmãos, ouvimos o ruído de um carro se aproximando.
Com os olhos arregalados, Estevinho gritou: — Mainha
e painho estão voltando! Ele mal tinha fechado a boca
quando minha irmã ordenou: — Apaga as velas e corre!
Foi um verdadeiro alvoroço. Não sabíamos se
apagávamos as velas ou se corríamos para dentro de
casa, para fingir que estávamos dormindo. No final,
descobrimos que era o barulho de outro carro, não se
tratava dos nossos pais. Gargalhadas espontâneas
começaram a surgir, contagiando um a um. Não era de se
admirar, tudo era motivo de riso naquela época, e era
impossível não sorrir diante daquela situação inusitada.
Os dias foram se passando, os meses se transformaram
em anos, e minha doce infância voou com o vento que
me arrastou para o caos chamado vida adulta. A
simplicidade e a inocência daqueles tempos deram lugar
às responsabilidades e desafios que a vida adulta traz.
Contudo as lembranças daqueles momentos preciosos
permanecem vivas em minha memória, como um
lembrete constante da alegria e da leveza que a infância
proporcionou.
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