Em
conversa com um amigo, quase tão leviano quanto ele, disse:
— Preciso
fugir de qualquer jeito.
— Você
antes a queria e agora não quer mais?
— Antes
era só uma aventura e não me importava nada, mas agora eu estou amarrado e
preciso libertar-me. Não gosto desta situação e não quero passar o resto da
minha vida aqui. Nem com as mulheres de Artúrio eu não queria casar, muito
menos com uma índia ignorante.
— Que vai
ser mãe do seu filho. Por que não pode amá-la? É uma mulher como outra
qualquer.
— PWY1,
não me irrite.
— Ainda
bem que não fiz nada com as índias. Quase que eu entrei no mesmo caminho seu.
Já pensou, poderia estar enrolado também como você.
— Tem que
haver um jeito de me livrar disso, tem que haver um jeito... não vou suportar
ficar aqui para sempre...
— Vamos
pensar numa fuga.
— E se eu
colocasse fogo na oca enquanto ela dorme? Passaria como um acidente e eu me
libertaria...
— Para
depois se envolver com outra índia e fazer o mesmo, RMT12? – disse XPZ4, que
ouviu a conversa enquanto passava perto do local onde ambos conversavam.
— Chegou o
perfeitinho! Por que está assim tão contra mim? Não éramos amigos?
— Não
estou contra você. Assuma sua responsabilidade e não fique procurando uma forma
de fuga. Já lhe falamos isso. Já pensou na sua consciência pesada se matar uma
pessoa?
— E eu
tenho consciência?
—
Realmente, para pensar no que está pensando em fazer, acho que não tem mesmo.
Você é uma pessoa podre e sem caráter, RMT12. Não pensava que tivesse uma
índole tão baixa assim.
— Já estou
cheio dessas suas provocações. Posso pensar em alguma coisa para você...
—
Matar-me? Estou aqui pronto.
— Parem
com isso – disse DPF10 –, ou vamos ter que chamar os índios para resolver a
briga de vocês!
Atraído
pela conversa, AST8 deu uma boa gargalhada e disse:
— Seria
muito interessante ver dois astronautas de Artúrio brigando de arco e flecha
sob a supervisão dos índios.
— RMT12
quer fugir do compromisso com a índia. Estava passando aqui e o ouvi dizer de
incendiar a oca enquanto ela dormir.
— Você
ficou louco! Por que não pensou nas consequências de seus atos antes de
consumá-los? – disse AST8.
— Lá vem
mais um dando lição de moral.
— Você me
enoja – disse XPZ4.
— Os
santos são para salvar os perdidos – disse RMT12.
— Mas você
não quer salvação, porque, se quisesse, não pensaria em incendiar a oca. Não
sou santo, mas procuro fazer o melhor. E você, o que está pensando em fazer em
benefício de todos?
— Sumir e
deixar todos em paz.
— Isso não
é solução para o seu problema.
—
Santinho, não se meta na minha vida!
— Se suas
atitudes prejudicarem seja quem for, é minha obrigação tentar evitar, e isso eu
vou fazer você querendo ou não.
À noite
reuniram-se RMT12 e PWY1 para pensar em alguma fuga perfeita.
— Quem
sabe sair durante a madrugada – disse PWY1 –, pegar a canoa dos índios e sair
remando pelo rio. Mas o que fazer com os animais selvagens? E os jacarés?
— Não sei
se no rio tem jacarés, piranhas ou outros peixes agressivos – disse RMT12. –
Além disso, não sei nadar e não tenho prática com remos.
— Se sair
pela floresta, corre o perigo de encontrar uma onça.
— Posso
levar uma arma paralisante.
— AST8
pode perceber que falta uma arma e entender que você fugiu.
— Então o
que fazer?
— Talvez o
melhor ainda seja fugir pelo rio, porque o rio vai levar você a algum lugar.
— Porém,
não existem cidades aqui. Somente aldeias de índios.
— Sim,
mas, quem sabe você chegando a outra aldeia, eles lhe ajudem, lhe mostrem alguma
forma de sair da floresta?
— Tudo
aqui é floresta. Não tem como sair dela. O mar está muito longe daqui, e como
vou enfrentar o mar numa canoa? Estou desesperado, PWY1. Parece que não tem
solução. Pelo mapa da nave, estamos num local muito distante da civilização. A
Europa e a Ásia estão do outro lado do oceano e não temos nenhum barco para
atravessar.
— E se
construíssemos um barco de madeira? Podemos escolher um lugar na floresta onde
se possa construir um barco, e você foge nele.
— Isso é
loucura, PWY1. Não é possível fazer isso.
— Como
não? É claro que não vai ter o conforto de um submarino, mas em nosso planeta
existiram os navegadores que atravessavam os mares em navios de madeira com
velas de pano.
— Sim,
lembro-me de que li isso.
— Então?
— Continuo
achando uma loucura, mas vou pensar.
— Se fizer
isso, podemos construir uma bússola à moda antiga dos nossos navegadores, pois
temos o material necessário na nave. Pelo menos você não fica desorientado no
mar.
— Isso é
loucura, isso é loucura!
— E que
outra solução você tem? Se fugir na canoa dos índios, não vai sair da mata e,
se for pela mata, também não sai dela. Jamais verá a civilização atrasada da
Terra de novo e vai virar almoço ou jantar de onças.
— Às vezes
penso em ter um pouco mais de paciência e esperar... Quem sabe chegue a peça de
que precisamos, quem sabe consigamos consertar a peça estragada que temos, não
sei, não sei...
No auge do
desespero, RMT12 resolve construir o barco de madeira. PWY1 o ajuda e em um mês
o pequeno barco está pronto. Rápido, o mais rápido possível. Capacidade para
uma pessoa, com uma vela e uma bússola.
— Não
tenho coragem de lançar-me ao mar assim. É muito perigoso. O que eu faço?
— Fique
aqui com a índia. Simples assim – disse PWY1.
— Não
quero. Preciso voltar a Artúrio.
— Então
fique aqui, porque é a única possibilidade que todos nós temos. Aqui temos o
rádio para nos comunicarmos com outras naves e, na Europa ou na Ásia, ainda que
consiga chegar vivo no barco de madeira, que possibilidade terá de voltar a Artúrio?
— Nesse
ponto você tem razão, mas estamos aqui há seis meses, meu amigo, seis meses, e
não temos nenhuma possibilidade de retorno. Em Roma ou Jerusalém, ainda que
sejam civilizações atrasadas, pelo menos são civilizações. Não são índios
ignorantes. Lá eles têm teatros, festas, templos para visitar, praças públicas,
e aqui só tem onças, índios, cobras e mosquitos. Tentaria até conformar-me em
não voltar nunca mais a Artúrio, desde que saísse daqui.
— Então
fuja no barco de madeira, RMT12! Tome uma decisão, porque eu já estou ficando
com dor de cabeça.
— Não
tenho noção de quanto tempo precisaria para chegar à Europa.
—
Provavelmente vários meses. Vai ter que pescar e cozinhar para sobreviver.
Enquanto
isso, as aulas continuavam e também os esforços para consertar a peça estragada
da nave. Se conseguissem pelo menos sair da floresta, já seria um grande
evento, digno de grande comemoração. AST8 estava empenhado no conserto da nave.
Uma semana
se passou e AST8 conseguiu fazer o motor da nave funcionar. Não sabia por
quanto tempo conseguiria voar, mas sair da floresta e conseguir chegar à Europa
já seria um feito magnífico.
Marcaram a
partida para dali a dois dias. Agora era a decisão sobre se RMT12 iria ficar ou
não. Apesar dos entendimentos havidos, todos foram de acordo com que ele fosse,
menos XPZ4 e todo o pessoal que ensinava o Evangelho aos índios. Porém, não
impediram seu embarque, e a nave decolou à noite, silenciosamente, com destino
à Europa. Não avisaram os índios, porque RMT12 seria impedido por eles, por
causa da sua esposa índia. Para suavizar sua situação perante os ocupantes da
nave, RMT12 disse da existência do barco de madeira com a vela. Disse que havia
feito uma experiência, porque recentemente havia lido documentos sobre os
navegadores de seu planeta que em épocas remotas haviam cruzado os mares em
barcos a vela. E, já que tinha tanta madeira disponível, resolveu construir o
barco e sugeriu deixarem o barco como presente aos índios.
— Você não
me engana, RMT12. Este barco foi feito para sua fuga – disse XPZ4.
Então,
apresentaram o barco aos índios e explicaram como funcionava a posição das
velas, conforme a direção em que se queria navegar. Os índios ficaram
felicíssimos, mas, para surpresa deles, no dia seguinte não viram mais a nave.
O voo foi
lento para não forçar o motor consertado e não forçar o outro, que também
apresentava problemas.